Pela primeira vez, maior exposição mundial de arte não abrirá suas portas em Kassel, mas em abril na Grécia. Em entrevista, ministra grega da Cultura, Lydia Koniordou, fala sobre o que o mundo pode aprender dos gregos.
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Durante 40 anos Lydia Koniordou trabalhou como atriz e diretora em diversos teatros na Grécia. Em novembro de 2016, assumiu o cargo de ministra da Cultura e do Esporte no governo de Alexis Tsipras.
Em entrevista, ela falou sobre o papel da cultura num país marcado pela crise, como também sobre a Documenta, a maior exposição mundial de arte que acontece, tradicionalmente, a cada cinco anos na cidade alemã de Kassel, mas que nesta edição terá Atenas como segunda locação.
O lema da Documenta 14 é "Aprendendo com Atenas". À DW, Lydia Koniordou falou sobre o que o mundo pode aprender com os gregos: "Democracia. Em todo o mundo, nos encontramos numa encruzilhada."
DW: A política de austeridade econômica da Grécia parece ser bem-sucedida. Em vez dos 875 milhões de euros acordados com os credores, o orçamento de 2016 mostrou um orgulhoso superávit primário de 4,4 bilhões de euros. Como a cultura contribuiu para tal?
Lydia Koniordou: Atualmente, cada euro é utilizado da melhor maneira possível. Evitam-se desperdícios, economiza-se, e o maior ganho possível é tirado de cada gasto. Pela primeira vez na história, os orçamentos dos dois teatros estatais em Atenas e Salônica apresentam um superávit, mesmo que pequeno. Assim, ficamos cada vez mais aptos a responder às exigências do público, para aumentar os padrões de qualidade artística e criar postos de trabalho.
Neste ano, a 14ª edição da Documenta vai acontecer durantes três meses em dois lugares: em 8 de abril ela se inicia em Atenas, em 10 de junho, em Kassel. O lema da mostra artística é "Aprendendo com Atenas". O que se pode aprender com Atenas?
Democracia. Em todo o mundo, nos encontramos numa encruzilhada. Deixamos para trás uma velha época e estamos prestes a entrar numa nova, sem saber para onde a viagem vai levar. Mas, de uma coisa estou certa: a democracia, o presente que a pequena Atenas deu ao mundo no século 5° a.C não é algo óbvio, é preciso esforço contínuo. É preciso ser vigilante para que os bens sociais sejam mantidos, para que a transparência prevaleça nas instituições em constante mudança.
A primeira parte da Documenta vai abordar isso em Atenas?
Documenta 2017: cidade de Kassel divide as honras com Atenas
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Haverá uma série de eventos sobre temas como democracia, liberdade, tolerância perante as diferenças, com a presença de muitos participantes renomados. Esse vai ser um dos focos. O segundo é sobre os jovens artistas, o que eles têm a nos dizer. Suas contribuições poderão ser vistas não só em museus, mas também em lugares públicos. Então se mostrará que a cultura não é algo isolado em si mesmo, mas parte da mudança social, ou pode até mesmo ser o impulso inicial para tal.
Antes da crise, as atividades culturais no país eram financiadas em grande parte pelo setor público. É verdade que nos últimos anos cada vez mais fundações privadas estão envolvidas nesse financiamento?
A crise é um desafio. Ela nos obriga não somente a testar nossas prioridades, mas também a utilizar mais as verbas da União Europeia para financiar projetos artísticos e culturais. No ano passado, conseguimos obter 94% do dinheiro destinado à Grécia pela UE para tais fins. Parece óbvio, mas é uma novidade.
Por sorte, há também a importante contribuição da Fundação Stavros Niarchos, que disponibiliza a sua infraestrutura e apoia financeiramente tanto instituições culturais estatais quanto organizações privadas. A Fundação Onassis participa do financiamento dos trabalhos de reforma do teatro estatal. Outras instituições também mostraram interesse em ajudar a cultura. Nestes tempos difíceis, é importante que volte a despertar o espírito do "grande benfeitor", que conhecemos do século 19.
Documenta completa 60 anos
As intervenções da mostra marcam o espaço público de Kassel desde 1955, como é o caso dos 7 mil carvalhos plantados pelo artista Joseph Beuys em 1982. Relembre alguns momentos e obras impactantes das últimas 60 décadas.
Foto: picture-alliance/dpa/U. Zucchi
Intervenção artística
Desde seus primórdios, em 1955, a Documenta aposta numa veia de provocação, com a finalidade de instigar o público. Em 2012, por exemplo, o artista francês Pierre Hughes deixou seu cachorro Human correr solto pelo parque de Kassel, como uma obra de arte viva. Ao que parece, uma cansativa tarefa a serviço da arte...
Foto: DW
Paisagismo
A área livre dos parques em torno da Documenta também é utilizada pelos artistas. Em 1977, o grupo Haus-Rucker-Co. criou uma moldura de aço especialmente para esta vista.
Foto: Imago
O retorno da abstração
A estrela da primeira edição da mostra foi o escultor britânico Henry Moore, pouco conhecido na Alemanha até então devido ao isolamento a que foi submetido na época do nazismo. Theodor Heuss (d), primeiro presidente da Alemanha Ocidental, admira esta figura abstrata feita de bronze.
Foto: Ullstein AKG
Pop Art
O ano de 1968 foi marcante para a história da Documenta: happenings selvagens, orgias de sangue do artista performático Nitsch, o ar empacotado de Christo e sobretudo a pop art americana chocaram a provinciana Kassel. Um dos ícones da pop art, Andy Warhol, esteve representado com suas famosas imagens em série, como "Marylin". Banalidades do cotidiano como arte: isso era algo novo para a Documenta.
Foto: picture alliance/AP Images
Hiperrealismo
A quinta edição da Documenta ficou conhecida pela inovação – até demais para 1972. A exposição foi considerada um escândalo: cara demais e incompreensível. A curadoria de Harald Szeemann sofreu severas críticas. Ela levou para Kassel esculturas hiperrealistas, como a que representa uma faxineira, de autoria de Duane Hatson.
Foto: picture-alliance/dpa/empics/L. Hurley
Um quilômetro vertical na Terra
O americano Walter de Maria já havia causado estranhamento em 1972. Na Documenta 6, em 1977, ele foi o autor de uma obra que causou furor: um buraco de um quilômetro de profundidade e 5 centímetros de diâmetro foi perfurado na terra e preenchido com barras de latão. Minimalista e com referências astronômicas, a obra era caracterizada pela ausência e não foi compreendida pela maioria.
Foto: picture-alliance/dpa/U. Zucchi
Sete mil carvalhos
Joseph Beuys ficou conhecido por criar obras artísticas de teor político e, por meio delas, fomentar intensos debates sociais. Em 1982, na sétima edição da Documenta, ele plantou 7 mil carvalhos na cidade, colocando ao lado de cada árvore uma coluna de basalto. Polêmica no início, a obra se tornou uma parte marcante do espaço público de Kassel.
Foto: picture-alliance/akg-images/N. Stauss
Caminhada para o céu
Jonathan Borofsky empreendeu uma aventura artística na nona edição da Documenta: instalar uma escultura instável bem no meio da cidade, exposta ao vento e à chuva. A obra foi a intervenção mais popular de 1992, tendo sido considerada um dos símbolos da mostra. Ela permanece em Kassel graças a doações e patrocinadores que tornaram a aquisição possível.
Foto: picture-alliance/dpa/U. Zucchi
Primeira curadora não-alemã
A curadoria de Catherine David já gerava debates em Kassel antes mesmo de começar a décima edição da Documenta, em 1997: francesa, ela era a primeira curadora não alemã da mostra, além de a primeira mulher. Ignorando as críticas, Catherine elaborou uma seleção de artistas que bateu o recorde de visitantes: mais de 630 mil. A internet era, pela primeira vez, uma plataforma de debates sobre arte.
Foto: picture alliance/akg-images/B. Meya
Instalação de arte: 1001 chineses
Numa obra um tanto incomum, Ai Weiwei espalhou mais de mil chineses por Kassel em 2007. Eles caminhavam pela cidade, como parte da instalação "Fairytale". Os dormitórios deles também eram parte da instalação artística e podiam ser admirados pelos visitantes da Documenta. Não foram poucos os que se perguntaram se isso era mesmo arte.
Foto: AP
Arte globalizada
A décima terceira e última edição da Documenta atingiu, em muitos aspectos, recordes mundiais. Quase 300 artistas vindos da América Latina, da África, da Ásia e do Leste Europeu foram convidados pela curadora Carolyn Christov-Bakariev. A globalização foi tema da instalação "Time/Bank", da dupla de artistas Julieta Aranda (México) e Anton Vidokle (Rússia).
Foto: Nils Klinger
O que fica da Documenta...
A cada cinco anos, Kassel é invadida pelos amantes da arte. Mais de 830 mil pessoas estiveram na última edição – o que, apesar de ser ótimo para a arte, nem sempre agrada os moradores. Apenas quando o número de espectadores se reduz é que os moradores têm um tempinho a mais para admirar as obras que, às vezes, acabam ficando por lá pra sempre. É o caso da "Idee di Pietra", de Giuseppe Penone.