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Aborto, um assunto delicado entre médicos na Alemanha

Nancy Isenson av
11 de maio de 2018

Interrupção da gravidez é permitida em alguns casos no país, mas são raros os médicos que a realizam. Leis restritivas e pouco espaço no currículo de universidades levam a escassez de profissionais qualificados.

Instrumentos para aborto
Em 2017, 277 abortos foram realizados por dia na AlemanhaFoto: picture-alliance/Keystone/C. Beutler

Cerca de 101.200 abortos foram praticados na Alemanha em 2017 – 277 por dia. Portanto, não se trata exatamente de um procedimento raro. Mais um motivo para a futura médica Alicia Baier ter ficado chocada ao se dar conta de que a prática não desempenhava praticamente nenhum papel em seu currículo na Universidade da Charité de Berlim.

"Em seis anos de estudos, em que aprendemos muitos detalhes de que não precisaremos mais tarde, nós não aprendemos quase nada sobre uma intervenção tão importante", diz.

Leia também: A legislação sobre aborto no mundo

De fato, o aborto é importante. Mas também é contra a lei na Alemanha. As exceções são: se existe necessidade médica; se a gravidez resultou de um estupro; se ainda não foi alcançada a 12º semana de gestação e a mulher participou de uma sessão de aconselhamento. Isso não significa que o aborto seja legal nesses casos, só que nem a gestante nem o médico que o pratique estão sujeitos a punição.

No entanto, não é especialmente fácil encontrar um médico disposto a realizar o procedimento. Parte do problema é que os profissionais são proibidos de divulgar que praticam abortos. O banimento se estende até mesmo a prover informações sobre a prática em seus websites.

Falta de informação e de profissionais

Outro problema é que aparentemente há cada vez menos profissionais habilitados a praticar a interrupção de gravidez, à medida que os mais velhos se aposentam. É difícil chegar a números exatos: o Departamento Federal de Estatísticas (Destatis) indica haver cerca de 1.200 locais que fazem abortos na Alemanha, mas não sabe dizer quantos médicos realizam a intervenção.

Segundo um funcionário, o Destatis não coleta essa informação porque isso poderia ser considerado ajuda. No entanto, ele indicou à DW o site do ginecologista austríaco Christian Fiala, para dar uma ideia da situação.

O www.abtreibung.at  tornou-se uma fonte de informações bastante conhecida. Sua função de busca permite a mulheres de diversos países – mas sobretudo da Alemanha – encontrar o médico praticante mais próximo.

O site lista 1.141 médicos no país, dos quais 111 estão em Berlim, não mais do que quatro em Bonn – uma cidade universitária com 320 mil habitantes – e nenhum em Trier, com seus 110 mil moradores. As grávidas locais precisam atravessar a fronteira estadual e viajar no mínimo 45 quilômetros até o Sarre para se submeter a um aborto.

Além das Igrejas Católica e Luterana, a ONG Pro Familia oferece as sessões de aconselhamento obrigatórias às que pretendem interromper a gravidez sem ter que justificar sua opção. O aparente declínio do número de praticantes não escapou à atenção do grupo.

"A Pro Familia está preocupada com os relatos de diversos estados indicando déficits na provisão de abortos", comunicou a ONG em e-mail à DW. "Os estados precisam cumprir sua obrigação de assegurar 'um número adequado de estações ambulantes e estacionárias para conduzir a interrupção de gestações', como exige a lei."

Como os estados também são individualmente responsáveis pelo ensino, os requisitos para as escolas médicas diferem. Quando se trata de treinar as novas gerações, contudo, a situação é ruim de ponta a ponta, aponta a Pro Familia. Se a tendência se mantiver, um dia simplesmente não haverá mais médicos capazes de executar abortos na Alemanha.

Dez minutos para tratar do assunto

Em Berlim, conta Alicia Baier, a prática só é abordada perto do fim dos estudos, no nono de 12 semestres, e aí apenas num seminário sobre diagnóstico pré-natal. "A interrupção de uma gravidez é tratada em dez minutos, se se tiver sorte. Colegas meus disseram que nem tiveram esse tema, por falta de tempo."

No entanto, exige-se dos futuros doutores que sejam capazes de discutir os aspectos legais e éticos do aborto, assim como estarem cientes da "carga psicológica no contexto social". Isso, embora nem toda mulher sinta essa carga, ressalva Baier.

No fim de 2015, ela considerou formar um grupo para combater o déficit que percebia na escola médica. "Quando abordava a ideia com meus colegas, geralmente ouvia: 'Realmente não sei tanto assim sobre o tópico para poder discutir, mas não tenho a impressão de que seja um problema na Alemanha. Tudo é certamente bem organizado.'"

Tais atitudes, que a estudante considerava perigosas, ajudaram-na a fortalecer sua determinação. "Quem se torna ginecologista decidirá por si se vai praticar interrupções, e se não entra em contato com isso durante os estudos, se não tem a sensação de que seja um problema, então é mais provável que vá dizer, mais tarde: 'Eu não vou oferecer abortos'", diz a estudante.

Em Berlim, organização MSFC promove oficinas sobre aborto usando papaias para simular úterosFoto: Medical Students for Choice Berlin

Praticando com mamões

Baier e outros estudantes que integram o braço da organização internacional Medical Students for Choice (Estudantes Médicos pela Escolha – MSFC) na Charité desejam que as faculdades médicas ensinem os futuros profissionais a praticarem abortos e que seja eliminado o tabu que cerca a decisão de interromper uma gravidez. Entre os instrumentos que utilizam, estão mamões.

Nas oficinas práticas organizadas pela MSFC, os ginecologistas ajudam os estudantes a praticarem abortos nas frutas, substitutas de úteros. Eles praticam uma das duas maneiras mais comuns de interromper uma gravidez, a aspiração a vácuo, usando sucção para remover as sementes dos mamões.

"A oficina deixa claro que não se trata de uma operação extrema, mas sim de uma intervenção relativamente pequena e descomplicada, de dez minutos", explica Baier.

Porém, há um outro aspecto nesse exercício, talvez o mais importante: "Ele oferece uma plataforma aos estudantes para conversarem com ginecologistas que praticam abortos", diz a estudante.

Infelizmente, no momento essa é uma plataforma apenas para mulheres. Segundo Baier, poucos homens têm se envolvido com a MSFC – algo que ela gostaria de mudasse. "Homens são muito bem-vindos", diz.

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