Absolvição de ex-vigia que matou jovem negro divide Estados Unidos
15 de julho de 2013 O assunto desperta debate nos Estados Unidos. E é polêmico não só nas grandes redes de televisão, como também entre os frequentadores da missa de domingo em St. Augustine, a principal igreja da comunidade católica negra em Washington. "Um homem branco atirou num afro-americano. É muito fácil fazer disso uma questão racial. Mas devemos ser cautelosos e aprender com isso", diz o jovem Raymond Umunna, um dia após a absolvição do ex-vigia George Zimmernan. Outros não argumentam com tanta cautela. Uma frequentadora da igreja, que não deseja ter seu nome citado, se irrita com a parcialidade do julgamento.
A internet está cheia de insultos contra Zimmerman e o tribunal que o absolveu. "Ele deve ser enforcado", diz um internauta. Outro escreve, decepcionado, que não existe igualdade perante a lei.
Um idoso que vende jornais diante da igreja suspira e afirma que é "um caso triste". "Trayvon Martin estava desarmado", diz. Para ele, não é só uma questão racial, mas também um problema de status social. Ele lembra que Zimmerman é filho de um juiz. "Eles fazem o que querem", acusa, resignado.
A absolvição do ex-vigia George Zimmerman, que matou com um tiro o adolescente negro Trayvon Martin, de 17 anos, em uma pequena cidade na Flórida, alegadamente em legítima defesa, também é tema do sermão do padre da igreja. No discurso, ele recordou inúmeros casos que viveu de discriminação e marginalização, terminando por pedir aos fiéis que se lembrem da Parábola do Bom Samaritano: seguir sempre um bom exemplo, apesar de tudo.
Lei controversa
Michael Werz, especialista em conflitos étnicos do Center for American Progress, em Washington, lembra da responsabilidade da política. Ele menciona a lei Stand your ground (não ceda terreno), que vigora na Flórida desde 2005 e permite o uso de uma arma letal em caso de ameaça à vida, mesmo que a situação permita um outro modo de se livrar do perigo.
Werz interpreta a lei como condição ideal para que pessoas como George Zimmerman, que se consideram "policiais privados", possam fazer, armadas, rondas na vizinhança. "Eles expulsam pessoas do bairro que acreditam não pertencerem àquela região", diz.
O especialista não tem dúvida de que, pelo menos nesta hora, a questão racial tenha desempenhado um papel. "Trayvon Martin era alguém que se encaixava em qualquer esquema típico de preconceito", avalia. "Por isso, este caso tem um potencial elevado de explosão política aqui nos EUA."
O presidente Barack Obama pediu no domingo que seus compatriotas respeitem a decisão do tribunal, aproveitando, ao mesmo tempo, para defender leis de controle de armas mais rígidas. O ativista de direitos civis Jesse Jackson, por sua vez, pediu prudência. Ele ressaltou, porém, que nenhum representante da população negra havia sido nomeado para integrar o júri do tribunal. Os pais de Trayvon acusaram as autoridades de não terem investigado o caso adequadamente porque seu filho era negro.
Discriminação ainda presente
Werz diz que as acusações são compreensíveis. "Há uma mistura de fatores relacionados à origem étnica, cor da pele e status social, que muitas vezes leva pessoas a serem colocadas em uma posição de perdedores pela polícia ou nos tribunais”, opina.
Cinco décadas após o famoso discurso I Have a Dream, de Martin Luther King, ainda parece haver uma consciência cotidiana comum de que as diferenças de cor da pele continuam a desempenhar papel importante nos EUA, embora isso não devesse ser assim, na opinião da grande maioria. Isso também se aplica à relação entre grupos populacionais. Zimmerman, por exemplo, é tido como um "branco hispânico", ou seja, de origem latino-americana.
Na imprensa americana e na internet, a questão da raça também é foco de discussões, não raro carregadas de emoção. "É verdade que preconceitos desempenham um papel e que há um racismo cotidiano nos Estados Unidos", avalia Werz. "Mas o grande sucesso do movimento dos direitos civis possibilitou que as reivindicações individuais pela igualdade de tratamento sejam fortemente protegidas pelas leis, fazendo com que uma discriminação sistemática seja, na prática cotidiana, muito difícil e até impossível de ocorrer, seja nos transportes públicos, nas universidades ou em instituições governamentais."