Absolvida por Moro, mulher de Cunha é condenada pelo TRF-4
19 de julho de 2018
TRF-4 revê decisão do juiz federal e condena Cláudia Cruz a dois anos e seis meses de prisão por evasão de divisas. Jornalista é acusada de ter se beneficiado de propina paga a seu marido em esquema na Petrobras.
Anúncio
O Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4) condenou nesta quarta-feira (18/07) a jornalista Cláudia Cruz, mulher do ex-deputado federal Eduardo Cunha, a dois anos e seis meses de prisão pelo crime de evasão de divisas, no âmbito da Operação Lava Jato.
A pena deverá ser cumprida em regime inicial aberto, sendo depois substituída por restritivas de direitos. Cruz ainda tem direito a recorrer da condenação em segunda instância e, enquanto isso, pode aguardar em liberdade.
A decisão diverge do entendimento do juiz federal Sérgio Moro, da primeira instância, que em maio de 2017 absolveu a jornalista dos crimes de evasão e lavagem de dinheiro no mesmo processo. Cruz foi acusada de ter se beneficiado de propina desviada da Petrobras para seu marido.
Em julgamento nesta quarta-feira, a Oitava Turma do TRF-4 concluiu que ela cometeu evasão de divisas ao manter uma conta no exterior sem declarar o saldo às autoridades brasileiras.
O colegiado, contudo, manteve a absolvição do crime de lavagem de dinheiro por entender que não há provas que comprovem que os recursos depositados na conta são fruto de "ilícitos perpetrados anteriormente".
O advogado de Cruz, Pierpaolo Bottini, afirmou que vai recorrer da condenação por evasão de divisas, já que não foi uma decisão unânime da Oitava Turma, embora tenha considerado positiva a absolvição por lavagem de dinheiro.
Segundo a acusação, Cruz usou parte do dinheiro ilegal para comprar objetos de luxo a partir de uma conta na Suíça. O valor seria parte de uma propina de 1,5 milhão de dólares repassada a Cunha para facilitar a compra pela Petrobras de um campo petrolífero em Benin, na África, em 2011.
Pelos mesmos fatos, o ex-deputado do MDB foi condenado por Moro a 15 anos e quatro meses de prisão e está preso em um presídio na região metropolitana de Curitiba.
Ao absolver Cruz no ano passado, Moro afirmou que a jornalista teve "participação meramente acessória" no esquema, e considerou "bastante plausível" a alegação dela de que a gestão financeira da família era de responsabilidade de seu marido.
"Cumpre observar que, de fato, não há prova de que ela tenha participado dos acertos de corrupção [de Cunha]", escreveu o juiz na decisão. "Deveria, portanto, a acusada ter percebido que o padrão de vida levado por ela e por seus familiares era inconsistente com as fontes de renda e o cargo público de seu marido. Porém, [o comportamento] não é suficiente para condená-la."
A Polícia Federal apura, desde 2014, um esquema bilionário de lavagem e desvio de dinheiro envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras e políticos. Entenda a maior investigação sobre corrupção já conduzida no país.
Foto: AFP/Getty Images
O início
A Operação Lava Jato foi deflagrada pela Polícia Federal em 17 de março de 2014. Começou investigando um esquema de desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro e descobriu a existência de uma imensa rede de corrupção envolvendo a Petrobras, grandes empreiteiras do país e políticos. O nome vem de um posto de gasolina em Brasília, um dos alvos da PF no primeiro dia de operação.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Brandt
O esquema
Executivos da Petrobras cobravam propina de empreiteiras para, em troca, facilitar as negociações dessas empresas com a estatal. Os contratos eram superfaturados, o que permitia o desvio de verbas dos cofres públicos a lobistas e doleiros, os chamados operadores do esquema. Eles, por sua vez, eram encarregados de lavar o dinheiro e repassá-lo a uma série de políticos e funcionários públicos.
Foto: Reuters/S. Moraes
As figuras-chave
O esquema na Petrobras se concentrava em três diretorias: de abastecimento, então comandada por Paulo Roberto Costa; de serviços, sob direção de Renato Duque; e internacional, cujo diretor era Nestor Cerveró. Cada área tinha seus operadores para distribuir o dinheiro. Um deles era o doleiro Alberto Youssef (foto), que se tornou uma das figuras centrais da trama. Todos os citados foram condenados.
Foto: imago/Fotoarena
As empreiteiras
As grandes construtoras do país formaram uma espécie de cartel: decidiam entre si quem participaria de determinadas licitações da Petrobras e combinavam os preços das obras. Os executivos da estatal, por sua vez, garantiam que apenas o cartel fosse convidado para as licitações. Entre as empresas investigadas estão Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa. Vários executivos foram condenados.
Foto: Reuters/P. Whitaker
Os políticos
O núcleo político era formado por parlamentares de diferentes partidos, responsáveis pela indicação dos diretores da Petrobras que sustentavam a rede de corrupção dentro da estatal. Os políticos envolvidos recebiam propina em porcentagens que variavam de 1% a 5% do valor dos contratos, segundo os investigadores. O dinheiro foi usado, por exemplo, para financiar campanhas eleitorais.
Foto: J. Sorges
De Cunha a Dirceu...
A investigação só entrou no mundo político em 2015, quando a Lava Jato foi autorizada a apurar mais de 50 nomes, entre deputados, senadores e governadores de vários partidos. Desde então, viraram alvo de investigação políticos como os ex-parlamentares Eduardo Cunha (foto) e Delcídio do Amaral, ambos cassados, os senadores Renan Calheiros, Fernando Collor e o ex-ministro José Dirceu.
Foto: Reuters/A. Machado
... e Lula
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é réu em dez processos relacionados à Lava Jato, sendo acusado pelos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e obstrução da Justiça. As denúncias indicam que Lula teria recebido benefícios das empreiteiras OAS e Odebrecht, envolvendo imóveis no Guarujá e São Bernardo do Campo. Em 2018, ele foi preso e teve uma nova candidatura à Presidência barrada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/F. Dana
As prisões
A Lava Jato quebrou tabus no Brasil ao encarcerar altos executivos de empresas e importantes figuras políticas. Entre investigados e aqueles já condenados pela Justiça, estão o executivo Marcelo Odebrecht, ex-presidente da Odebrecht; Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara; Sérgio Cabral, ex-governador do Rio; os ex-ministros José Dirceu (foto) e Antonio Palocci, entre outros.
Foto: picture-alliance/dpa/EPA/H. Alves
As delações
Os acordos de delação premiada são considerados a força-motriz da operação. Depoimentos como o de Marcelo Odebrecht (foto) chegam com potencial para impactar fortemente a investigação. O acordo funciona assim: de um lado, os delatores se comprometem a fornecer provas e contar o que sabem sobre os crimes, além de devolver os bens adquiridos ilegalmente; de outro, a Justiça reduz suas penas.
Foto: Getty Images/AFP/H. Andrey
O juiz
Responsável pela Lava Jato na 1° instância, o ex-juiz federal Sergio Moro logo ganhou notoriedade. Em manifestações, foi ovacionado pelo povo e chegou a ser chamado de "herói nacional". Mas também foi acusado de agir com parcialidade política. Em 2018, deixou o cargo e aceitou ser ministro do presidente Jair Bolsonaro, cuja candidatura foi beneficiada pela prisão de Lula no ano anterior.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Expansão internacional
Se começou num posto de gasolina em Brasília, a Lava Jato ganhou proporções internacionais com o aprofundamento das investigações. Segundo dados do Ministério Público Federal levantados a pedido da DW Brasil, a investigação já conta com a cooperação de pelo menos outros 40 países (veja no gráfico acima). Além disso, 14 países, fora o Brasil, investigam práticas ilegais promovidas pela Odebrecht.
Um terremoto político
Ao longo de cinco anos, a Lava Jato influenciou o impeachment de Dilma Rousseff, enfraqueceu o governo Michel Temer e contribuiu para a derrocada de velhos caciques do PT, MDB e PSDB. Em 2018, Lula, então favorito para vencer as eleições presidenciais, foi preso e teve a candidatura barrada. As investigações também fortaleceram um discurso antissistema que beneficiou a campanha de Bolsonaro.
Foto: picture-alliance/dpa/ZUMAPRESS/C.Faga
Críticas e revelações
A Lava Jato também acumulou acusações de parcialidade e de abusos em seus métodos. Em 2019, os procuradores da força-tarefa foram duramente criticados por tentarem criar uma fundação para gerenciar uma multa bilionária da Petrobras. No mesmo ano, conversas reveladas pelo site "The Intercept" apontaram suspeita de conluio entre Moro e os procuradores na condução dos processos, o que é proibido.