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Acabar com o crime no Rio, uma velha promessa

14 de março de 2018

Nas últimas décadas, promessas de soluções foram tão constantes quanto a persistência da criminalidade. Atual braço-direito de Temer chegou a afirmar em 1986 que poria fim à violência em seis meses.

Em 2010, Sérgio Cabral, então governador do Rio, visita UPP com Pezão no Rio
Em 2010, Sérgio Cabral, então governador do Rio, visita UPP com Pezão no RioFoto: Abr

"O governo, que está tirando o país da maior recessão da sua história, agora vai tirar o Rio de Janeiro das mãos da violência”, indicou sem modéstia um anúncio do governo Michel Temer publicado no jornal O Globo em fevereiro, na esteira da intervenção na segurança pública do estado.

Tão persistentes quanto a violência crônica que assola o Rio há mais de três décadas são as promessas das autoridades locais e federais de solucionar o problema.

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Em 1986, uma pesquisa Ibope apontou que o desemprego era a principal preocupação dos eleitores brasileiros. A segurança aparecia em quinto lugar. Só que no Rio, o tema ocupava o topo – visto como prioritário por 44% dos cidadãos fluminenses. À época, o estado sofria com sequestros, e o tráfico começava a exibir armamento de guerra. 

Durante a campanha eleitoral daquele ano, o candidato Wellington Moreira Franco (PMDB) disse que iria "acabar com a violência no Rio em seis meses”. 

Moreira foi eleito. Aumentou investimentos e ordenou que a "polícia subisse os morros”. Mas os índices de crimes continuaram a crescer, e o governador se tornou motivo de chacota. Deixou o cargo em 1991. Entre a posse e saída, a taxa de homicídios saltou 39%.

Moreira Franco prometeu acabar com violência em seis meses em 1986.Foto: Jose Cruz/ABr

Moreira ainda teve que enfrentar um vexame adicional: seu preparador físico foi preso em 1990 por envolvimento no sequestro de Roberto Medina, o idealizador do Rock in Rio que também havia sido o marqueteiro da campanha do governador. Segundo Moreira, foi Medina que insistiu para ele prometer na TV que acabaria com a violência em poucos meses.

Hoje Moreira é ministro da Secretaria-Geral da Presidência e atua como um dos principais articuladores da  intervenção federal no Rio.

Brizola, Alencar e o Exército

O fracasso de Moreira nos anos 1980 não impediu que os sucessores fizessem promessas ambiciosas. Em 1991, Leonel Brizola (PDT), que já havia ocupado o governo entre 1983 e 1987, prometeu "enfrentar os bandidos” e ser "ainda mais vigoroso” contra policiais corruptos que participassem de grupos de extermínio.

No poder, Brizola voltou a adotar as políticas para reduzir abusos contra moradores de favelas por PMs do seu governo anterior. Criou uma delegacia antissequestro e o embrião do disque-denúncia. Mas a violência permaneceu alta, e grupos de extermínio continuaram a agir. Foi a época das chacinas da Candelária e de Vigário Geral, cometidas por PMs.

Brizola deixou o cargo no início de 1994, para concorrer à Presidência. Naquele ano, a taxa de homicídios alcançou 48,7 por cada 100 mil habitantes – 23% a mais do que em 1991.

O sucessor Nilo Batista, que ficou nove meses no cargo, não se saiu melhor. Em 1994, o Rio vivenciaria a Operação Rio I, que marcou a primeira de várias participações das Forças Armadas contra o crime no Rio. A ação foi imposta pelo presidente Itamar Franco contra a vontade do governador.

Desta vez, generais prometeram acabar com o poder de traficantes e policiais corruptos. "Os homens que não prestarem serão afastados”, disse o general Gilberto Serra, porta-voz da operação. A ação chegou ao fim sem diminuir a criminalidade e marcada por abusos, mas ajudou a campanha de Marcello Alencar (PSDB), apoiado por Itamar.

No governo, Alencar nomeou um general para chefiar a segurança e retomou a política de confronto nas favelas, rechaçada por Brizola.  "Os marginais que estão me ouvindo sabem que eu vou combatê-los, que eu sou intransigente", disse. Criou ainda uma bônus para PMs por desempenho contra criminosos. Apelidada de "gratificação faroeste”, foi um estímulo para a letalidade policial.

Alguns crimes, como sequestro, caíram, mas em 1995 o Rio veria a taxa de homicídios saltar para 61,9 para cada 100 mil habitantes, a mais alta já registrada.

O ciclo Garotinho-Benedita-Garotinho

Em 1998, com os homicídios batendo a marca de 55,3 por 100 mil habitantes (o dobro da média nacional), o candidato Anthony Garotinho (então no PDT), propôs um "serviço militar alternativo” para aproveitar jovens não selecionados pelo Exército. "Vamos recrutar a preço muito pequeno, como que o Exército paga pelo alistamento e aumentar o policiamento ostensivo”. O plano causou estranheza na imprensa e nunca avançou.

No poder, Garotinho tentou uma abordagem mista, convidou pesquisadores a elaborar planos para lidar com a criminalidade e reformar a polícia. Ao mesmo tempo, nomeou um general linha-dura para comandar a segurança.

"Você vai sentir uma mudança de conceito. O policiamento ostensivo vai ser maior. Nós vamos tombar gradativamente todos os itens da criminalidade”, disse Garotinho à época.

Por alguns meses, parecia que a abordagem dos especialistas estava vencendo, mas logo surgiram disputas com a linha-dura, que acabou prevalecendo. Em abril de 2002, Garotinho deixou o cargo e se candidatou à Presidência, sem diminuir a maior parte das ocorrências.

O governo ficou para a vice, Benedita da Silva (PT), que prometeu uma nova abordagem. "Até então só se apagou incêndio”, disse ela.

Benedita logo passou a enfrentar motins em presídios e, em junho, a prefeitura do Rio foi metralhada. O governo federal prometeu ajudar. "Vamos definir algo efetivo, que não seja demagógico, algo para valer, porque não dá mais para aguentar tanta violência'', disse o presidente Fernando Henrique.

Não houve nova abordagem. Benedita acabou apostando no combate aberto contra facções. A polícia passou a matar mais: foram 900 mortes em 2002, contra 397 em 1998. No final de 2002, a taxa de homicídios alcançou 56,5 por 100 mil habitantes, ainda o dobro da média nacional.

o ex-governador Anthony Garotinho, que também fracassou em diminuir o crime.Foto: YASUYOSHI CHIBA/AFP/Getty Images

Em 2003, Rosinha Matheus (então no PSB), mulher do ex-governador Garotinho, assumiu o governo. "Não vamos negociar com bandido”, disse. "Essa questão não terá meias palavras nem muita conversa.” Temendo uma intervenção federal, nomeou o marido, que tinha bom trânsito em Brasília, para chefiar a Secretaria de Segurança. 

Os índices de violência não retrocederam e uma nova força começou a se expandir no Rio: milícias formadas por PMs, bombeiros e ex-policiais. Em 2004, seis comunidades do Rio eram dominadas pelos grupos. Em 2014, o total passava de 148. O próprio sucessor de Garotinho na pasta da Segurança, Marcelo Itagiba, foi acusado de ligação com milicianos.

As promessas de Cabral

Em 2007, Sérgio Cabral (PMDB) assumiu o governo. "Nosso governo não vai se intimidar, não vai tergiversar para garantir tranquilidade e segurança ao povo. Esses facínoras, esses covardes terão a resposta de um governo sério. Vamos ganhar a guerra contra os criminosos", disse na posse.

No início daquele ano, o presidente Lula, aliado de Cabral, comparou a violência no Rio a ações terroristas. "Essa barbaridade que aconteceu no Rio não pode ser tratada como crime comum. Isso é terrorismo e tem que ser combatido com uma polícia forte e com a mão forte do Estado brasileiro”.

O governador lançou as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que previam uma polícia comunitária permanente nas favelas. Inicialmente, pareceu funcionar. Ocorrências caíram e ações violentas de bandidos foram encaradas como reação desesperada ao sucesso do programa. Cabral também investiu no enfrentamento. Em 2007, policiais mataram 1.330 pessoas.

Lula – e posteriormente Dilma – também disponibilizaram homens das Forças Armadas. Entre 2008 e 2015, militares foram acionados no Rio em oito ocasiões. Em 2012, o índice de homicídios caiu para 25,1 por 100 mil habitantes, abaixo da média nacional.

Mas as UPPs começaram a mostrar falhas. O programa previa uma segunda fase que iria dotar as favelas de serviços públicos de qualidade, mas essa etapa nunca se concretizou. No poder, o grupo de Cabral saqueou os cofres do estado. A corrupção, aliada aos problemas econômicos, acabou travando investimentos. A partir de 2013, os homicídios voltaram a crescer. Policiais passaram a morrer mais. Em 2017, 134 foram assassinados – maior número em 15 anos.

Cabral ainda conseguiu eleger um sucessor, Luiz Fernando Pezão. "Não vai faltar dinheiro para a segurança pública e para nenhuma política pública", disse o novo governador em 2015.

Mas sem recursos, Pezão recorreu ao Planalto. "O governo dará respostas duras, firmes e adotará todas as providências necessárias para enfrentar e derrotar o crime organizado e as quadrilhas”, disse Michel Temer ao assinar o decreto de intervenção.

Na cerimônia de assinatura estava o ministro e ex-governador Moreira Franco, que 32 anos antes prometera acabar com a violência no Rio em seis meses.

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