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Escola de cinema de Berlim é uma das mais conceituadas do gênero no país.

Soraia Vilela28 de julho de 2014

Local de formação de grandes nomes do cinema alemão, a dffb carrega também a mácula de ter rejeitado – duas vezes – um nome que se tornaria mais célebre que todos os seus alunos ou professores: Rainer Werner Fassbinder.

Deutsche Welle TV dffb Berlin Flagge
Foto: DW

Fundada em 1966, ou seja, com quase cinco décadas de existência, a Academia Alemã de Cinema e Televisão (dffb, das iniciais do nome em alemão) tem uma trajetória que se confunde com a própria história do cinema alemão. Embora até hoje entre seus alunos o número de homens seja muito maior que o de mulheres, foi na primeira turma, de 1966, que ingressou, como uma das duas únicas mulheres ao lado de mais de 30 homens, a então futura diretora Helke Sander. Ela foi uma das realizadoras alemãs mais voltadas para a questão da discussão de gênero na Alemanha. Ao lado de ninguém menos que Harun Farocki, um dos mais conceituados realizadores do país.

A dffb nasceu alguns anos depois que o chamado Novo Cinema Alemão havia sido proclamado em 1962 pelo Manifesto de Oberhausen, assinado entre outros por Alexander Kluge e Edgar Reitz. Naquele momento, o polo de produção de cinema no país era principalmente Munique e, a partir de um determinado momento, talvez também a conhecida Escola de Design de Ulm, que em 1963 inaugurou uma cadeira de cinema. Longe delas, numa Berlim cercada pelo Muro, no dia 17 de setembro de 1966 era criada a dffb, com a presença de Willy Brandt, então chanceler federal.

Entre os mais de 800 candidatos à primeira turma de estudantes da dffb estava Rainer Werner Fassbinder, que na época tinha 20 anos de idade. Ele chegou a passar pela primeira etapa de avaliação de currículos, mas foi rejeitado na prova prática. Em 1967, Fassbinder tentaria ingressar mais uma vez na dffb, tendo enviado como portfólio dois filmes e dois roteiros, segundo informações do especialista Hans Helmut Prinzler em volume publicado sobre a obra do cineasta pela editora alemã Argon. A comissão de seleção revidou outra vez: "Formação insuficiente. Filmes: não suficientes". Desta vez, Fassbinder não foi nem ao menos convidado para a prova prática.

O diretor Rainer Werner Fassbinder: sem vagaFoto: DIF/Peter Gauhe

Ebulição política

Berlim não era naquela época a "cidade do cinema", mas certamente a dos movimentos políticos. Em seus primeiros anos de funcionamento, a dffb foi palco de desavenças constantes entre direção e alunos. "Os curtas-metragens documentais e de agitação, rodados pelo coletivo de estudantes politicamente ativos, são hoje testemunhos quase completamente esquecidos do movimento estudantil alemão. O então estudante Harun Farocki pensava num aparato internacional de disseminação da propaganda socialista que fosse tão efetivo quanto a distribuição mundial da Coca-Cola", relembra o especialista em cinema e mídia Tilman Baumgärtel em seu ensaio O papel dos estudantes da dffb na revolta de 1967/68.

Naquele momento, com sede na então Berlim Ocidental, a dffb possuía somente uma mesa de montagem e uma câmera 16 mm. Em 1967 e sobretudo em 1968, o clima político era turbulento. E os curtas concluídos refletiam as posturas políticas dos alunos. Segundo Baumgärtel, os estudantes foram se transformando em ativistas políticos. "Em One plus One, de [Jean-Luc] Godard, tem um trecho que diz: 'Só há uma possibilidade de ser um intelectual revolucionário: deixar de ser um intelectual'. Sobre os estudantes da dffb, poderia se dizer: 'Só há uma possibilidade de ser um cineasta revolucionário: deixar de ser cineasta'". Os estudantes da época pretendiam fundar uma distribuidora, rodar filmes revolucionários e criar programas de uma TV pirata a serem transmitidos ao longo do Muro de Berlim.

Nos anos que se seguiram, viveu-se muito à sombra do mito criado em torno da dffb em 1968. Em momentos de maior tranquilidade política, não foram mais feitos "filmes revolucionários", mas ainda assim de viés crítico ou autorais. "E o papel desempenhado pelos estudantes da dffb nas revoltas de 1968 continua sendo um capítulo um tanto quanto esquecido da história do cinema alemão", nas palavras de Baumgärtel. Embora a fama da Academia como uma instituição "de esquerda" ainda se perpetuasse por muito tempo.

Entre os remanescentes da dffb desta época destaca-se sobretudo o trabalho de Harun Farocki, que em 1968 foi relegado pela Academia ao lado de outros 17 estudantes sob acusação de "maquinações rebeldes". Nas décadas que se seguiram, Farocki se transformaria num representante do que se chamou de uma "estética cinematográfica da resistência", criando uma das obras mais contundentes em termos de artes visuais do país, situada no limite entre o cinema e a videoarte. Com filmes de invejável rigor estético, Farocki reflete incessantemente em seus filmes sobre a cultura audiovisual, as novas mídias e a cadeia de produção de informação, sempre tratando com agudez os temas que definiram a geopolítica mundial das últimas décadas.

"Escola de Berlim"

Ao longo dos anos 1990 foram sendo exibidos em festivais pela primeira vez filmes de um grupo de cineastas que mais tarde viria a ser chamado de Escola de Berlim (Berliner Schule), entre eles Thomas Arslan, Angela Schanelec e Christian Petzold – todos egressos da dffb. Em meados dos anos 1990, surgia no país uma vertente cinematográfica de comédias que alcançavam sucesso de público, vendidas como contraponto a uma suposta "falta de popularidade" do cinema de autor dos anos 1960/70. Os filmes da chamada Escola de Berlim surgiram então como resposta a esta tendência de um cinema "fácil".

Christian Petzold: uma das referências do que se chamou 'Escola de Berlim'Foto: AP

Usado pela primeira vez em 2001, o conceito "Escola de Berlim" remete antes de tudo a uma estética comum (ou pelo menos semelhante) entre seus adeptos. Embora não reunisse nomes de cineastas que se formaram apenas em Berlim e tampouco somente na dffb (alguns deles estudaram em Munique, outros em Hamburgo e uma das diretoras até mesmo em Viena), todos eles viviam em Berlim na época e de alguma forma estabeleciam relações entre seus trabalhos.

Para os diretores da Escola de Berlim, o discurso político sobre as mudanças sociais – tão caras aos estudantes dos primórdios da dffb – passou a ser encaixado somente no contexto de um recuo à esfera privada, aos microespaços. Histórias cotidianas mostradas através de uma estética calcada na lentidão e na precisão, revelando afinidades com uma geração de cineastas franceses como Jacques Dillon ou Maurice Pialat.

O mandamento máximo da Escola de Berlim era "a proibição, tanto da manipulação quanto do observador", dizia uma edição especial da revista Kolik Film publicada em 2006. O cineasta não se permite intervir, evitando-se até mesmo a música extradiegética. "Isso não é uma recaída a um falso imediatismo, mas um realismo refletido", escreviam especialistas na revista, para encerrar afirmando que nos filmes dos ex-alunos da dffb Arslan, Petzold e Schanelec ficava óbvio o esforço que custa abster-se de seguir tendências majoritárias.

Novos tempos

No ano de 2000, quando o governo do país se transferiu de Bonn para Berlim, a dffb deixou sua sede na parte ocidental da cidade, tendo se mudado para o novo centro da capital alemã: a Potsdamer Platz. Na época, a direção da Academia ressaltava a necessidade de lidar com o abismo entre "a ambição da arte e as necessidades comerciais" do cinema. Da cerimônia de inauguração participaram de debates sobre o cinema alemão nomes como Tom Tykwer, Alexander Kluge e Christoph Schlingensief, bem como o filósofo Peter Sloterdijk.

A partir de então a dffb passou a funcionar ao lado do Arsenal – Instituto de Cinema e Videoarte, do Cinema Arsenal e da Cinemateca Alemã – Museu do Cinema e da Televisão. Hoje, a Academia aceita por ano 34 estudantes, oferecendo os cursos de direção, roteiro, direção de fotografia e produção e apostando, pelo menos em suas diretrizes básicas, no equilíbrio entre o cinema como arte e as condições técnicas e econômicas de produção ditadas pelo mercado.

A cada ano ingressam somente oito novos alunos nas áreas de direção, direção de fotografia e produção, com uma duração de curso de quatro anos, embora a experiência mostre que a grande maioria precisa de em torno de seis anos até que o filme de conclusão de curso esteja pronto. Para a área de roteiro, a escola aceita dez novos alunos por ano, com duração de curso prevista de três anos. O ano letivo começa sempre no mês de setembro e o processo seletivo se dá no segundo semestre tendo em vista o ano subsequente. As provas de seleção acontecem entre abril e junho, abertas apenas para candidatos acima de 21 anos de idade.

A escola tem por meta oficial o desenvolvimento de uma "assinatura individual" de cada aluno. Além de matérias de teor prático, a dffb oferece uma série de seminários e workshops voltados para a discussão estética. Aproximadamente cem profissionais dão aulas na escola por ano, com um respeitável quadro de docentes que inclui nomes como Claire Denis, Luc e Jean Pierre Dardenne, Jacques Doillon e muitos outros. E entre os alunos, a dffb é a instituição de ensino superior com maior porcentagem de alunos estrangeiros do país.

Intercâmbios e parcerias

A dffb oferece regularmente também um Fórum Acadêmico aberto a alunos de áreas próximas ou interessados em cinema em geral. Além disso, a Academia coopera regularmente com outras instituições alemãs, bem como com escolas de cinema de Londres, Paris, Praga, Nova York e Los Angeles. Todo ano são produzidos pelos alunos da Academia dez curtas-metragens para serem veiculados pela emissora franco-alemã Arte.

Entre 2006 e 2009, a dffb teve Hartmut Bitomsky como diretor – um dos candidatos aceitos naquele longínquo ano de 1966, quando da rejeição à candidatura de Fassbinder. A partir de 2010 assumiu a diretoria Jan Schütte, cuja atuação à frente da escola foi marcada por uma série de polêmicas sobretudo em seus primeiros anos de atuação, entre elas a acusação de dialogar muito pouco com os estudantes. Schütte acaba de se demitir do cargo para assumir o AFI Conservatory em Los Angeles.

Não se sabe ainda quem assumirá a direção da Academia, nem o que isso vai significar no futuro. Mas uma questão muito antiga, que vem dos primórdios da dffb, talvez paire para sempre sobre sua história: o que será que teria acontecido ali caso Rainer Werner Fassbinder tivesse sido aceito nos idos de 1966?

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