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Acesso público a dados impossibilita manipulação, diz Inpe

Nádia Pontes de São José dos Campos | Cristian Edel Weiss
5 de julho de 2019

Alvo de desconfiança de autoridades, sistema que monitora desmatamento na Amazônia há 30 anos dá livre acesso a imagens de satélite que geram índices. Mecanismo de alerta em tempo real mostra tendência de alta em 2019.

Imagens de satélite de 4/11/2018 e de 16/3/2019 mostram desmatamento de 149,77 hectares no norte de Rondônia
Imagens de satélite de 4/11/2018 e de 16/3/2019 mostram desmatamento de 149,77 hectares no norte de RondôniaFoto: Map Biomas Alerta

Na tela de um dos computadores onde os dados sobre desmatamento na Amazônia são revisados, no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), em São José dos Campos, o gráfico de fácil visualização mostra uma curva ascendente. A partir de maio, quando as chuvas densas cessam naquela região, o corte da mata acelera.

Em junho, o sistema de Detecção do Desmatamento em Tempo Real, Deter, apontou 2 mil quilômetros quadrados de novas áreas abertas na floresta. Em relação ao mesmo período do ano passado, o aumento do corte raso foi de 88%.  

As informações validadas pela equipe coordenada por Cláudio Almeida, do Inpe, não são secretas. As imagens observadas pelos satélites que compõem o sistema de monitoramento da Floresta Amazônica são públicas, abertas para qualquer pessoa que queira consultar o site da instituição. 

"Não existe possibilidade de manipulação, porque todo dado é público, as imagens são públicas. Qualquer pessoa pode baixar e verificar", afirma Almeida.

Na sala ao lado, uma equipe da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) o espera para discutir detalhes do Terraclass, projeto que investiga os motivos da derrubada das árvores na Amazônia, como agricultura, pasto, mineração.

Nesta semana, acusações de adulteração das informações partiram do próprio governo brasileiro. Em entrevista à BBC News Brasil, o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e que já foi comandante militar na Amazônia, disse que os dados sobre desmatamento são manipulados.

A tendência de alta observada na taxa de destruição da Floresta Amazônica tem rendido críticas ao Brasil, principalmente de países europeus, e colocado em xeque projetos de que recebem dinheiro externo.

A serviço do Ministério do Meio Ambiente

Desde que foi criado, há 30 anos, o programa de monitoramento do Inpe sofreu adaptações para atender às demandas do seu principal "cliente": o Ministério do Meio Ambiente. O Deter, por exemplo, que emite alertas diários sobre onde a destruição está acontecendo, foi desenvolvido pelo Inpe quando o país buscava intensificar a fiscalização na Amazônia, em 2003.

No ano seguinte, foi lançado o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm). Foi então que o corte da floresta começou a cair significativamente, para depois voltar a subir a partir de 2013.

De 2004, quando começou o PPCDAm, a 2012, a supressão anual de floresta caiu de 27.772 quilômetros quadrados, área equivalente à do estado do Alagoas, para 4.571 quilômetros quadrados – o que significa uma redução de 83,5%. Os dados são do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), sistema que mede a destruição da floresta anualmente, do Inpe.

A partir de 2013, o total de áreas afetadas por desflorestamento voltou a crescer e, desde 2016, tem se mantido superior a 6 mil quilômetros quadrados por ano. Pará, Mato Grosso, Rondônia e Amazonas têm sido os estados com maiores índices de desmatamento desde então. 

No ano passado, foram 7.536 quilômetros quadrados de desmatamento, a segunda maior área registrada desde 2008. Apenas o Pará foi responsável por 36,4% do total, conforme o Prodes.

Tempo real

"O Deter foi criado para que tivéssemos uma aproximação do que estava acontecendo em tempo real no território e guiar as equipes de fiscalização em campo", pontua Marina Silva, que era ministra do Meio Ambiente na época em que o PPCDAm foi implementado.

João Paulo Capobianco, que coordenou o grupo de trabalho para a criação do Deter, negociou diretamente com o Inpe. "Achei que seria difícil desenvolver essa ferramenta que olhasse para a dinâmica do desmatamento, mas os técnicos foram muito rápidos", disse à DW Brasil. "Foi assim que o trabalho de combate deixou de ser feito às cegas."

O passo seguinte, narra Capobianco, foi criar uma plataforma para que todos os dados fossem abertos. "Até então, o público tinha acesso apenas ao relatório impresso. Criamos um protocolo para que todas as informações fossem expostas numa plataforma digital", afirma.

Marina Silva chama de "desserviço" as acusações lançadas contra o sistema, gerenciado por "pessoas que têm competência técnica e conhecimento científico".

"Foram feitos investimentos durante 30 anos, com dinheiro público, para criar um monitoramento que tem uma série histórica que é referência para outros países com florestas", opina a ex-ministra.

Passo a passo do Deter

As imagens usadas pelo Deter são captadas pelos satélites sino-brasileiro CBERS-4 e indiano IRS, e chegam ao fim de cada dia à rede do Inpe. Na manhã seguinte, as imagens são processadas por uma equipe em Cachoeira Paulista, interior do estado de São Paulo, e distribuídas para o time de "intérpretes" – profissionais treinados para identificar, a partir das diferentes características observadas na imagem, desmatamentos em andamento.

Na sequência, esse trabalho passa por uma auditoria para, então, ser divulgado na rede aberta do Inpe. De todos os polígonos interpretados, 20% são escolhidos aleatoriamente para validar o grau de acerto de cada lote. Ao todo, essa etapa leva três dias.

As informações ficam imediatamente à disposição para o ministério programar as ações de fiscalização e combate ao desmatamento ilegal. "Dados diários chegam ao Ibama. O que está faltando é ação", opina Tasso Azevedo, coordenador do MapBiomas, rede que gera mapas e dados de cobertura e uso do solo a partir de informações obtidas pelo Deter e outros sistemas, como o Sistema de Alerta de Desmatamento do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (SAD/Imazon) e o Sistema de Proteção da Amazônia/radar de abertura sintética (SIPAM-SAR).

"O Deter foi o primeiro sistema de monitoramento contínuo lançado do mundo", destaca Azevedo. O MapBiomas valida e refina os dados gerados por vários sistemas, o que permite dar mais precisão quanto à área e às datas exatas em que o desmatamento ocorreu. "O Deter é fundamental", defende.

"A hora da verdade"

Não é a primeira vez que o Deter é questionado por autoridades. Em 2007, ano em que o Mato Grosso foi campeão em alertas de desmatamento, o então governador do estado, Blairo Maggi, disse que os dados eram equivocados. Maggi é um dos maiores produtores de soja do mundo e ex-ministro da Agricultura.

No começo do ano seguinte, uma comitiva de ministros sobrevoou a região em helicópteros do Exército e confirmou, visualmente, as medições feitas pelos satélites. "Foi uma espécie de grande vistoria. O caso só mostrou, mais uma vez, a solidez do sistema de monitoramento", relembra Capobianco. 

Para Carlos Nobre, climatologista aposentado do Inpe e atualmente ligado à Universidade de São Paulo (USP), todas as evidências apontam para o aumento do desmatamento em 2019. A "hora da verdade" será em outubro, quando o Inpe costuma divulgar os dados do Prodes, calculados sempre de agosto de um ano a julho do ano seguinte.

"A experiência acumulada mostra que, quando o Deter está indicando aumento na faixa de 15%, como está sendo neste ano, a tendência depois se confirma no Prodes. A probabilidade é altíssima de que tenhamos um desmatamento maior que o do ano passado", afirma Nobre.

Procurado, o ministério do Meio Ambiente não se manifestou até a publicação da reportagem.

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