Achado em Pompeia traz dados sobre escravidão na Antiguidade
Kieran Thomas Robert Burke
Publicado 21 de agosto de 2023Última atualização 23 de agosto de 2023
Possível quarto de escravizados descoberto nas ruínas ao pé do Vesúvio tinha duas camas, apenas uma com colchão, e sinais de roedores. "Mais revelador do que uma bela estátua", diz diretor de museu na Itália.
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A descoberta de um pequeno aposento nas proximidades de Pompeia lança luz sobre a vida de escravizados no Império Romano. O quarto de dormir na Villa Civita Giuliana – a poucas centenas de metros dos muros da cidade italiana destruída pela erupção do Monte Vesúvio, cerca de 2 mil anos atrás – tinha duas camas, apenas uma das quais com colchão, além de dois pequenos guarda-louças e diversos recipientes e potes de cerâmica.
Arqueólogos acreditam tratar-se de uma dependência para escravizados. A diferença entre os leitos sugere que houvesse uma hierarquia na ala dos criados. O Ministério italiano da Cultura comentou, em comunicado: "Esses detalhes mais uma vez enfatizam as condições de precariedade e má higiene em que os escalões mais baixos da sociedade viviam, na época."
Na rede social X (ex-Twitter), o diretor do Museu de Pompeia, Gabriel Zuchtriegel, afirmou que, de certo modo, o achado é "mais importante e revelador da vida na Antiguidade do que uma bela estátua".
Correntes invisíveis da servidão
Como ocorreu com grande parte de Pompeia, no quarto dos escravizados a cinza do Vesúvio envolveu o mobiliário e os tecidos, que se desfizeram com o tempo, deixando moldes negativos detalhados. Os arqueólogos os preencheram com gesso, revelando assim as formas e texturas dos objetos, inclusive um lençol sobre uma das camas.
Os ocupantes dividiam o espaço com pelo menos três roedores, um dos quais foi encontrado num caixote sob uma cama, aparentemente tentando escapar da catástrofe que matou os habitantes humanos da cidade. Como não havia grades, fechaduras nem correntes, Zuchtriegel deduz: "Parece que o controle era exercido em primeira linha através da organização interna da servidão, mais do que por barreiras ou impedimentos físicos."
Soterrada no ano 79 e redescoberta no século 18, Pompeia é hoje uma das principais atrações turísticas da Itália, tendo repetidamente revelado achados espetaculares. Suas ruínas foram escavadas em 1907-08, depois novamente em 2017, quando a polícia se deu conta de que o sítio vinha sendo saqueado por escavadores ilegais.
Desde então, a localidade a cerca de 25 quilômetros de Nápoles tem sido palco de atividades arqueológicas intensas, também graças a um fundo da União Europeia de 105 milhões de euros, recentemente concluído.
av/rk (Reuters, DPA)
Como era a vida em Pompeia
Fascínio pela cidade aos pés do Vesúvio e destruída há dois mil anos continua. Em Paris, em 2020, uma exposição em 3D permitiu conhecê-la bem de perto.
Foto: Colourbox
Viagem à Antiguidade
Um passeio pelas ruas de Pompeia, uma das cidades mais bonitas do Império Romano, é como uma viagem no tempo para a vida no ano 79 d.C.. O clima ameno permite às videiras crescerem nas encostas férteis do Vesúvio. De muitas casas, pode-se até ver o mar.
Foto: GEDEON Programmes
Vida no luxo
Com mais de 60 hectares, Pompeia é uma cidade grande. Oito portões e 11 torres de vigia garantem a segurança de seus cidadãos. Os romanos ricos atribuíam grande importância ao luxo: um teatro e banhos termais ofereciam variedade de lazer, os atletas tinham uma grande instalação esportiva sob plátanos e uma piscina os ajudava a se refrescar. O templo de Júpiter ficava no fórum, a praça central.
Foto: picture-alliance/Jens Köhler
Mansão restaurada
As magníficas mansões dos cidadãos mais ricos tinham pátios internos cercados por colunas, mosaicos com ornamentos no chão e lindos murais. Assim podia ser uma morada típica de dois mil anos atrás.
Foto: Beaux-Arts de Paris, Dist. Rmn-Grand Palais/image Beaux-arts de Paris
Casa dos Mistérios
Uma das principais atrações de Pompeia, esta é uma das mansões mais bem preservadas da Antiguidade. Aparentemente, a casa também servia como local de culto a Dionísio, o deus grego do vinho e do êxtase. À medida que os festivais em homenagem a Dionísio (chamado de Baco pelos romanos) eram cada vez mais marcados por excessos, o Senado os proibiu em 186 a.C..
Foto: picture-alliance
Tendas de comida e fontes
Mas nem todos os moradores de Pompeia eram ricos ou celebravam orgias. Muitos viviam modestamente e trabalhavam como agricultores, padeiros ou moleiros. Eles compravam alimentos em barracas públicas de comida, uma espécie de lanchonete da Antiguidade, e buscavam água das fontes nas ruas. As mulheres pediam apoio a Diana (foto), considerada a deusa da fertilidade e do parto.
Comércio próspero
Navios vindos da Grécia, Espanha, norte da África e Oriente Médio chegavam ao porto perto da cidade com papiro, especiarias, frutas secas e cerâmica. Os comerciantes trocavam essas mercadorias por produtos locais, como grãos, vinho e o tão procurado molho de peixe fermentado garum, um dos ingredientes básicos da cozinha da Roma Antiga. Esses jarros sobreviveram incólumes por milhares de anos.
Foto: picture-alliance/Jens Köhler
Quando a terra tremeu
Os habitantes de Pompeia desconheciam os perigos do vulcão até a terra tremer em 20 de agosto de 79 d.C., acompanhada por um profundo estrondo vindo das profundezas. Encanamentos quebraram, e paredes racharam. As pessoas pediram a ajuda aos deuses em frente ao Lararium, um santuário de culto como este, e começaram a arrumar os estragos.
Foto: GEDEON Programmes
A reconstrução
Aquele não foi o primeiro grande terremoto a abalar a região. Já em 62 d.C., muitos prédios haviam desabado. Os moradores os reconstruíram – mais esplendidamente do que antes. Isso também é evidenciado por essa ruína de uma área de banho. Ninguém sabia, 17 anos depois, que uma catástrofe terrível estaria prestes a acabar com a cidade e matar muitos de seus moradores.
Foto: Colourbox
Morte na fuga
A terra tremeu por vários dias, até o Vesúvio começar a cuspir cinzas e pedras no amanhecer de 24 de agosto. Muitas pessoas morreram soterradas por escombros ou sufocadas pelas cinzas. As que sobreviveram foram vitimadas pelo devastador fluxo de lava que se seguiu. Séculos depois, as cavidades deixadas pelos cadáveres nas rochas foram preenchidas com gesso. O pânico ainda é perceptível.
Foto: picture-alliance/C. Dixon
Narrações de Plínio e Tácito
Graças a Plínio sabe-se tanto sobre os últimos dias de Pompeia. A pedido do historiador Tácito, o sobrinho de um morador de Pompeia descreveu o que seu tio moribundo lhe contou. Durante muito tempo, acreditou-se que a erupção do Vesúvio teria sido em agosto, mas alguns historiadores acham ser provável uma data no outono europeu.
Foto: GEDEON Programmes
Séculos no esquecimento
Cerca de 2 mil dos aproximadamente 20 mil habitantes foram encontrados. Os cientistas acreditam que muitas pessoas conseguiram fugir a tempo. Esquecida por séculos, Pompeia foi descoberta acidentalmente em 1594 por trabalhadores, que encontraram antigas passagens subterrâneas com inscrições e bustos. A primeira escavação arqueológica ocorreu apenas 200 anos depois, sob o rei Carlos de Bourbon.
Foto: Parco Archeologico di Pompei, Archivio fotografico
Sensação arqueológica
Mas só em 1860 foi iniciada a escavação sistemática de Pompeia. Uma camada de cinzas de quase sete metros de espessura havia caído sobre a cidade. Até hoje, Pompeia não está totalmente exposta. Na perspectiva de hoje, a catástrofe é uma dádiva divina para os arqueólogos, porque a erupção vulcânica preservou a vida cotidiana romana como um instantâneo para a posteridade.