Acidente nuclear: o que a Rússia tenta esconder?
23 de agosto de 2019Acumulam-se os temores de que as autoridades russas tentam abafar as verdadeiras dimensões da explosão de 8 de agosto na zona militar de Nyonoksa, próximo a Severodvinsk, no noroeste do país. Como agora se sabe, as estações de medição do Sistema Internacional de Monitoração (IMS, na sigla em inglês) de testes nucleares estavam fora do ar.
A informação é da comissão, sediada em Viena, encarregada da implementação do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares (CTBT). As autoridades russas reagiram, alegando terem ocorrido problemas de conexão com as unidades de medição. Mais tarde, o vice-ministro do Exterior Sergei Ryabkov declarou que a transmissão de dados das estações é "totalmente facultativa".
A Rússia é um dos 184 Estados signatários do CTBT e, ao contrário dos Estados Unidos, também o ratificou. No entanto o tratado não pôde entrar em vigor até o momento, pois outros países não o ratificaram, entre os quais Coreia do Norte e Irã.
Ainda assim, Moscou fechou com a Comissão Preparatória do Tratado de Proibição (CTBTO) um acordo para financiamento de suas estações de medição – por cuja operação, contudo, o Ministério russo do Exterior é responsável. Os níveis de radioatividade medidos pelas estações são transmitidos diretamente à CTBTO e a todos os seus membros.
O secretário-executivo da comissão, Lassina Zerbo, foi o primeiro a expressar a suspeita de uma correlação entre a explosão na área de testes e a falha das estações de medição, ao publicar no Twitter um mapa mostrando o alastramento da nuvem radioativa nos dias após a explosão.
O movimento da nuvem é principalmente em território russo, onde há um total de sete estações ligadas ao acordo com a CTBTO. As que falharam se localizam em Dubna e Kirov, na parte europeia do país, e em Bilibino, Zalesovo e Peleduy, no leste.
"É naturalmente suspeito quando só estão desligadas as estações que poderiam medir o aumento da radiação", admite Jeffrey Lewis, do Centro James Martin de Estudos de Não Proliferação (CNS), nos EUA. Como só havia conexão com as estações afastadas, no Extremo Oriente, não havia possibilidade de registrar um acréscimo de radioatividade, explica o especialista.
Michael Schöppner, do Instituto de Ciências de Segurança e Risco (ISR), em Viena, considera o fato de quatro ou cinco estações terem saído do ar como um possível indício de que foram intencionalmente desligadas aquelas que poderiam medir as massas de ar da região de Severodvinsk. Duas delas, a de Bilibino e a de Peleduy, já voltaram a enviar dados para Viena.
Após a explosão, também o serviço meteorológico russo registrou um aumento de radioatividade de 16 vezes. No entanto Schöppner, que também trabalha para a CTBTO, afirma não haver perigo: "Se procedem os dados de uma dose máxima de dois microsieverts por hora, isso não representa risco de saúde: é menos do a taxa horária num voo comercial sobre o Atlântico. Definitivamente, não é um segundo Chernobyl."
Anne Pellegrino, do Centro James Martin, ligado ao Instituto Middlebury de Estudos Internacionais em Monterey, Califórnia, deduz ser "possível que a Rússia tenha interrompido a transmissão de dados, para que outros Estados não obtivessem dados potencialmente importantes sobre a radioatividade liberada em Nyonoksa". É provável que a medição de dados tenha continuado, mas sem que fossem transmitidos ao centro de análise em Viena, crê a especialista em controle armamentista.
Schöppner observa que todo agregado empregando elementos radioativos deixa uma "impressão digital" própria, e é justamente isso o que Moscou queria ocultar. "Quando um especialista sabe que isótopos são medidos, e em que proporção, ele pode dizer de que tipo de acidente nuclear se tratou, se esteve envolvido um determinado propulsor, reator ou certo tipo de material físsil."
As autoridades russas não fornecem quaisquer dados sobre se um míssil de cruzeiro estava sendo testado em Severodvinsk. As informações do centro nuclear de Sarov não dão margem a inferir se a explosão envolveu armas com um gerador termoelétrico de radioisótopos (uma assim chamada "bateria atômica"); ou se se tratou de um teste fracassado com um míssil do tipo Burevestnik (cujo codinome na Otan é "Skyfall"), propelido por um "minirreator". Os especialistas do Centro James Martin partem desta segunda hipótese.
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