Acolher refugiados em 2015 foi a decisão correta, diz Merkel
25 de agosto de 2025
Ex-chanceler federal diz não se arrepender de ter aberto as portas da Alemanha para os que fugiam da guerra na Síria, mas admite que medida fortaleceu pauta anti-imigração da ultradireita.
Em 2015, Angela Merkel posou para selfie com um imigrante sírio. Política de portas abertas da Alemanha levou a quase meio milhão de pedidos de refúgio naquele anoFoto: Getty Images/S. Gallup
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Dez anos após proferir a célebre frase "Wir schaffen das" ("Vamos conseguir") e impor à Alemanha o desafio de acolher centenas de milhares de refugiados sírios, a ex-chanceler federal Angela Merkel sugeriu que não se arrepende de sua decisão e apontou que o país fez progressos significativos na integração desses migrantes.
E embora tenha admitido que a consequente entrada em massa de imigrantes contribuiu para o fortalecimento da ultradireita alemã, que fez da pauta anti-imigração sua bandeira,Merkel disse que não seguiria um caminho diferente diante das alternativas que tinha à época.
"Isso certamente tornou a AfD mais forte", disse ela sobre o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha, ponderando que isso não a impediria de tomar uma decisão que considerava "correta, razoável e humana".
As declarações foram feitas em entrevista à emissora pública alemã ARD como parte de um documentário que foi ao ar nesta segunda-feira (25/08).
"É um processo. Mas, até agora, conquistamos muito", afirmou Merkel sobre a integração desses refugiados à sociedade alemã. "E o que ainda precisa ser feito deve continuar sendo feito."
Merkel transformou política migratória
Em agosto de 2015, as palavras de Merkel marcaram uma virada na política alemã em meio a uma das maiores crises migratórias vividas no continente. Seu governo permitiu a entrada de pessoas que fugiam principalmente do regime sírio de Bashar al-Assad, apesar do sistema comum europeu de asilo não obrigar a Alemanha a assumir tal responsabilidade de forma automática.
Política de Merkel permitiu chegada em massa de imigrantes sírios em 2015Foto: picture-alliance/dpa/S. Hoppe
Segundo o procedimento de Dublin, que regula a política europeia de imigração, o Estado em que o refugiado entra pela primeira vez no território europeu é geralmente o responsável por processar seu pedido de permanência.
O alto fluxo migratório naquele ano levou milhares de pessoas que percorriam a Rota dos Bálcãs a enfrentarem condições desumanas na fronteira com a Hungria. A abertura de portas permitiu a meio milhão de pessoas contornarem o registro no país de entrada e solicitar refúgio na Alemanha em 2015.
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"Convencida que Alemanha conseguiria lidar"
Em entrevista à ARD, Merkel afirmou ainda que sabia que a decisão seria desafiadora, mas se disse surpreendida com a frequência com que suas palavras foram usadas contra ela ao longo do tempo.
Segundo a conservadora, que chefiou o governo de 2005 a 2021, sua intenção era depositar suas esperanças no povo alemão. Ela não acredita que o país tenha sido sobrecarregado pela decisão.
"Não penso assim. A Alemanha é um país forte. No geral, eu estava convencida de que a Alemanha conseguiria lidar com isso", afirmou.
Para ela, sua única alternativa diante da crise migratória seria impedir a entrada de refugiados à força. "Eu jamais teria estado disposta a fazer isso", disse à ARD. Merkel assume que se recriminava por não ter feito mais quando a guerra civil na Síria eclodiu em 2011.
Entrada de refugiados alimentou pauta anti-imigração
Críticos alegam que o "vamos conseguir" da ex-chanceler federal colocou os municípios alemães sobre pressão excessiva, e que a entrada de imigrantes fez aumentar a criminalidade no país, apesar de estudos não indicarem tal correlação.
Protestos contra imigração crescem na AlemanhaFoto: Ying Tang/NurPhoto/picture alliance
A pauta anti-imigração também se tornou a principal agenda da AfD, que conquistou votação recorde na eleição parlamentar de fevereiro. Atentados atribuídos a imigrantes alimentaram ataques contra políticas de refúgio e centralizaram a campanha eleitoral da sigla.
Secretário-geral da CDU discorda de Merkel
O secretário-geral da CDU, Carsten Linnemann, fez uma avaliação crítica dez anos após a declaração de Merkel.
"Desde 2015, 6,5 milhões de pessoas vieram para cá, e menos da metade está atualmente empregada. Eu acho isso, para dizer o mínimo, insatisfatório", disse Linnemann ao jornal Neue Osnabrücker Zeitung.
Reportagens publicadas na imprensa alemã com base em dados do próprio governo, porém, apontam que atualmente cerca de 69% dos imigrantes aptos a trabalhar que vieram em 2015 o fazem e têm renda própria – muito próximo da média nacional de 70% na Alemanha.
Linnemann enfatizou que o foco atual do governo deve ser interromper a migração irregular e promover apenas a que fomente o mercado de trabalho.
"Essa deve ser a política deste governo em 2025 – e é", declarou.
gq/ra (dpa, ots)
2015, o ano dos refugiados
Nunca tantas pessoas estiveram em fuga como em 2015. Muitos delas seguiram para a Europa, com o objetivo de chegar à Alemanha ou à Suécia. Confira uma restrospectiva fotográfica do "ano dos refugiados".
Foto: Reuters/O. Teofilovski
Chegada à União Europeia
Esses jovens sírios superaram uma etapa perigosa da sua viagem: eles conseguiram chegar à Grécia e, assim, à União Europeia. O objetivo final, porém, ainda não foi alcançado: eles querem continuar a jornada para o norte, em direção a outros países-membros do bloco. Em 2015, a maioria dos refugiados seguiu para a Alemanha e para a Suécia.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
Perigosa travessia do Mediterrâneo
O caminho que eles deixam para trás é extremamente perigoso. Vários barcos com refugiados, nem sempre aptos à navegação, já viraram durante a travessia do Mar Mediterrâneo. Estas crianças sírias e seu pai tiveram sorte: eles foram resgatados por pescadores gregos na costa da ilha de Lesbos, na Grécia.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
A imagem que comoveu o mundo
Aylan Kurdi, de 3 anos, não sobreviveu à fuga. No início de setembro, ele se afogou no Mar Egeu, juntamente com o irmão e a mãe, ao tentar chegar à ilha grega de Kos. A foto do menino sírio, morto na praia de Bodrum, espalhou-se rapidamente pela mídia e chocou pessoas de todo o mundo.
Foto: Reuters/Stringer
Onde as diferenças são visíveis
A ilha grega de Kos, a menos de 5 quilômetros de distância da Turquia continental, é o destino de muitos refugiados. As praias geralmente cheias de turistas servem de ponto de desembarque, como no caso deste grupo de refugiados paquistaneses que chegou à costa da Grécia com um bote de borracha.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
Em meio ao caos
Porém, muitos refugiados não conseguem simplesmente seguir viagem quando chegam a Kos. Eles somente podem seguir para o continente após serem registrados. Durante o verão europeu, a situação se agravou quando as autoridades fizeram com que os refugiados esperassem pelo registro num estádio, sob o sol escaldante e sem água.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
Um navio para refugiados
Por causa da condições precárias, tumultos eram frequentes na ilha de Kos. Para acalmar a situação, o governo grego fretou um navio, que permaneceu ancorado e foi transformado em alojamento temporário para até 2.500 pessoas e em centro de registro de migrantes.
Foto: Reuters/A. Konstantinidis
"Dilema europeu"
Mais ao norte, na fronteira da Grécia com a Macedônia, policiais não permitiam mais a passagem de pessoas, entre elas crianças aos prantos, separadas de seus pais. Esta foto tirada pelo fotógrafo Georgi Licovski no local, e que mostra o desespero de duas crianças, foi premiada pelo Unicef como a imagem do ano, já que mostra "o dilema e a responsabilidade da Europa".
Foto: picture-alliance/dpa/G. Licovski
Sem conexões para refugiados
No final do verão europeu, Budapeste se transformou em símbolo do fracasso das autoridades e da xenofobia. Milhares de refugiados estavam acampados nas proximidades de uma estação de trem da capital húngara, pois o governo do país os proibira de seguir viagem. Muitos decidiram seguir a pé em direção à Alemanha.
Foto: picture-alliance/dpa/B. Roessler
Fronteiras abertas
Uma decisão na noite de 5 de setembro abriu caminho para os refugiados: a chanceler federal alemã, Angela Merkel, e o chanceler austríaco, Werner Faymann, decidiram simplesmente liberar a continuação da viagem por parte dos migrantes. Como consequência, vários trens especiais e ônibus seguiram para Viena e Munique.
Foto: picture alliance/landov/A. Zavallis
Boas vindas em Munique
No primeiro final de semana de setembro, cerca de 20 mil refugiados chegaram a Munique. Na estação central de trem da capital da Baviera, inúmeros voluntários se reuniram para receber os refugiados com aplausos e lhes fornecer comida e roupas.
Foto: Getty Images/AFP/P. Stollarz
Selfie com a chanceler
Enquanto a chanceler federal Angela Merkel era aplaudida por refugiados e defensores de sua política de asilo, muitos alemães se voltavam contra a política migratória. "Se tivermos de pedir desculpas por mostrar uma face acolhedora em situações de emergência, então este não é mais o meu país", respondeu a chanceler. A frase "Nós vamos conseguir" se tornou o mantra de Merkel.
Foto: Reuters/F. Bensch
Histórias na bagagem
No final de setembro, a polícia federal alemã divulgou uma imagem comovente: o presente que uma menina refugiada deu a um policial da cidade alemã de Passau. O desenho mostra o horror que vários migrantes vivenciaram e o quão felizes eles estavam por, finalmente, estarem em um local seguro.
Foto: picture-alliance/dpa/Bundespolizei
O drama continua
Até o final de outubro, mais de 750 mil refugiados haviam chegado à Alemanha. Mas o fluxo não parava. Sobrecarregados, os países da chamada Rota dos Bálcãs decidiram fechar suas fronteiras. Apenas sírios, afegãos e iraquianos estavam autorizados a passar. Em protesto, migrantes de outros países chegaram a costurar seus lábios.
Foto: picture-alliance/dpa/G. Licovski
Sem fim à vista
"Ajude-nos, Alemanha" está escrito em cartazes de manifestantes na fronteira com a Macedônia. Na Europa, o inverno se aproxima, e milhares de pessoas, entre elas crianças, estão presas nas fronteiras. Enquanto isso, até mesmo a Suécia retomou o controle temporário de fronteiras. Em 2016, o fluxo de refugiados deverá continuar.