Acordo de Minsk reforça imagem de Merkel como líder europeia
Kay-Alexander Scholz (av)12 de fevereiro de 2015
Atuação da chanceler no acordo sobre a Ucrânia, após 20 mil quilômetros percorridos e 16 horas de negociações, é motivo de orgulho em seu país e reafirma liderança na UE.
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O segundo acordo de Minsk, relativo ao conflito no leste da Ucrânia, não foi uma empreitada solitária da Alemanha, mas uma iniciativa franco-alemã, como tem enfatizado repetidamente o porta-voz da Chancelaria Federal em Berlim. Isso é bom para o eixo Paris-Berlim, tão importante para a unidade da Europa, mas que nos últimos anos se tornou bastante instável.
Mas em Paris sabe-se que Merkel é a principal interlocutora do presidente russo, Vladimir Putin. Ela mantém o contato telefônico e acumula muitos anos de experiência com ele. Por isso, dão-lhe a precedência, e o presidente François Hollande enfatizou o peso do papel alemão nas negociações em Minsk – para logo em seguida dizer que os papéis dos dois países se complementam.
Um adendo importante, afinal uma vitória na política externa vem bem a calhar para a França – seriamente afetada econômica e politicamente e, ao contrário da Alemanha, membro permanente do Conselho de Segurança da ONU.
Fõlego sem fim
Merkel é vista como aquela que quer manter a Europa unida, e por isso é tida em alta estima, sobretudo nos Estados do Leste Europeu, que a crise da Ucrânia deixou temerosos diante da Rússia. Mas ela é também temida quando se trata de impor uma política de austeridade e crescimento aos países do sul do continente.
A opinião pública alemã tem plena consciência do peso de sua chefe de governo na política externa. Em parte brincando, em parte com orgulho, comenta-se como, mais uma vez, ela está tendo que salvar o mundo.
Pouco antes da cúpula de Minsk, o jornal popular Bild estampou: "Merkel, a chanceler mundial". Outros veículos se derramaram em exageros dramáticos, como "Guerra ou paz" – com tudo dependendo de Merkel, claro. Correm até mesmo boatos de que um dia ela poderá ser secretária-geral das Nações Unidas.
O tremendo folêgo da política conservadora-cristã é igualmente muito admirado em seu país: Kiev-Berlim-Moscou-Berlim-Munique-Washington-Ottawa-Berlim-Minsk, 20 mil quilômetros em sete dias – segundo consta, sem pausa; e uma maratona de negociações, como a atual, também causa boa impressão na sempre trabalhadora e diligente Alemanha.
Após as 16 horas com Putin, Hollande e o presidente Petro Poroshenko, a própria Merkel resumiu: "Agora temos um raio de esperança [...] e ainda haverá grandes obstáculos diante de nós. Mas, fazendo o balanço, posso dizer que o que alcançamos agora dá bem mais esperança do que se não tivéssemos alcançado nada. Por isso, pode-se dizer que essa iniciativa valeu a pena."
Pelos interesses da UE
Que Merkel seja a líder da União Europeia (UE) na política externa, não há dúvida. Se ela o faz da maneira certa, é uma outra questão, que também é debatida.
Na crise de endividamento da Grécia, será que ela hesitou demais antes que fossem liberadas as primeiras verbas de ajuda, provocando, assim, as investidas dos mercados financeiros contra outros países da Europa Meridional, por verem que a zona do euro vacilava?
Além disso, será que o procedimento para com Atenas, em grande parte ditado pela Alemanha, não foi o que deu impulso aos populistas eurocéticos, colocando em perigo a coesão social nos países em crise?
E, no tocante à crise da Ucrânia, será que a chanceler não hesitou demais, apostando só em diplomacia e sanções, enquanto a Rússia criava fatos usando meios militares? A rigor, não é possível encontrar respostas satisfatórias a tais questionamentos, já que se trata de perguntas meramente especulativas, do tipo "o que seria, se...?"
A experiência de Merkel com a UE é: "se ninguém faz nada, então os alemães é que têm que se encarregar". E um outro protagonista a quem ela deverá dedicar atenção são os Estados Unidos. Na crise ucraniana, o presidente Barack Obama está sob pressão política nacional para fornecer armas a Kiev. Se a cúpula de Minsk tivesse transcorrido sem resultado, o fornecimento teria possivelmente sido inevitável.
Mas, os americanos, afinal, estão fisicamente bem distantes desse foco europeu de crise. Já a prioridade da chanceler federal é evitar uma escalada militar, por acreditar que essa não é a forma adequada de lidar com os russos. Ela tenta zelar pelos interesses da Europa – e isso inclui também as relações transatlânticas.
Cronologia do conflito na Ucrânia
Um conflito político interno levou Moscou e Ocidente ao período de maior hostilidade em mais de duas décadas. As inquietantes memórias da Guerra Fria retornaram ao noticiário internacional com a crise no leste ucraniano.
Foto: AFP/Getty Images/S. Supinsky
Milhares nas ruas em Kiev
A partir de 21 de novembro de 2013, uma onda de manifestações exigindo a renúncia do presidente Viktor Yanukovytch tomou conta de Kiev. Ao ceder à pressão de Moscou e rejeitar acordo de associação com a União Europeia (UE), Yanukovytch enfrentou a ira da população. Eram os maiores protestos desde a chamada "Revolução Laranja", de 2004. Moscou disse que protestos queriam abalar um governo legítimo
Foto: Getty Images/Afp/Genya Savilov
Repressão gera mais revolta
Yanukovytch se abriu ao diálogo com a oposição. Mesmo assim, a violência policial durante a repressão ao movimento prevaleceu. As unidades "Berkut", conhecidas pela brutalidade, atuaram contra os manifestantes na Praça da Independência e nos bloqueios às sedes do governo em Kiev. Opositores e jornalistas alegavam ser atacados, assediados e perseguidos pelo governo.
Foto: picture-alliance/dpa/Maxim
Banho de sangue em Kiev
Durante quase três meses de manifestações, dezenas de pessoas foram mortas devido à repressão policial. Um dos símbolos dos momentos mais dramáticos na “Maidan", Praça da Independência em Kiev, foi o Hotel Ucrânia, que serviu de hospital, necrotério e base da imprensa. Funcionários contam que, no ápice da violência, corpos se amontoavam no lobby.
Foto: DW/A. Sawitzkiy
A queda de Yanukovytch
No fim de fevereiro, o presidente Yanukovytch fugiu para a Rússia, acusando o Ocidente de alimentar os protestos. Para ele, o acordo alcançado com a oposição não foi cumprido. O pacto definia eleições presidenciais em 25 de maio de 2014 – consideradas por ele ilegítimas - a convocação de um governo de coalizão, a diminuição do poder do presidente e o aumento da influência do Legislativo.
Foto: Reuters
Aumenta tensão militar
Após avanço de militantes com armamento russo no leste da Ucrânia, Kiev acusou Moscou de conduzir uma "guerra". A Rússia começou então, em março de 2014, a tomar bases militares na Crimeia. A Ucrânia preparou a retirada de seus cidadãos da península e disse que autoridades do governo não puderam entrar no território. O Ocidente começava aumentar a pressão sobre Moscou com sanções.
Foto: AFP/Getty Images
Crimeia é anexada
Em referendo realizado em 16 de março de 2014, 96,6% dos eleitores da península ucraniana da Crimeia optaram por integrar a Federação Russa. A participação foi estimada em 82,71%. O Parlamento da Crimeia declarou a independência e pediu a adesão à Rússia. No dia 20 de março, a Duma (câmara baixa do Parlamento russo) ratificou o tratado para incorporação da Crimeia ao país.
Foto: Reuters
República Popular de Donetsk
Em abril de 2014, os separatistas proclamaram a República Popular de Donetsk e ampliaram o domínio sobre o leste do país, ocupando Horlivka. O líder separatista ucraniano Vyacheslav Ponomaryov rejeitou negociações sobre a libertação de sete inspetores da OSCE enquanto vigorassem as sanções da União Europeia contra personalidades públicas russas e ucranianas.
Foto: Reuters
Leste busca anexação à Rússia
Depois de um controverso “referendo”, líderes de Donetsk e Lugansk passaram a buscar a integração ao território russo. No dia 12 de maio, as duas regiões declararam independência. Insurgentes pediram que Moscou anexasse as regiões, mas o governo de Putin se distanciou da ideia. Pró-russos ignoraram acordo para paz e não entregaram armas.
Foto: Reuters
Novo presidente na Ucrânia
Em 25 de maio, o magnata Petro Poroshenko venceu as eleições presidenciais ucranianas já no primeiro turno, com cerca de 55% dos votos. Kiev anunciou intensificação dos combates até “aniquilar" as forças separatistas e recuperar o aeroporto de Donetsk, em um confronto que deixou 40 mortos. A Rússia exigiu cessar-fogo e acusou o país vizinho de usar as Forças Armadas contra a própria população.
Foto: MYKOLA LAZARENKO/AFP/Getty Images
A queda do MH17
Um avião da Malaysia Airlines, que partiu de Amsterdã com destino a Kuala Lumpur, foi alvejado por separatistas pró-Rússia no dia 17 de julho de 2014. No voo MH17 havia 280 passageiros e 15 tripulantes. A maior parte era de nacionalidade holandesa. Dez dias depois, peritos ainda não tinham acesso aos destroços do avião devido aos combates.
Foto: Reuters/Maxim Zmeyev
Kiev pede ajuda aos EUA
Em setembro, o presidente da Ucrânia, Petro Poroshenko (esq.), pediu aos Estados Unidos apoio militar para combater os separatistas pró-russos. Num discurso na Casa Branca, em Washington, ele afirmou que a Rússia é uma ameaça à segurança mundial. "Se eles não forem contidos agora, vão atravessar as fronteiras da Europa e espalhar seu domínio pelo globo", afirmou.
Foto: picture-alliance/TASS/Ukrainian presidential press service
Leste empossa líder pró-Moscou
Em novembro, o chefe interino da chamada República Popular de Donetsk, Alexander Zakharchenko, venceu por ampla maioria as eleições na região rebelde. Lideranças políticas e militares ignoraram que Kiev e grande parte do Ocidente não reconheciam a votação. Kiev acusou a Rússia de estar movimentando tropas e enviando equipamentos às regiões separatistas do Leste.
Foto: Alexander Khudoteply/AFP/Getty Images
Negociações em Minsk
No fim de 2014, o número de deslocados internos chegaram a 460 mil segundo a ONU. Após seis meses de acordos de cessar-fogo violados, i governo da Ucrânia e rebeldes separatistas retomaram negociações de paz em 24 de dezembro de 2014 em Minsk, capital de Belarus. Além do cessar-fogo duradouro, estiveram em pauta a retirada de armas pesadas, a ajuda humanitária e a troca de prisioneiros.
Foto: picture-alliance/dpa
Acumulando fracassos
No início de fevereiro de 2015, confrontos entre as tropas do governo da Ucrânia e separatistas pró-russos intensificaram-se em Donetsk, Lugansk e Debaltseve, na sequência do fracasso das negociações de um cessar-fogo para a região. Debaltseve, sob controle de Kiev, interliga por via ferroviária Donetsk e Lugansk, ocupadas pelos rebeldes.
Foto: Getty Images/AFP/A. Boiko
Novo esforço diplomático
A chanceler federal alemã, Angela Merkel, e o presidente francês, François Hollande, fizeram em fevereiro uma viagem surpresa a Kiev e Moscou antes da Conferência de Munique, em um novo esforço diplomático. Eles levaram uma proposta baseada no respeito à integridade territorial da Ucrânia. Novos números do conflito foram divulgados: mais de 5.100 mortos e 900 mil deslocados desde abril de 2014.
Foto: Leon Neal/AFP/Getty Images
Longas negociações levam ao cessar-fogo
Depois de horas de negociação em Minsk, chefes de governo da Ucrânia, Rússia, Alemanha e França, além de líderes separatistas, chegaram a um acordo sobre o cessar-fogo no leste da Ucrânia. Foi definida a retirada das armas pesadas da linha de frente dos combates. A Europa aumentou os esforços para a paz especialmente depois de os EUA avaliarem a possibilidade de enviar armas e munição à Ucrânia.