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Acordo Mercosul-UE enfrenta resistência na França

2 de julho de 2019

Governo francês diz "não estar pronto" para ratificar pacto comercial. Sindicatos e políticos do país criticam o tratado, temendo prejuízos, por exemplo, pelas diferenças nos padrões de qualidade entre os blocos.

Agricultores franceses temem invasão de produtos sul-americanos e diferença nos padrões de qualidade
Agricultores franceses temem invasão de produtos sul-americanos e diferença nos padrões de qualidadeFoto: picture-alliance/AFP Creative

A França "ainda não está pronta" para ratificar o acordo de livre-comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul, fechado na semana passada após duas décadas de negociações entre os dois blocos.

"Vamos observar em detalhe e, em função desses detalhes, decidiremos. Por enquanto, a França não está pronta para ratificar", disse a porta-voz do governo francês, Sibeth Ndiaye, em entrevista à emissora francesa BMF TV nesta terça-feira (02/07).

Ela adiantou que, assim como foi feito durante as negociações para aprovar o acordo comercial entre o Canadá e a UE, a França pedirá garantias ao Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, países que integram o Mercosul. O pacto, cuja aprovação foi amplamente celebrada pelos governos sul-americanos, é o maior tratado bilateral de comércio já assinado pelo bloco europeu.

Por sua vez, o ministro francês do Meio Ambiente, François de Rugy, frisou que "a nova Comissão Europeia e sobretudo o Parlamento Europeu irão analisar minuciosamente esse acordo antes de ratificá-lo". A confirmação, segundo ele, só virá "se o Brasil respeitar os seus compromissos".

"É preciso lembrar a todos os países, entre eles o Brasil, de suas obrigações. Quando assinamos o Acordo de Paris colocamos em prática uma política que permite atingir objetivos de redução de emissão de gases de efeito estufa e de proteção da Floresta Amazônica", disse Rugy em entrevista à rádio Europe 1.

A França é um dos países que mais vem demonstrando resistência ao acordo, temendo possíveis efeitos negativos sobre seu setor agrícola e a chegada maciça de produtos sul-americanos em seu mercado. Os pecuaristas do país, dependentes de subsídios europeus e de produção bem mais baixa, temem não conseguir competir com as "fábricas de carne" da América do Sul.

As duas partes consideram o acordo como um forte sinal em favor do livre-comércio e do multilateralismo, numa época marcada pelo crescente protecionismo nos Estados Unidos, envolvidos em disputas comerciais com a China e em divergências com a UE.

Na França, porém, o acordo foi criticado por políticos tanto de esquerda quanto de direita, bem como por alguns membros do partido República em Marcha, do presidente Emmanuel Macron. O fazendeiro e membro da legenda governista Jean-Baptiste Moreau se posicionou contra a importação de produtos agrícolas do Brasil, país que, segundo afirmou, possui "um dos setores agrícolas mais perversos em todo o mundo".

A Federação Nacional dos Sindicatos de Produtores Agrícolas da França – a maior entidade do setor no país – criticou a discrepância entre as exigências impostas a agricultores e criadores europeus e as impostas aos sul-americanos. "Não podemos usar anabolizantes, hormônios, certos antibióticos, além de pesticidas", reclamou um porta-voz do órgão, citado pelo jornal Folha de S. Paulo. "As normas de bem-estar do animal são bem mais severas aqui."

A Confederação dos Agricultores Alemães (DBV) considerou "inaceitável" o acordo, afirmando que ele poderá comprometer o futuro de diversas empresas familiares da Alemanha. O DBV teme que exigências distintas em relação a proteção ambiental e climática, emprego de antibióticos e pesticidas, assim como uma salvaguarda imperfeita do mercado europeu, venham a provocar distorções mercadológicas dramáticas, principalmente no que diz respeito à carne bovina e de aves e ao açúcar.

"Não é aceitável a Comissão Europeia assinar esse acordo totalmente desequilibrado. Esse tratado comercial é pura dupla moral", censurou o presidente da DBV, Joachim Rukwied. Ele instou os chefes de Estado e governo, assim como o Parlamento Europeu, a protegerem os padrões regionais para agricultura e gêneros alimentícios. "A agricultura não pode ser sacrificada em favor da indústria automobilística", criticou.

Para o Partido Verde alemão, o acordo comercial é uma "decisão fatal para a proteção do clima e os direitos humanos": "Esse tratado não pode ser concluído", exigiu a porta-voz da bancada parlamentar verde para assuntos de comércio, Katharina Dröge.

O acordo deverá também enfrentar forte resistência no Parlamento Europeu. Membros das legendas verdes ameaçam obstruir o acordo em meio a preocupações com o meio ambiente e com as políticas ambientais dos governos sul-americanos, principalmente, o brasileiro.

"Vergonha a Comissão Europeia pactuar com Jair Bolsonaro, que ataca democratas, LGBTs, mulheres e a Amazônia e homologou 239 pesticidas desde janeiro. Os verdes europeus lutarão sem descanso para bloqueá-lo", declarou no Twitter o europarlamentar francês Yannick Jadot, da bancada verde no Legislativo europeu.

A bancada verde no Europarlamento aumentou de 50 para 75 cadeiras após as últimas eleições europeias em maio, com bom desempenho entre os eleitores alemães e franceses. A aprovação do acordo em Estrasburgo necessitará de maioria simples entre os 751 membros.

Uma vez aprovado o acordo, passam a valer as provisões comerciais, como tarifas de importação e cotas. Entretanto, o conteúdo político do tratado necessitará da aprovação de cada um dos 28 parlamentos nacionais da UE – ou 27, com a saída do Reino Unido.

RC/efe/afp/ots

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