Acordo UE-Turquia faz refugiados repensarem viagem
Anna Lekas Miller (md)6 de abril de 2016
Migrantes continuam a chegar à Grécia, apesar da implementação do tratado entre Ancara e Bruxelas. Mas novas medidas levam alguns a reavaliar risco da travessia, enquanto atravessadores aumentam seus preços.
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O sol nasce lentamente sobre a praia de Denizköy, na Turquia, lançando um brilho rosa cintilante sobre as águas cristalinas do Mar Egeu. Ao longe, a silhueta das montanhas da ilha grega de Lesbos se destaca ao longo do horizonte, a apenas 30 quilômetros de distância. Normalmente deserta, a praia turca é ponto de partida comum para os refugiados que buscam chegar à Grécia por barco.
Embora não haja barcos no horizonte nesta manhã, coisas de migrantes que partiram recentemente estão por toda parte. Roupas de bebê, fraldas e outros pertences pessoais estão espalhados pela areia da praia, provavelmente descartados rapidamente em uma tentativa de aliviar o máximo possível um barco inevitavelmente superlotado. Um colete salva-vidas vermelho balança, pendurado em uma árvore nas proximidades, como um lembrete da tragédia que continua a ocorrer neste idílico pedaço de praia.
Mais de 700 pessoas morreram afogadas neste ano ao longo deste trecho da orla, em naufrágios ocorridos quando tentavam chegar à União Europeia, que pode ser vista no horizonte. Agora, aqueles que sobrevivem à viagem enfrentam a ameaça potencial de deportação, uma das medidas acertadas no acordo recente firmado entre UE e Turquia. Ele determina que, para cada refugiado sírio a entrar legalmente no bloco, um sírio ilegal seja deportado de volta à Turquia.
Embora os números mostrem que o caminho marítimo para a Grécia não tenha sido abandonado, a ansiedade provocada pelo acordo fez com que refugiados passem a pensar duas vezes antes de viajar para a Grécia, enquanto os traficantes de pessoas já cobram mais pela viagem.
As chegadas de imigrantes à Grécia pelo mar caíram de forma acentuada nesta quarta-feira, três dias após o acordo entre Ancara e Bruxelas entrar em vigor. Novas chegadas a ilhas gregas recuaram para 68 em 24 horas, em relação a 225 no dia anterior.
Uma semana atrás, Abir, uma mãe de 26 anos da cidade síria de Deir ez-Zor, era uma das dezenas de refugiados prestes a entrar em um barco em uma praia próxima à cidade de Izmir, conhecida base dos contrabandistas. No entanto, enquanto o contrabandista ia colocando cada vez mais pessoas no barco, incluindo o marido dela e seus três filhos pequenos, ela começou a entrar em pânico.
"Eu olhei para a água e fiquei com medo", relata, apertando a mão de seu filho mais velho, fora da mesquita no bairro de Basmane, em Izmir, agora apelidada de "Little Síria", devido ao número de refugiados à espera de embarcar para as ilhas gregas na praça central da cidade.
Embora seu marido tenha ido para a Grécia, ela voltou com seus três filhos para Izmir, para reconsiderar como eles poderiam encontrar uma maneira mais segura de se juntar a ele: "Eu queria mais tempo para pensar e decidir se realmente vale a pena o risco de viajar de barco para mim e para os meus filhos."
No entanto, durante o tempo em que ela planejava ganhar coragem para ir se juntar ao marido, foi firmado o acordo entre UE e Turquia, fazendo com que a viagem se tornasse significativamente mais arriscada e mais difícil de encontrar um contrabandista a preço acessível, já que muitos usaram o acordo político como uma oportunidade para aumentar seus preços.
"Parece impossível agora", diz ela. "O preço costumava ser mil euros, e agora os contrabandistas querem 3 mil."
Abir olha para o celular, esperando uma mensagem de Whatsapp do marido, que atualmente está no porto de Lesbos. Ele relata que a maioria dos sírios está desistindo, depois que as autoridades separaram os sírios dos afegãos dentro do campo de refugiados. "Não sei como eu vou chegar até ele ou como eu vou conseguir esse dinheiro."
"Eu trabalho no mar", afirma Hossam, de 33 anos, dando uma piscadela – ele é da cidade de Aleppo, que não tem praia.
Embora o acordo tenha sido criado para dar um baque na indústria de contrabando humano, ele causou apenas um pânico temporário. Nos primeiros dias, os contrabandistas tentaram reativar antigas rotas da Turquia para a Europa, como a que utilizava navios de carga a partir da costa sul da Turquia em direção à Itália – percurso que logo se tornou menos popular após o descobrimento da rota pela Grécia, mais curta, segura e barata.
"Essa é a única maneira de sobreviver como um sírio aqui", diz Mohammed, um amigo de Hossam, sentado ao lado dele nos degraus da mesquita. "Ser um contrabandista."
2015, o ano dos refugiados
Nunca tantas pessoas estiveram em fuga como em 2015. Muitos delas seguiram para a Europa, com o objetivo de chegar à Alemanha ou à Suécia. Confira uma restrospectiva fotográfica do "ano dos refugiados".
Foto: Reuters/O. Teofilovski
Chegada à União Europeia
Esses jovens sírios superaram uma etapa perigosa da sua viagem: eles conseguiram chegar à Grécia e, assim, à União Europeia. O objetivo final, porém, ainda não foi alcançado: eles querem continuar a jornada para o norte, em direção a outros países-membros do bloco. Em 2015, a maioria dos refugiados seguiu para a Alemanha e para a Suécia.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
Perigosa travessia do Mediterrâneo
O caminho que eles deixam para trás é extremamente perigoso. Vários barcos com refugiados, nem sempre aptos à navegação, já viraram durante a travessia do Mar Mediterrâneo. Estas crianças sírias e seu pai tiveram sorte: eles foram resgatados por pescadores gregos na costa da ilha de Lesbos, na Grécia.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
A imagem que comoveu o mundo
Aylan Kurdi, de 3 anos, não sobreviveu à fuga. No início de setembro, ele se afogou no Mar Egeu, juntamente com o irmão e a mãe, ao tentar chegar à ilha grega de Kos. A foto do menino sírio, morto na praia de Bodrum, espalhou-se rapidamente pela mídia e chocou pessoas de todo o mundo.
Foto: Reuters/Stringer
Onde as diferenças são visíveis
A ilha grega de Kos, a menos de 5 quilômetros de distância da Turquia continental, é o destino de muitos refugiados. As praias geralmente cheias de turistas servem de ponto de desembarque, como no caso deste grupo de refugiados paquistaneses que chegou à costa da Grécia com um bote de borracha.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
Em meio ao caos
Porém, muitos refugiados não conseguem simplesmente seguir viagem quando chegam a Kos. Eles somente podem seguir para o continente após serem registrados. Durante o verão europeu, a situação se agravou quando as autoridades fizeram com que os refugiados esperassem pelo registro num estádio, sob o sol escaldante e sem água.
Foto: Reuters/Y. Behrakis
Um navio para refugiados
Por causa da condições precárias, tumultos eram frequentes na ilha de Kos. Para acalmar a situação, o governo grego fretou um navio, que permaneceu ancorado e foi transformado em alojamento temporário para até 2.500 pessoas e em centro de registro de migrantes.
Foto: Reuters/A. Konstantinidis
"Dilema europeu"
Mais ao norte, na fronteira da Grécia com a Macedônia, policiais não permitiam mais a passagem de pessoas, entre elas crianças aos prantos, separadas de seus pais. Esta foto tirada pelo fotógrafo Georgi Licovski no local, e que mostra o desespero de duas crianças, foi premiada pelo Unicef como a imagem do ano, já que mostra "o dilema e a responsabilidade da Europa".
Foto: picture-alliance/dpa/G. Licovski
Sem conexões para refugiados
No final do verão europeu, Budapeste se transformou em símbolo do fracasso das autoridades e da xenofobia. Milhares de refugiados estavam acampados nas proximidades de uma estação de trem da capital húngara, pois o governo do país os proibira de seguir viagem. Muitos decidiram seguir a pé em direção à Alemanha.
Foto: picture-alliance/dpa/B. Roessler
Fronteiras abertas
Uma decisão na noite de 5 de setembro abriu caminho para os refugiados: a chanceler federal alemã, Angela Merkel, e o chanceler austríaco, Werner Faymann, decidiram simplesmente liberar a continuação da viagem por parte dos migrantes. Como consequência, vários trens especiais e ônibus seguiram para Viena e Munique.
Foto: picture alliance/landov/A. Zavallis
Boas vindas em Munique
No primeiro final de semana de setembro, cerca de 20 mil refugiados chegaram a Munique. Na estação central de trem da capital da Baviera, inúmeros voluntários se reuniram para receber os refugiados com aplausos e lhes fornecer comida e roupas.
Foto: Getty Images/AFP/P. Stollarz
Selfie com a chanceler
Enquanto a chanceler federal Angela Merkel era aplaudida por refugiados e defensores de sua política de asilo, muitos alemães se voltavam contra a política migratória. "Se tivermos de pedir desculpas por mostrar uma face acolhedora em situações de emergência, então este não é mais o meu país", respondeu a chanceler. A frase "Nós vamos conseguir" se tornou o mantra de Merkel.
Foto: Reuters/F. Bensch
Histórias na bagagem
No final de setembro, a polícia federal alemã divulgou uma imagem comovente: o presente que uma menina refugiada deu a um policial da cidade alemã de Passau. O desenho mostra o horror que vários migrantes vivenciaram e o quão felizes eles estavam por, finalmente, estarem em um local seguro.
Foto: picture-alliance/dpa/Bundespolizei
O drama continua
Até o final de outubro, mais de 750 mil refugiados haviam chegado à Alemanha. Mas o fluxo não parava. Sobrecarregados, os países da chamada Rota dos Bálcãs decidiram fechar suas fronteiras. Apenas sírios, afegãos e iraquianos estavam autorizados a passar. Em protesto, migrantes de outros países chegaram a costurar seus lábios.
Foto: picture-alliance/dpa/G. Licovski
Sem fim à vista
"Ajude-nos, Alemanha" está escrito em cartazes de manifestantes na fronteira com a Macedônia. Na Europa, o inverno se aproxima, e milhares de pessoas, entre elas crianças, estão presas nas fronteiras. Enquanto isso, até mesmo a Suécia retomou o controle temporário de fronteiras. Em 2016, o fluxo de refugiados deverá continuar.