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Acusações de machismo e misoginia atingem a polícia

29 de maio de 2016

Advogada da menor violentada numa favela do Rio acusa delegado responsável pelas investigações de tentar criminalizar a vítima e pede afastamento dele. Polícia rejeita acusações, mas passa o caso para uma delegada.

Mulheres protestam contra o estupro de uma menor em frente à Assembleia Legislativa do RioFoto: Getty Images/AFP/V. Almeida

O debate sobre machismo e misoginia, que ganhou força após o estupro de uma menor de idade numa favela do Rio de Janeiro, passou a incluir também a polícia e a Justiça brasileiras depois que as advogadas que defendem a vítima questionaram as investigações conduzidas pela Polícia Civil do Rio de Janeiro.

A advogada Eloisa Samy afirmou na sexta-feira passada (27/05) que os investigadores estão tratando o caso de forma machista e misógina. A Polícia Civil refutou a acusação e disse que o caso está sendo tratado de forma técnica e imparcial. O Ministério Público do Rio de Janeiro também se envolveu na questão e pediu que o caso seja dividido entre duas delegacias.

"O que me incomodou foi o machismo e a misoginia com que o delegado está tratando desse caso especificamente, desconsiderando o estupro, colocando o estupro como um crime menor", afirmou Samy sobre o depoimento da vítima à Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI), da Polícia Civil do Rio.

A advogada entrou com quatro pedidos no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, incluindo um de afastamento do delegado Alessandro Thiers, titular da DRCI. Na opinião de Samy, seria melhor que uma delegada assumisse as investigações, já que, para ela, Thiers estaria criminalizando e culpabilizando a vítima.

"Ele não tem condições de continuar no caso. [O vídeo] mostra claramente [o crime], e ninguém foi preso. Ninguém dá valor à palavra da mulher. É óbvio que é machismo", declarou Samy à Folha de S. Paulo. "Ele criminaliza a menina. Deveria ser chamada uma delegada especial."

Advogada pede afastamento do delegado Alessandro ThiersFoto: Agencia Brasil/Tomaz Silva

Samy criticou as perguntas feitas pelo delegado durante o interrogatório da adolescente. De acordo com a advogada, Thiers questionou se a menina tinha por hábito fazer sexo em grupo. "Constrangida, ela me perguntou: 'Preciso responder isso?'. Eu disse que não, e o delegado continuou insistindo com esse tipo de pergunta. Depois disso, encerrei o depoimento. A menina chorou em vários momentos", afirmou Samy.

Declarações do delegado

O delegado rebateu as críticas e disse que a advogada está "querendo bagunçar a investigação". Já a Polícia Civil afirmou inicialmente que a "investigação é conduzida de forma técnica e imparcial, na busca da verdade dos fatos para reunir provas do crime e identificar os agressores, os culpados pelo crime". Neste domingo, cedeu à pressão e anunciou a troca de delegado.

A adolescente de 16 anos, uma amiga dela e outros dois jovens suspeitos de envolvimento no caso foram ouvidos na sexta-feira por Thiers. Após os depoimentos, o delegado afirmou que não havia subsídios para pedir a prisão de suspeitos e que investiga se realmente ocorreu estupro coletivo.

"É leviano falar agora o que realmente aconteceu. Vamos tomar outras providências, ouvir outras pessoas para concluir e traçar uma linha de investigação. A Polícia Civil está investigando para saber como realmente ocorreram os fatos e da maneira que ocorreram", declarou.

"A verdade vai ser apresentada. Eu não posso ser leviano de cada hora que eu escutar uma versão apresentar para vocês. Se fosse assim, eu teria comprado a versão das meninas, teria comprado a versão dos advogados, teria comprado todas as versões. Tudo está sendo apurado. Eu estou convicto do que está acontecendo. No momento certo, as pessoas ficarão sabendo", disse.

MP-RJ é a favor do desmembramento

Diante da repercussão das acusações da advogada, o Ministério Público do Rio de Janeiro se reuniu com as defensoras da vítima e deu um parecer favorável ao desmembramento do caso, mas preferiu não se posicionar sobre o afastamento do delegado por entender que essa era uma atribuição da Polícia Civil. Porém, o Ministério Público se mostrou favorável a que se verifique se o delegado da DRCI infringiu, durante o depoimento, o artigo 232 do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Neste domingo, Samy divulgou no Facebook que o caso teria sido desmembrado pelo Tribunal de Justiça do Rio, cabendo a denúncia de estupro à Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítima (Dcav), enquanto a DRCI investigaria a divulgação do vídeo. "O delegado Alessandro Thiers, da DRCI, não é mais o encarregado pela investigação do estupro coletivo!", afirmou em post no Facebook, sob o título "Vitória das Mulheres".

O tribunal, porém, negou a informação. Em nota, afirmou que o plantão judiciário determinou a distribuição do requerimento da advogada – solicitando o afastamento do delegado – à uma vara criminal, o que só deverá ocorrer nesta segunda-feira. Na decisão, a magistrada plantonista ressaltou que apenas uma peça do inquérito foi apresentada pela advogada (um dos termos do depoimento da vítima, de sexta-feira passada), o que impossibilitaria uma melhor avaliação de qualquer medida judicial a ser tomada pelo plantão.

Pouco depois, a própria Polícia Civil do Rio de Janeiro decidiu passar a coordenação das investigações para a Dcav, com o objetivo de garantir a proteção da vítima e evitar questionamentos de parcialidade no trabalho investigativo. A investigação passa a ser conduzida pela delegada Cristiana Bento, que já acompanhava o caso.

FC/abr/ots

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