Adiamento de prêmio a autora palestina gera polêmica
Nikolas Fischer
20 de outubro de 2023
"Por causa da guerra em Israel" adiou-se concessão do LiBeratur a Adania Shibli. Meio literário condena em carta aberta exclusão da autora da decisão e "inverdades" difundidas por associação ligada à Feira de Frankfurt.
Na abertura da Feira, o filósofo esloveno Slavoj Žižek classificou a decisão como "escandalosa". Foi também cancelada uma discussão entre Shibli e seu tradutor alemão, Günther Orth. Originalmente em árabe, o romance premiado tem em inglês o título Minor detail e acaba de ser lançado na Alemanha como Eine Nebensache (Um detalhe secundário).
Uma carta aberta, publicada primeiramente na plataforma Arablit.org e já assinada por mais de 1.200 autores, redatores e editores, critica a associação sem fins lucrativos Litprom, de Frankfurt, cofinanciada pelo importante evento literário e responsável pelo LiBeratur: "Num momento em que a Feira expediu um comunicado afirmando querer tornar as vozes israelenses 'especialmente visíveis', ela fecha o espaço para uma voz palestina."
Cancelar eventos culturais "não é o caminho correto": "Nós nos recordamos da Feira do Livro de Frankfurt que apoiou editores turcos, e do discurso pré-gravado do presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, no ano passado." A Feira teria "a responsabilidade de dar espaço a escritores/as palestinos", em vez de "abafar seus pensamentos, sentimos e reflexões".
A carta aberta cita o editor inglês Jacques Testard, da Fitzcarraldo Editions que lançou Minor detail em 2020: "Uma das finalidades da literatura é fomentar a compreensão e o diálogo entre as culturas." Portanto, "num tempo em que impera tanta violência e dor no coração, a maior feira literária do mundo tem o dever de se engajar por vozes literárias da Palestina e de Israel".
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Autora foi excluída da decisão
Além do adiamento da premiação em si, a carta aberta critica também a propagação de inverdades: no website da Litprom lia-se em 13 de outubro que a decisão fora tomada "devido à guerra em Israel" e "em conjunto com a autora". Tal não procederia: ninguém perguntou a Adania Shibli se concordava com o adiamento, simplesmente lhe apresentaram o fato consumado, afirma.
Mais tarde a associação teria corrigido sua afirmativa, porém o The New York Times reproduziu a frase original, propagando, assim, o erro ainda mais. A editora americana de Shibli, Barbara Epler, da New Directions, escreveu ao jornal: "Cancelar a cerimônia e assim tentar silenciar a voz de Adania Shibli – 'devido à guerra em Israel' – é covarde. Mas dizer que Shibli teria concordado (em meio a todo o sofrimento em Gaza) é pior ainda."
A própria autora é igualmente citada na carta aberta do meio literário: caso a cerimônia tivesse se realizado, ela teria "aproveitado a oportunidade para refletir sobre o papel da literatura nestes tempos cruéis e dolorosos".
O LiBeratur se destina a autoras e autores do Sul global. A Litprom, que o concede, faz questão de enfatizar que a premiação em si "em momento nenhum foi questionada". Apesar de certos críticos terem denunciado em Minor detail uma narrativa antissemita, a associação "rechaça decididamente as acusações e difamações contra a autora e o romance como fatualmente injustificadas".
Nascida em 1974, Adania Shibli vive e trabalha em Berlim e Jerusalém. Em 2021, foi escolhida como docente convidada Friedrich Dürrenmatt de literatura do mundo da Universidade de Berna, Suíça. Minor detail foi incluído em 2022 na shortlist do Prêmio Internacional de Literatura.
Prêmios Nobel de Literatura desde 2000
Os laureados no século 21 não poderiam ser mais distintos. Entre eles, uma sarcástica dramaturga austríaca, o primeiro Nobel turco, um autor chinês controverso, um norueguês que escreve em dialeto minoritário.
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2023: Jon Fosse
Jon Fosse recebeu o Nobel por "suas peças e prosa inovadoras que dão voz ao indizível". Além de mais de 40 obras teatrais, o norueguês nascido em 1959 publicou romances, ensaios, coletâneas de poesia e livros infantis. Ele escreve em "novo norueguês", desenvolvido no século 19 a partir de dialetos rurais e falado por apenas 10% da população. Seus livros já foram traduzidos em mais de 40 idiomas.
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2022: Annie Ernaux
Autora de mais de 20 livros, Annie Ernaux é conhecida por seus romances autobiográficos e livros de memórias, em geral curtos e baseados em experiências de classe e gênero. Ao premiar a ffrancesa nascida em 1940, a Academia louvou a "coragem e acuidade clínica com que revela as raízes, estranhamentos e inibições coletivas da memória pessoal".
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2021: Abdulrazak Gurnah
Abdulrazak Gurnah nasceu na Tanzânia em 1948 e desde os anos 60 mora na Inglaterra, onde lecionou Inglês e Literatura Pós-Colonial na Universidade de Kent. A Academia Sueca citou sua "dedicação à verdade e sua aversão à simplificação", em obras que "evitam descrições estereotipadas e abrem nosso olhar para uma África Oriental culturalmente diversa". "Paraíso" é um dos dez romances de sua autoria.
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2020: Louise Glück
A poeta americana Louise Glück foi agraciada em 2020 por sua "voz poética inconfundível que, com beleza austera, torna universal a existência individual". Nascida em Nova York, a escritora fez sua estreia literária em 1968 e, segundo o comitê, ''logo se tornou uma das poetas mais proeminentes da literatura americana contemporânea''. Desde 2011 um poeta não levava o Nobel.
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2018: Olga Tokarczuk, 2019: Peter Handke
Como anunciado, a academia concedeu dois prêmios em 2019. A escritora polonesa Olga Tokarczuk recebeu o de 2018 pela "imaginação narrativa que, com paixão enciclopédica, representa o cruzamento de fronteiras como uma forma de vida". O austríaco Peter Handke ficou com o de 2019 pelo "trabalho influente que, com ingenuidade linguística, explorou a periferia e a especificidade da experiência humana".
2018: escândalos impossibilitam premiação
Em maio de 2018, a Academia Sueca comunicou que o Prêmio Nobel de Literatura não seria concedido naquele ano, depois que alegações de abusos sexuais e escândalos de crimes financeiros mancharam a reputação da organização. Na ocasião, a entidade informou que, no ano seguinte, dois prêmios seriam entregues. Foi a primeira vez desde 1949 que o prêmio não foi concedido.
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2017: Kazuo Ishiguro
O escritor britânico nascido no Japão Kazuo Ishiguro foi laureado com o Nobel de 2017. A Academia Sueca destacou a "grande força emocional" de sua obra. "Os escritos de Ishiguro são marcados por um modo de expressão cuidadosamente restrito, independentemente de qualquer evento que ocorra", disse a Academia. Entre seus romances mais famosos está "Os vestígios do dia", de 1989.
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2016: Bob Dylan
Em 2016, uma polêmica: o prêmio foi para um cantor e compositor, Bob Dylan. O astro da música folk e do rock foi escolhido por criar "novas expressões poéticas dentro da grande tradição musical americana". Após o anúncio, Dylan silenciou por algumas semanas, o que colocou em dúvida se ele aceitaria a homenagem. Por fim, ele disse que ficou sem palavras, mas optou por não ir à cerimônia.
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2015: Svetlana Alexievitch
Na figura de uma autora bielorussa, o Comitê do Prêmio Nobel reconheceu uma nova forma de autoria. Em suas reportagens e ensaios, Svetlana Alexievitch desenvolveu um estilo literário todo próprio, realizando entrevistas e adensando-as em emocionais colagens da vida quotidiana. Enquanto cronista do sofrimento humano, ninguém documentou a decadência da União Soviética como ela.
Foto: Imago/gezett
2014: Patrick Modiano
Guerra, amor, ocupação, morte são os temas que ocupam o ator francês Patrick Modiano, ao processar as lembranças de sua infância infeliz na Paris do pós-Guerra. O júri do Nobel o elegeu precisamente por essa "muito especial arte da memória". Há muito consagrado em seu país, até ser laureado ele era pouco conhecido em nível internacional.
Para a Academia Sueca, que concede o prêmio anualmente desde 1901, Alice Munro é uma "mestra da crônica contemporânea". Entre as características inovadoras dos contos da escritora canadense está o livre trajeto na linha do tempo. Uma colega americana a classificou como "o nosso Tchecov".
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2012: Mo Yan
O chinês Guan Moye é melhor conhecido por seu pseudônimo Mo Yan. O Comitê Nobel louvou nele um autor que, "com realismo alucinógeno, combina contos de fadas, história e presente". A decisão foi criticada pelo artista chinês Ai Weiwei, para quem seu compatriota era próximo demais do regime comunista.
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2011: Tomas Tranströmer
Em sua justificativa sobre Tomas Gösta Tranströmer, o júri louvou as "imagens comprimidas, esclarecedoras, que apontam novos caminhos para o real". Na década de 60, o poeta sueco trabalhou como psicólogo numa instituição para jovens delinquentes. Seus poemas foram traduzidos para mais de 60 idiomas.
Foto: Fredrik Sandberg/AFP/Getty Images
2010: Mario Vargas Llosa
O autor peruano Mario Vargas Llosa recebeu o Nobel por "sua cartografia das estruturas de poder e seus enérgicos retratos da resistência individual, da rebelião e da derrota". Na América Latina, ele ficou famoso pela frase, pronunciada na televisão: "México é a ditadura perfeita", assim como suas invectivas contra o ex-amigo Gabriel García Márquez, em 1976.
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2009: Herta Müller
Como mais recente laureada germanófona, a teuto-romena Herta Müller foi destacada por, "com a densidade da sua poesia e a franqueza da sua prosa, retratar o universo dos desapossados". Ela também critica em suas obras o autoritário regime Ceaușescu, que até 1989 geriu os destinos da Romênia. Entre seus romances editados em português estão "A terra das ameixas verdes" e "O compromisso".
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2008: Le Clézio
Segundo a Academia Sueca, Jean-Marie Gustave Le Clézio é "o autor da ruptura, da aventura poética e do êxtase sensorial", além de "estudioso de uma humanidade abaixo e acima da civilização dominante". Filho de uma francesa e de um nativo de Maurício, ele considera esse Estado insular no Oceano Índico sua "pequena pátria".
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2007: Doris Lessing
A britânica Doris Lessing publicou tanto romances e contos quanto peças teatrais. A Academia Sueca a saudou como "épica da experiência feminina, que, com ceticismo, paixão e força visionária, colocou à prova uma civilização fragmentada". A hoje nonagenária já se engajou contra a energia atômica e foi opositora eloquente do regime do apartheid na África do Sul.
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2006: Orhan Pamuk
Ao homenagear Istambul, o primeiro ganhador do Nobel da Literatura de nacionalidade turca "encontrou novas imagens simbólicas para o conflito e o entrelaçamento das culturas, em busca da melancólica alma de sua cidade natal". Ferit Orhan Pamuk é o escritor turco mais lido do mundo, com 11 milhões de livros vendidos e traduções em 35 idiomas.
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2005: Harold Pinter
O dramaturgo inglês Harold Pinter morreu de câncer pulmonar três anos após receber o Nobel. Com seus dramas, apontou o júri, ele "revelou o precipício sob a conversa fiada do dia a dia", penetrando "no espaço fechado da repressão". Tendo escrito também para a TV e o cinema, ele também foi ator e diretor de várias de suas peças.
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2004: Elfriede Jelinek
A autora austríaca Elfriede Jelinek recebeu o Prêmio Nobel pelo "fluxo musical de vozes e contravozes em seus romances e dramas", em que desmascara os clichês sociais. Um de seus temas centrais é a sexualidade feminina. O romance "A pianista" (1983) foi base para o filme homônimo de 2011, dirigido por Michael Haneke e com Isabelle Huppert no papel principal.
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2003: John M. Coetzee
Segundo o júri, John Maxwell Coetzee retrata "a participação do ser humano na diversidade da existência, de maneira muitas vezes atordoante". Além do Nobel, o autor da África do Sul já recebeu duas vezes o prestigioso Man Booker Prize. Seu romance mais conhecido, "Desgraça" (1999), que trata da era pós-apartheid, foi transformado nove anos mais tarde no filme "Desonra".
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2002: Imre Kertész
O sobrevivente de Auschwitz Imre Kertész foi laureado por uma obra que "contrapõe a frágil experiência do indivíduo à bárbara arbitrariedade da história". O judeu húngaro descreveu em seus romances os horrores dos campos de concentração. Em "Sem destino", uma das mais impressionantes narrativas sobre o Holocausto, ele trabalhou mais de 13 anos.
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2001: Vidiadhar Naipaul
Uma arte narrativa "em que ele conjuga uma percepção particularmente sensível com meticulosidade irreprimível, para nos obrigar a reconhecer a contemporaneidade das histórias reprimidas": assim o Comitê justificou a escolha de Vidiadhar Surajprasad Naipaul. O indo-britânico tomou como tema a liberdade do indivíduo numa sociedade em ocaso, em diversas regiões do mundo.
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2000: Gao Xingjian
O primeiro Prêmio Nobel da Literatura do século 21 coube ao chinês Gao Xingjian, escolhido por "uma obra de validade universal", marcada por "amargos insights e riqueza linguística", abrindo novos caminhos para a prosa e o teatro na China. Desde 1987 ele vive e atua em Paris como autor, dramaturgo e pintor.