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Aeroporto de Berlim, 8 anos depois: crônica de um desastre

31 de outubro de 2020

A inauguração do BER estava marcada para meados de 2012. Em vez disso, se realiza neste 31 de outubro, após incontáveis panes técnicas e políticas. Como tal desastre pôde ocorrer no país da eficiência e alta tecnologia?

Mulher de veste de segurança escrita "BER" passa por alarme de incêndio inoperante
Em 2012, aeroporto inacabado apresentava falhas de segurança gravesFoto: Berthold Stadler/Piratenfraktion dpa/picture-alliance

Foram tantos erros na construção do Aeroporto Berlim-Brandembugo (BER), que é difícil dizer qual foi o maior. Só a inspeção realizada após a primeira inauguração cancelada, em junho de 2012, enumerou cerca de 120 mil defeitos.

Entre eles, alguns tão graves quanto um sistema anti-incêndio inoperante, milhares de portas automáticas sem ligação elétrica e tetos de estacionamento caindo. Milhares de quilômetros de cabos elétricos haviam sido enfiados em dutos estreitos demais, aparentemente ao acaso ou em combinações proibidas.

Arquitetos, engenheiros, técnicos e pedreiros precisaram de oito anos para consertar esse caos. "Se você abotoa errado o primeiro botão de um casaco e chega até em cima, não tem jeito: precisa desfazer todos os botões antes de poder começar a abotoar novamente", explicou em 2014 Hartmut Mehdorn, que, por pouco tempo, foi diretor do aeroporto, mas logo desistiu.

Até a abertura, neste sábado (31/10), ao todo a data de inauguração oficial do BER teve que ser cancelada e adiada seis vezes. Os custos de construção saltaram dos 2,5 bilhões de euros iniciais para mais de 7 bilhões de euros – para um polo de aviação que funcionará abaixo de sua capacidade durante a pandemia de covid-19, mas que previsivelmente logo será pequeno demais. Assim, a sociedade do aeroporto já planeja para 2030 mais uma expansão, com custos calculados em 2,3 bilhões de euros.

Como pode ter dado tão errado assim um megaprojeto na Alemanha, país da alta tecnologia? Três comissões parlamentares de inquérito quebraram a cabeça para tentar responder. Após revirar arquivos sem fim e interrogar centenas de testemunhas, apresentaram um relatório de milhares de páginas, concluindo que o que levou ao desastre foi incompetência em todos os níveis. Mas acima de tudo, falta de expertise e má avaliação por parte da liderança política.

Canteiro de obras do Aeroporto de Berlim em 2009Foto: Nestor Bachmann/dpa-Zentralbild/dpa/picture-alliance

Estado entra de empreiteiro

A ideia de um polo de aviação na região Berlim-Brandemburgo nasceu logo após a reunificação da Alemanha. Cinco anos para planejar, cinco para construir, inauguração durante os Jogos Olímpicos do ano 2000 na capital alemã: essa era a equação proposta na época pelo governo federal e dos dois estados envolvidos.

Como se sabe, os planos olímpicos deram em nada. Além disso, os políticos brigaram até 1996 sobre onde, exatamente, o aeroporto seria erguido. O que não impediu a sociedade estatal do BER de comprar, profilaticamente, terrenos, no valor de 350 milhões em várias partes de Brandemburgo – que acabou não sendo escolhido como local.

Mais sete anos anos se passaram na inútil busca de investidores privados para projetar, construir e operar o aeroporto: devido aos elevados riscos financeiros, nenhuma companhia queria aceitar o negócio sem que houvesse garantias estatais. Em 2003 o projeto estava praticamente cancelado. Mas isso os políticos, e acima de tudo o então prefeito de Berlim, Klaus Wowereit, não queriam permitir, de forma alguma: e o Estado entrou como empreiteiro.

"Vamos provar que três proprietários públicos são capazes de realizar um projeto assim", anunciou, grandiloquente, Wowereit no início das obras, em 2006. Na época, aliás, o projeto ainda se chamava BBI. Só três anos mais tarde a sociedade responsável se deu conta que a International Air Transport Association (Iata) já designara o código BBI ao aeroporto de Bhubaneswar, Índia.

Essa é apenas uma pequena nota de pé de página, que combina com algo que um veterano do conselho de supervisão declarou um 2017 à revista Der Spiegel: competência é algo que nunca transitou pelos corredores da sociedade do aeroporto.

"Caixa preta BER"

Quando começaram as obras, havia, de fato, plantas e projetos prontos. Porém os contratadores não cessavam de vir com novos desejos e ideias para os arquitetos e engenheiros realizarem em meio aos trabalhos em curso: mezaninos adicionais, pontes para passageiros, áreas de comércio e zonas de alimentação. Como os regulamentos de segurança da União Europeia mudaram, as saídas de incêndio tiveram que ser totalmente redimensionadas.

Isso tudo não ficou sem consequências. Em retrospectiva, constatou-se que já em 2009 as obras estavam atrás do cronograma e indo em má direção. No ano seguinte, o escritório de engenharia encarregado da atualização técnica do prédio abriu falência. A inauguração, programada para 2011, foi adiada, embora em apenas oito meses.

Em seu livro Blackbox BER, o arquiteto Meinhard von Gerkan revelaria mais tarde que as datas de inauguração eram definidas "de acordo com o calendário político, em geral com prazos abreviados ou calculados de forma apertada, e contrariando os protestos da gestão de obras".

Em retrospecto, Von Gerkan faz acusações graves: a sociedade do aeroporto tentou repetidamente ocultar as dificuldades do conselho de supervisão encabeçado pelo prefeito Wowereit. Entre dezembro de 2011 e março de 2012, relatórios de obras chegaram a ser manipulados.

"Nossas setas de advertência vermelhas indicando que os prazos não poderiam ser cumpridos foram mudadas em sinais amarelos, sinalisando que o prazo era factível, embora só a custas de esforços extras", acusa Blackbox BER.

Em poucos anos capacidade do BER será insuficienteFoto: DW

Incompetência e desonestidade premiadas

Por sua vez, os políticos estavam ansiosos por acreditar nessa versão otimista dos fatos. Quando havia visitas às obras, os operários tinham que construir às pressas paredes de gesso, para que ninguém visse o que ocorria de fato no futuro BER.

Quatro semanas antes da inauguração planejada, ficou impossível continuar maquiando as falhas. Como o sistema anti-incêndio e, sobretudo, o sistema de aspersão não funcionavam, em maio de 2012 foi negada a licença para operar.

A política reagiu ao fiasco com acusações e demissões em massa. Também a agência de consultoria e o arquiteto Von Gerkan foram afastados – um grave erro, como se reconheceria mais tarde. Pois o problema não era só que os contratados para terminar a empreitada muitas vezes procuravam em vão pela documentação das obras – em 2014 encontraram-se num aterro sanitário pilhas de fichários: faltavam-lhes também informações sobre o que fora mal construído até então.

Ninguém foi punido por todo esse absurdo. Os políticos responsáveis há muito deixaram o cargo. Ao se despedir da prefeitura da capital, em 2014, Klaus Wowereit declarou que o BER "foi uma derrota amarga, e é até hoje".

A direção do projeto tampouco teve que responder pelo desastre. Pelo contrário: um dos dois diretores da sociedade do aeroporto, despedidos em 2012, conseguiu posteriormente uma indenização de 1,4 milhão de euros por honorários não recebidos.

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