Forças Armadas de diferentes nações penam para retirar seus cidadãos do país, enquanto civis afegãos tentam invadir o aeroporto em fuga. Desesperadas, mães lançam bebês sobre os muros do terminal.
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O desespero cresce a cada dia do lado de fora dos muros do aeroporto de Cabul. Centenas de milhares de afegãos tentavam cruzar os portões nesta sexta-feira (20/08), na esperança de embarcar em qualquer voo para longe do domínio do Talibã, enquanto militantes extremistas atiravam para o ar para afastar as pessoas.
O tumulto, a aglomeração e o desespero da população tornam ainda mais difícil a retirada de cidadãos estrangeiros pelas forças militares de seus países. Aviões com capacidade para mais de 100 passageiros têm deixado Cabul quase vazios.
Além disso, nações são acusadas de terem começado tardiamente a evacuação e de estarem pensando somente em seus cidadãos, abandonando o povo afegão a sua própria sorte.
De acordo com a Otan, 18.000 pessoas partiram em voos do aeroporto de Cabul desde que o Talibã tomou a cidade, no último domingo. Segundo o governo americano, cerca de 5.800 soldados fazem a segurança e o controle do local. Ao menos 12 pessoas morreram em confrontos no aeroporto e em seu entorno.
Mães atiram bebês sobre cerca
Tomadas pelo medo, mães jogam seus bebês sobre a cerca de arame farpado do aeroporto, clamando para que soldados britânicos e americanos as socorram e tirem pelo menos seus filhos do país.
Segundo a emissora BBC, cidadãos britânicos contatados por e-mail pelo governo do Reino Unido se dirigem ao aeroporto de Cabul, mas não conseguem ingressar devido à quantidade de civis afegãos que tentam desesperadamente fugir do país.
Mesmo sem receber o contato do governo britânico, centenas levam documentos na tentativa de provar que trabalharam para embaixadas ou forças estrangeiras e esperam, de alguma forma, serem liberadas para entrar no aeroporto. Para conter o caos, por vezes soldados britânicos disparam para o alto.
Entre os cidadãos britânicos que tentam sair do país estão Helmand Khan, um motorista de Uber do oeste de Londres, e seus filhos pequenos. Segundo a BBC, eles viajaram ao Afeganistão há alguns meses para visitar parentes e agora tentam desesperadamente voltar para casa.
Além disso, pessoas que trabalharam para o governo britânico temem ser mortas em retaliação pelo Talibã, após terem seus pedidos de visto negados pelo Reino Unido.
O mesmo ocorre com jornalistas. Militantes do Talibã, que tinham como alvo umjornalista da DW, assassinaram um membro de sua família e deixaram outro gravemente ferido. Os islamistas vasculhavam casa a casa em busca do profissional, que trabalha atualmente na Alemanha. Outros membros da família do jornalista conseguiram escapar no último minuto e estão em fuga.
De acordo com a ONU, o Talibã tem uma lista de nomes prioritárias de pessoas que querem prender. Aqueles que correm mais riscos são os que ocuparam postos de responsabilidade nas Forças Armadas afegãs, polícia e unidades de coleta de informações.
Segundo informações da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur), atualmente os afegãos só conseguem fugir para o exterior com grande dificuldade. "A grande maioria dos afegãos não pode deixar o país por meios regulares", disse a porta-voz Shabia Mantoo, apelando para que as nações vizinhas mantenham as fronteiras abertas.
Aviões parcialmente vazios
A Espanha informou nesta sexta-feira que aviões militares estão deixando Cabul parcialmente vazios, porque o caos no aeroporto da cidade impede a evacuação.
A ministra da Defesa, Margarita Robles, afirmou que uma família afegã transportada pela Espanha acabou deixando para trás uma filha que perderam no aeroporto.
Em entrevista à rádio pública espanhola RNE, Robles disse que uma solução ideal seria abrir corredores para o aeroporto, mas isso é impossível porque "ninguém está no controle da situação".
A ministra espanhola contou ainda que, depois que o presidente deposto Ashraf Ghani deixou o país, os controladores de tráfego aéreo e a equipe de segurança do aeroporto foram embora, deixando-o inoperante até que as forças dos Estados Unidos o assumissem.
Segundo ela, os americanos deram garantias de que suas forças não deixarão o aeroporto até que a última pessoa que aguarda retirada consiga sair do país.
Na terça-feira, um avião militar das Forças Armadas alemãs decolou de Cabul com apenas sete pessoas a bordo. O plano original era, segundo o jornal Bild, transportar ao menos 57 diplomatas e mais 88 cidadãos alemães.
Representantes do governo alemão disseram que havia apenas 30 minutos disponíveis para o embarque e que somente os alemães que estavam no aeroporto naquele momento puderam embarcar. Afirmaram também que, até instantes antes do pouso, não estava claro se o avião, um Airbus A400M, conseguiria aterrissar e que, por isso, não seria seguro convocar mais cidadãos alemães para irem ao aeroporto.
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Alemão ferido a caminho do aeroporto
A Alemanha vai enviar a Cabul dois helicópteros das forças especiais para ajudar nas evacuações, informou o Ministério da Defesa. Os helicópteros, que devem chegar ao Afeganistão neste sábado, são especialmente projetados para resgates de reféns e podem pousar em locais compactos.
Nesta sexta-feira, a caminho do aeroporto, um civil alemão foi atingido por um disparo de arma de fogo, informou Berlim. Ele está recebendo tratamento médico e não corre risco de morte.
De acordo com o Ministério da Defesa, a Bundeswehr já resgatou 1.649 pessoas de 38 países até a tarde desta sexta-feira. O Ministério do Exterior informou que foram transportados mais de 100 cidadãos da União Europeia e 160 pessoas de países terceiros.
No entanto, para muitos políticos alemães o ritmo de evacuação é lento e mais voos deveriam ocorrer, especialmente em áreas fora de Cabul.
O Pentágono informou na quinta-feira que, desde domingo, os EUA retiraram aproximadamente 7.000 pessoas de Cabul. O Exército americano afirma que atualmente tem capacidade para transportar de 5 mil a 9 mil pessoas da capital afegã por dia, mas isso depende da quantidade de pessoas que estão prontas para partir.
O Reino Unido disse que resgatou de Cabul 963 pessoas nas últimas 24 horas, além dos 1.200 transportados nos cinco dias anteriores.
le/ek (Lusa, Reuters, AFP, DPA, AP, ots)
A intervenção dos EUA no Afeganistão
Há 20 anos, após o 11 de Setembro, os EUA enviavam seus primeiros soldados ao país. Reveja os principais acontecimentos desde então: da operação Liberdade Duradoura à retomada do país pelos fundamentalistas do Talibã.
Foto: Evan Vucci/AP Photo/picture alliance
Operação Liberdade Duradoura
Em outubro de 2001, menos de um mês após aos ataques de 11 de Setembro, o presidente George W. Bush lança no Afeganistão a operação Liberdade Duradoura, depois que o regime Talibã se recusa a entregar Osama bin Laden. Em semanas, os americanos derrubam o Talibã, que ocupava o poder desde 1996. Cerca de mil soldados são enviados ao país em novembro, aumentando para 10 mil um ano depois.
Foto: picture-alliance/DoD/Newscom/US Army Photo
Talibã se reagrupa
A invasão do Iraque em 2003 se torna a maior preocupação dos EUA e desvia a atenção do Afeganistão. O Talibã e outros grupos islamistas se reagrupam em seus redutos no sul e leste do Afeganistão. Em 2008, Bush concorda em enviar soldados adicionais ao país em meio a pedidos por uma estratégia efetiva contra o Talibã. Em meados de 2008, há 48.500 soldados americanos no país.
Foto: picture alliance/Photoshot
Obama é eleito
Em sua campanha, Barack Obama promete encerrar as guerras no Iraque e no Afeganistão. Mas nos primeiros meses de sua presidência, em 2009, há um aumento no número de soldados no Afeganistão para cerca de 68 mil. Em dezembro, o número cresce ainda mais, para 100 mil, com o objetivo de conter o Talibã e fortalecer instituições afegãs.
Foto: AP
Morte de Bin Laden
Osama bin Laden, líder da Al Qaeda que esteve por trás dos ataques de 11 de Setembro, é morto em maio de 2011 em seu esconderijo, durante uma operação de forças especiais americanas no Paquistão.
Foto: picture-alliance/dpa
Acordo com Afeganistão
O Afeganistão assina em setembro de 2014 um acordo bilateral de segurança com os EUA e texto similar com a Otan: 12.500 soldados estrangeiros, dos quais 9.800 norte-americanos, permaneceriam no país em 2015. Mas a situação de segurança piora. Em meio à ressurgência do Talibã, Obama diminui a velocidade de retirada em 2016, afirmando que 8.400 soldados permaneceriam no Afeganistão.
Foto: Reuters
Bombardeio de hospital em Kunduz
Em outubro de 2015, no auge do combate entre insurgentes islâmicos e o Exército afegão, apoiado por forças da Otan, um ataque aéreo dos EUA atinge um hospital dirigido pela organização Médicos Sem Fronteiras na província de Kunduz. O ataque deixa 42 mortos, inclusive 24 pacientes e 14 membros da ONG.
Foto: Getty Images/AFP
"Mãe de todas as bombas"
Em abril de 2017, forças americanas atingem posições do "Estado Islâmico" (EI) no Afeganistão com a maior bomba não nuclear já usada pelo país em combate, matando 96 jihadistas. Em julho, é morto o novo líder do EI no país.
Foto: Reuters/U.S. Department of Defense
"Estamos diante de um impasse"
Em fevereiro de 2017, um relatório do governo dos EUA mostra que as perdas entre as forças de segurança afegãs subiram 35% em 2016 em relação ao ano anterior. Pouco depois, o general americano à frente das forças da Otan, John Nicholson (esq., ao lado do secretário da Defesa John Mattis), alerta que precisa de mais milhares de soldados: “Acredito que estamos diante de um impasse."
Foto: Reuters/J. Ernst
Trump anuncia nova estratégia
Em 21 de agosto de 2017, o presidente Donald Trump anuncia nova estratégia para o Afeganistão, fazendo da caça a terroristas a principal prioridade. Trump não especifica um aumento do número de soldados como esperado, mas diz que os objetivos incluem "obliterar" o Estado Islâmico, "esmagar" a Al Qaeda e impedir o Talibã de dominar o Afeganistão.
Foto: picture-alliance/Pool via CNP/MediaPunch/M. Wilson
EUA negociam com rebeldes
Em julho de 2018, sob o governo do presidente Donald Trump, os EUA entram em negociação com o Talibã, sem envolver o governo afegão eleito ou os parceiros da Otan.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Photo/Qatar Ministry of Foreign Affairs
Trump cancela encontro com Talibã
Em setembro de 2019, o presidente Trump cancela na última hora uma reunião marcada em sigilo com líderes do Talibã e do Afeganistão, após o grupo islamista assumir a autoria de um ataque em Cabul que matou um soldado americano e outras 11 pessoas.
Foto: Getty Images/M. Wilson
EUA e Talibã assinam acordo de paz
Em fevereiro de 2020, sob o regime Trump, os governos dos EUA e do Afeganistão anunciam a retirada completa das tropas americanas e de outros países da Otan. O pacto assinado pelo negociador especial dos EUA para a paz, Zalmay Khalilzad, e pelo líder político talibã mulá Abdul Ghani Baradar, prevê que o número de militares estrangeiros seria reduzido gradualmente, ao longo de 14 meses.
Foto: AFP/G. Cacace
Biden anuncia retirada total das tropas
Em 14 de abril de 2021, o presidente Joe Biden comunica à população americana que a guerra mais longa do país terá fim, com as tropas dos EUA e da Otan se retirando inteiramente do Afeganistão até 11 de setembro, 20º aniversário dos ataques terroristas em Nova York.
Foto: Andrew Harnik/AFP/Getty Images
EUA e Otan iniciam retirada
EUA e Otan iniciam formalmente, em 1º de maio de 2021, a retirada de todas as suas tropas do Afeganistão. A previsão era retirar até 11 de setembro entre 2.500 e 3.500 soldados americanos e cerca de outros 7 mil soldados da Otan. Estima-se que os EUA tenham gasto mais de 2 trilhões de dólares no país, em 20 anos, de acordo com o projeto Costs of War da Universidade Brown.
Foto: Michael Kappeler/dpa/picture alliance
Americanos entregam base ao governo afegão
Em 2 de julho de 2021, tropas dos EUA partem da base aérea de Bagram, ponto focal da guerra, e entregam o local ao governo afegão. Permanecem no país asiático alguns poucos soldados, numa pequena base na capital Cabul.
Foto: Rahmat Gul/AP/picture alliance
Talibã toma capitais regionais
Aproveitando o vácuo deixado pela retirada das tropas de paz internacionais do Afeganistão, guerrilheiros do Talibã tomam, no inicio de agosto de 2021, capitais regionais como Sheberghan, Kunduz e Zaranj, num duro golpe para o governo afegão, que lutava para defender as cidades mais importantes da ofensiva do grupo extremista.
Foto: Abdullah Sahil/AP Photo/picture alliance
EUA retiram seus cidadãos do Afeganistão
Em meados de agosto, Estados Unidos e outros países começam a retirar seus cidadãos do Afeganistão, enquanto forças militares americanas se esforçam para proteger e manter funcionando o aeroporto de Cabul. Com todos os voos comerciais cancelados, milhares de afegãos invadem a pista do aeroporto desesperados, tentando embarcar em qualquer aeronave que fosse decolar.
Foto: Wakil Kohsar/AFP
Talibã ocupa palácio presidencial
O Talibã toma a capital Cabul, em 15 de agosto de 2021, dissolvendo o governo e estendendo seu controle sobre todo o Afeganistão. A capital era um dos últimos redutos ainda sob a autoridade do presidente Ashraf Ghani. Assim como ocorreu com dezenas de outras cidades, ele é tomada sem resistência efetiva das tropas governamentais. Ghani foge do país.
Foto: Zabi Karim/AP/picture alliance
Biden defende retirada das tropas
Um dia depois da tomada de Cabul, o presidente dos EUA, Joe Biden, defende a decisão de pôr fim à presença americana no Afeganistão e condena líderes e políticos afegãos que abandonaram o país, abrindo caminho para a tomada de poder pelo Talibã. Biden culpa ainda o ex-presidente Donald Trump, por ter fortalecido o grupo rebeldes e deixado os talibãs em sua melhor situação militar desde 2001.