No passado, o país asiático teve papel decisivo nas atividades de proponentes da "guerra santa" islâmica, como EI e Al Qaeda. Com o retorno dos talibãs, é grande o temor internacional de que esse quadro se repita.
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À medida que as tropas dos Estados Unidos se retiram do Afeganistão, fica claro que a única meta de Washington no país sempre foi garantir sua própria segurança. O presidente Joe Biden não deixou qualquer dúvida a respeito, durante um discurso em meados de agosto, ao declarar: "Nosso interesse mais vital de todos no Afeganistão permanece o que sempre foi: evitar um atentado terrorista ao nosso país."
A assertiva de que esse interesse pode ser preservado sem presença militar americana não é partilhada por todos os políticos do país. O líder republicano do Comitê de Assuntos Estrangeiros da Câmara dos Representantes, Michael McCaul, declarou que o Afeganistão está voltado a ser o "celeiro terrorista" que era antes da invasão pelos EUA, em 2001.
O general do Exército Mark Milley também manifestou-se apreensivo de que grupos militantes como a Al Qaeda e o "Estado Islâmico" (EI) possam restaurar rapidamente suas redes de conexões no país que tem fronteiras com o Irã e o Paquistão.
O Talibã vai mudar?
Embora havendo risco real de que esses grupos se reorganizem no Afeganistão, o especialista Daniel Byman escreveu recentemente na revista Foreign Affairs considerar improvável que ele volte a se tornar a base internacional para jihadistas, mesmo que a retirada das tropas americanas dificulte as operações antiterrorismo.
No artigo intitulado O Afeganistão voltará a ser um porto seguro terrorista? Byman dá vários motivos para uma resposta negativa: por um lado, a Al Qaeda perdeu grande parte de sua antiga força, e o Talibã e o EI são inimigos. Acima de tudo, porém, os novos líderes afegãos teriam aprendido com o passado, devendo, portanto, comportar-se de maneira diversa.
O especialista em Sul da Ásia Christian Wagner, do Instituto Alemão para Política Internacional e Segurança (SWP), também considera improvável os jihadistas restabelecerem sua antiga presença num Afeganistão dominado pelos talibãs, até porque "eles não querem mais ser uma nação pária e estão trabalhando no sentido do reconhecimento internacional".
Quando o grupo governou o país, de 1996 a 2001, prossegue Wagner, o assim chamado Emirado Islâmico do Afeganistão só era reconhecido pelo Paquistão, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos. "Agora o Talibã quer mudar isso. E sabe que um maior reconhecimento internacional só é possível se adaptar sua política, sobretudo na forma de lidar com grupos jihadistas."
Talibãs sob os olhos do mundo
Os países ocidentais não são os únicos alarmados com a perspectiva de os talibãs transformarem o Afeganistão num reduto internacional para jihadstas. A fim de vigiar as intenções dos talibãs, há anos a Rússia mantém canais de comunicação com eles. Nos últimos meses, a China tem igualmente intensificado o diálogo com representantes do grupo islamista, da mesma forma que o Irã, oferecendo seu apoio para eventuais negociações de paz, no futuro.
Todos esses três países estão unidos na luta contra o jihadismo, e é provável que os talibãs saibam disso. E, mesmo depois de sua retirada do Talibã, os EUA não confiam apenas na boa vontade dos fundamentalistas para evitar novos ataques terroristas.
Segundo Byman, os americanos ainda dispõem de mecanismos de reconhecimento avançados para observar e combater a emergência do jihadismo no país em que estavam estacionados. "Os militares dos EUA exploraram maneiras de empregar suas bases aéreas fora do Afeganistão para ofensivas contra acampamentos da Al Qaeda, ou de operar no país por outras maneiras, caso seja necessário", escreve o analista na Foreign Affairs.
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Relações diferentes com EI e Al Qaeda
Ainda assim, permanecem estreitos os laços entre o Talibã e a Al Qaeda, na visão de Edmund Fitton-Brown, chefe da missão das Nações Unidas para monitorar os dois grupos islamistas e também o EI: "Partimos do princípio de que a liderança da Al Qaeda continua sob a proteção do Talibã", comentou à emissora NBC em outubro de 2020.
De acordo com um relatório publicado em maio de 2020 pelo Conselho de Segurança da ONU, contudo, o EI sofreu reveses significativos no Afeganistão, nos quais o Talibã desempenhou papel central.
Fundamentalmente, grupos jihadistas como o EI e a Al Qaeda perseguem metas diversas do Talibã: enquanto este é quase inteiramente concentrado em expandir seu domínio em território afegão, os outros dois operam em nível internacional, fronteiras não lhes interessam.
Christian Wagner frisa que metas assim divergentes afetam as relações entre o Talibã e o EI, com este acusando os afegãos de se concentrarem exclusivamente em seu país, colocando-o acima do islã e da meta de proliferar o islamismo.
A Al Qaeda também persegue essa meta, mas de um modo diferente do EI, que não gera tensão com o Talibã. Além disso, "ambos os grupos são interligados por sua experiência comum de combate no Afeganistão, em parte é quase impossível separá-los entre si", diz Wagner.
Para o perito do SWP, justamente esse fato poderá tornar difícil para o Talibã definir sua relação com a Al Qaeda, após a tomada de poder no Afeganistão: muito se esclarecerá antes no nível local do que nacional, e "dependerá fortemente das relações pessoais".
A intervenção dos EUA no Afeganistão
Há 20 anos, após o 11 de Setembro, os EUA enviavam seus primeiros soldados ao país. Reveja os principais acontecimentos desde então: da operação Liberdade Duradoura à retomada do país pelos fundamentalistas do Talibã.
Foto: Evan Vucci/AP Photo/picture alliance
Operação Liberdade Duradoura
Em outubro de 2001, menos de um mês após aos ataques de 11 de Setembro, o presidente George W. Bush lança no Afeganistão a operação Liberdade Duradoura, depois que o regime Talibã se recusa a entregar Osama bin Laden. Em semanas, os americanos derrubam o Talibã, que ocupava o poder desde 1996. Cerca de mil soldados são enviados ao país em novembro, aumentando para 10 mil um ano depois.
Foto: picture-alliance/DoD/Newscom/US Army Photo
Talibã se reagrupa
A invasão do Iraque em 2003 se torna a maior preocupação dos EUA e desvia a atenção do Afeganistão. O Talibã e outros grupos islamistas se reagrupam em seus redutos no sul e leste do Afeganistão. Em 2008, Bush concorda em enviar soldados adicionais ao país em meio a pedidos por uma estratégia efetiva contra o Talibã. Em meados de 2008, há 48.500 soldados americanos no país.
Foto: picture alliance/Photoshot
Obama é eleito
Em sua campanha, Barack Obama promete encerrar as guerras no Iraque e no Afeganistão. Mas nos primeiros meses de sua presidência, em 2009, há um aumento no número de soldados no Afeganistão para cerca de 68 mil. Em dezembro, o número cresce ainda mais, para 100 mil, com o objetivo de conter o Talibã e fortalecer instituições afegãs.
Foto: AP
Morte de Bin Laden
Osama bin Laden, líder da Al Qaeda que esteve por trás dos ataques de 11 de Setembro, é morto em maio de 2011 em seu esconderijo, durante uma operação de forças especiais americanas no Paquistão.
Foto: picture-alliance/dpa
Acordo com Afeganistão
O Afeganistão assina em setembro de 2014 um acordo bilateral de segurança com os EUA e texto similar com a Otan: 12.500 soldados estrangeiros, dos quais 9.800 norte-americanos, permaneceriam no país em 2015. Mas a situação de segurança piora. Em meio à ressurgência do Talibã, Obama diminui a velocidade de retirada em 2016, afirmando que 8.400 soldados permaneceriam no Afeganistão.
Foto: Reuters
Bombardeio de hospital em Kunduz
Em outubro de 2015, no auge do combate entre insurgentes islâmicos e o Exército afegão, apoiado por forças da Otan, um ataque aéreo dos EUA atinge um hospital dirigido pela organização Médicos Sem Fronteiras na província de Kunduz. O ataque deixa 42 mortos, inclusive 24 pacientes e 14 membros da ONG.
Foto: Getty Images/AFP
"Mãe de todas as bombas"
Em abril de 2017, forças americanas atingem posições do "Estado Islâmico" (EI) no Afeganistão com a maior bomba não nuclear já usada pelo país em combate, matando 96 jihadistas. Em julho, é morto o novo líder do EI no país.
Foto: Reuters/U.S. Department of Defense
"Estamos diante de um impasse"
Em fevereiro de 2017, um relatório do governo dos EUA mostra que as perdas entre as forças de segurança afegãs subiram 35% em 2016 em relação ao ano anterior. Pouco depois, o general americano à frente das forças da Otan, John Nicholson (esq., ao lado do secretário da Defesa John Mattis), alerta que precisa de mais milhares de soldados: “Acredito que estamos diante de um impasse."
Foto: Reuters/J. Ernst
Trump anuncia nova estratégia
Em 21 de agosto de 2017, o presidente Donald Trump anuncia nova estratégia para o Afeganistão, fazendo da caça a terroristas a principal prioridade. Trump não especifica um aumento do número de soldados como esperado, mas diz que os objetivos incluem "obliterar" o Estado Islâmico, "esmagar" a Al Qaeda e impedir o Talibã de dominar o Afeganistão.
Foto: picture-alliance/Pool via CNP/MediaPunch/M. Wilson
EUA negociam com rebeldes
Em julho de 2018, sob o governo do presidente Donald Trump, os EUA entram em negociação com o Talibã, sem envolver o governo afegão eleito ou os parceiros da Otan.
Foto: picture-alliance/dpa/AP Photo/Qatar Ministry of Foreign Affairs
Trump cancela encontro com Talibã
Em setembro de 2019, o presidente Trump cancela na última hora uma reunião marcada em sigilo com líderes do Talibã e do Afeganistão, após o grupo islamista assumir a autoria de um ataque em Cabul que matou um soldado americano e outras 11 pessoas.
Foto: Getty Images/M. Wilson
EUA e Talibã assinam acordo de paz
Em fevereiro de 2020, sob o regime Trump, os governos dos EUA e do Afeganistão anunciam a retirada completa das tropas americanas e de outros países da Otan. O pacto assinado pelo negociador especial dos EUA para a paz, Zalmay Khalilzad, e pelo líder político talibã mulá Abdul Ghani Baradar, prevê que o número de militares estrangeiros seria reduzido gradualmente, ao longo de 14 meses.
Foto: AFP/G. Cacace
Biden anuncia retirada total das tropas
Em 14 de abril de 2021, o presidente Joe Biden comunica à população americana que a guerra mais longa do país terá fim, com as tropas dos EUA e da Otan se retirando inteiramente do Afeganistão até 11 de setembro, 20º aniversário dos ataques terroristas em Nova York.
Foto: Andrew Harnik/AFP/Getty Images
EUA e Otan iniciam retirada
EUA e Otan iniciam formalmente, em 1º de maio de 2021, a retirada de todas as suas tropas do Afeganistão. A previsão era retirar até 11 de setembro entre 2.500 e 3.500 soldados americanos e cerca de outros 7 mil soldados da Otan. Estima-se que os EUA tenham gasto mais de 2 trilhões de dólares no país, em 20 anos, de acordo com o projeto Costs of War da Universidade Brown.
Foto: Michael Kappeler/dpa/picture alliance
Americanos entregam base ao governo afegão
Em 2 de julho de 2021, tropas dos EUA partem da base aérea de Bagram, ponto focal da guerra, e entregam o local ao governo afegão. Permanecem no país asiático alguns poucos soldados, numa pequena base na capital Cabul.
Foto: Rahmat Gul/AP/picture alliance
Talibã toma capitais regionais
Aproveitando o vácuo deixado pela retirada das tropas de paz internacionais do Afeganistão, guerrilheiros do Talibã tomam, no inicio de agosto de 2021, capitais regionais como Sheberghan, Kunduz e Zaranj, num duro golpe para o governo afegão, que lutava para defender as cidades mais importantes da ofensiva do grupo extremista.
Foto: Abdullah Sahil/AP Photo/picture alliance
EUA retiram seus cidadãos do Afeganistão
Em meados de agosto, Estados Unidos e outros países começam a retirar seus cidadãos do Afeganistão, enquanto forças militares americanas se esforçam para proteger e manter funcionando o aeroporto de Cabul. Com todos os voos comerciais cancelados, milhares de afegãos invadem a pista do aeroporto desesperados, tentando embarcar em qualquer aeronave que fosse decolar.
Foto: Wakil Kohsar/AFP
Talibã ocupa palácio presidencial
O Talibã toma a capital Cabul, em 15 de agosto de 2021, dissolvendo o governo e estendendo seu controle sobre todo o Afeganistão. A capital era um dos últimos redutos ainda sob a autoridade do presidente Ashraf Ghani. Assim como ocorreu com dezenas de outras cidades, ele é tomada sem resistência efetiva das tropas governamentais. Ghani foge do país.
Foto: Zabi Karim/AP/picture alliance
Biden defende retirada das tropas
Um dia depois da tomada de Cabul, o presidente dos EUA, Joe Biden, defende a decisão de pôr fim à presença americana no Afeganistão e condena líderes e políticos afegãos que abandonaram o país, abrindo caminho para a tomada de poder pelo Talibã. Biden culpa ainda o ex-presidente Donald Trump, por ter fortalecido o grupo rebeldes e deixado os talibãs em sua melhor situação militar desde 2001.