Agência da ONU alerta contra aumento de lixo eletrônico
Nicolas Martin (md)14 de maio de 2015
Aparelhos velhos exportados ilegalmente de países industrializados contaminam meio ambiente e intoxicam populações de nações em desenvolvimento. Montanha global de dejetos ganha 42 milhões de toneladas a cada ano.
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Televisores fumegantes, geladeiras, rios contaminados fazem parte do cotidiano das pessoas em Agbogbloshie. O bairro da metrópole Accra, em Gana, se tornou símbolo do impacto do consumo global de eletrônicos.
Os trabalhadores, a maioria jovem, usam pneus de borracha e placas de espuma de geladeiras velhas como material combustível para derreter cobre e outros metais encontrados nos aparelhos. "Podemos dizer que a expectativa de vida dessas pessoas diminui significativamente", diz Matthias Buchert, do Instituto de Ecologia Aplicada de Darmstadt, Alemanha.
Devido aos gases tóxicos liberados pela queima dos aparelhos, o Instituto Blacksmith, dos Estados Unidos, incluiu Agbogbloshie, de 40 mil habitantes, na lista dos 10 lugares mais poluídos do mundo. Segundo as autoridades ganenses de proteção ambiental, 250 mil moradores das cercanias são afetados pela poluição.
Tsunami do lixo
Um estudo do Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas (Pnuma) comprovou situações similares em outras cidades da África e da Ásia. "Estamos diante de um tsunami de lixo eletrônico sem precedentes", compara o diretor do Pnuma, Achim Steiner, durante o lançamento do relatório Waste crimes, waste risks (Crimes de lixo, riscos do lixo).
Na África, os países mais afetados são Gana, Nigéria, Costa do Marfim e República Democrática do Congo. Na Ásia, a China, Índia, Paquistão e Bangladesh são os maiores destinos de aparelhos descartados ilegalmente.
A ONU estima que a montanha de lixo eletrônico global cresce quase 42 milhões de toneladas anualmente. Como é crescente demanda por eletrônicos, a organização teme que até 2017 esse número aumente em outros 10 milhões de toneladas.
Bênção e maldição
Agbogbloshie é estação final de dispositivos eletrônicos. Antes que de acabar lá, eles passam por vários intermediários, que ganham um bom dinheiro. O Pnuma avalia em cerca de 17 bilhões de euros o faturamento obtido com transferência e exploração de lixo eletrônico em todo o mundo.
"Não devemos esquecer que estes dispositivos são uma importante fonte de renda para muitas centenas de milhares de pessoas", ressalta Matthias Buchert. Há muitos anos ele estuda a cadeia de abastecimento de sucata eletrônica. "Temos nesse negócio pessoas muito experientes e qualificadas, que pegam televisões, celulares e computadores para consertar e reutilizar."
Para muitos, os dispositivos recondicionados são os únicos que têm meios para adquirir. O problema surge quando os aparelhos não são mais reparáveis. "Faltam, então, estruturas básicas para eliminação e reciclagem dos dejetos", lembra Buchert. A consequência são pilhas de lixo fumegantes, como as de Agbogbloshie, em Gana.
Muito lixo da Alemanha
A Alemanha é um dos maiores produtores de sucata eletrônica. Cada alemão produz uma média de 21,6 quilos de dejetos eletrônicos por ano – em Gana, essa quantidade é de apenas 1,4 quilo. Embora a exportação de dispositivos eletrônicos defeituosos seja proibida, cada vez mais navios carregados com lixo eletrônico deixam os portos alemães. O Pnuma calcula que "até 90% do lixo eletrônico global seja eliminado e negociado ilegalmente".
Por isso, a entidade pede que os governos imponham proibições a esse tipo de exportação. "Isso não é uma tarefa fácil e requer pessoal suficiente e bem treinado", comenta Buchert. Há alguns anos, ele estudou o embarque de dispositivos defeituosos no porto de Hamburgo.
"Carros e caminhões velhos são abarrotados de dispositivos eletrônicos. Mas também são carregados contêineres inteiros", diz, acrescentando ser muito difícil descobrir o que é lixo e o que ainda está funcionando.
Soluções alternativas
O ministro alemão do Desenvolvimento, Gerd Müller, admitiu, durante uma visita a Agbogbloshie, que a Alemanha tem uma parcela de responsabilidade pelas consequências ambientais e de saúde: "A maioria dos aparelhos eletrônicos descartados na Europa, também da Alemanha, vem parar aqui, legal e ilegalmente."
Em março, o governo da Alemanha formulou um projeto de lei que inverte o ônus da prova. Exportadores de eletrônicos têm que provar que os produtos são realmente úteis. "Uma simples declaração de que o aparelho funciona não é mais suficiente", informa Buchert. A lei ainda precisa ser aprovada por ambas as câmaras do parlamento alemão.
As autoridades também consideram outras soluções para reduzir o lixo eletrônico. Uma delas prevê que no ato da compra se pague um depósito sobre o aparelho, a ser devolvido quando o consumidor se desfizer dele num estabelecimento autorizado. O sistema seria semelhante ao já adotado para garrafas e latas, por exemplo.
Os dez lugares mais poluídos do mundo
Segundo o relatório "Meio Ambiente Tóxico" publicado pela fundação suíça Green Cross, 200 milhões de pessoas em todo o mundo são confrontadas com a poluição ambiental. O relatório analisou onde é mais difícil viver.
Foto: Blacksmith Institute
Ameaça à vida
Cerca de 200 milhões de pessoas no mundo são diretamente confrontadas com a poluição do meio ambiente. Solo contaminado por metais pesados, lixo químico espalhado no ar, resíduos eletrônicos tóxicos nos rios. Estes são apenas exemplos citados pelo relatório da Fundação Green Cross.
Foto: picture alliance/JOKER
Depósito de lixo de Agbogbloshie, em Gana
Pilhas de discos de satélites e televisores quebrados compõem o cenário no segundo maior depósito de lixo da África Ocidental, que fica em Agbogbloshie, na cidade ganense de Acra. O relatório classificou o local como um dos mais poluídos do planeta. A queima de fios metálicos envoltos em plástico, a fim de recuperar o cobre, torna o lixo ainda mais perigoso, além de liberar chumbo na área.
Foto: Blacksmith Institute
Rio Citarum, na Indonésia
As águas do rio Citarum, na Indonésia, são mil vezes mais poluídas que água potável e contêm grandes quantidades de alumínio e ferro. Cerca de 2 mil fábricas usam o rio como fonte de água e despejam seus resíduos industriais nele. O Citarum ainda abastece milhões de pessoas nas regiões por onde passa.
Foto: Adek Berry/AFP/Getty Images
Centro industrial de Dzerzhinsk, na Rússia
Dzerzhinsk é um dos centros industriais químicos mais importantes do mundo. Entre 1930 e 1998, cerca de 300 mil toneladas de lixo químico não foram devidamente depositadas na área. Essas substâncias acabaram poluindo tanto o lençol freático quanto o ar. A expectativa de vida é de 47 anos entre as mulheres, enquanto entre os homens é de 42 anos.
Foto: Blacksmith Institute
Usina nuclear de Chernobil, na Ucrânia
Até hoje Chernobil é lembrada como o local do maior acidente nuclear da história. No dia 25 de abril de 1986, um incêndio e o derretimento nuclear produziram uma nuvem de radioatividade. Ninguém mais mora a menos de 30 quilômetros de distância da região do acidente. O solo na área da antiga usina ainda é contaminado e coloca em risco a produção de alimentos. Muitos moradores ficaram com leucemia.
Foto: Blacksmith Institute
Curtumes de Hazaribagh, em Bangladesh
Hazaribagh tem mais curtumes do que qualquer outro lugar de Bangladesh. A maioria dessas fábricas usa métodos antigos e ineficazes e acaba despejando cerca de 22 mil litros de resíduos tóxicos por dia no rio Buriganga, principal fonte de abastecimento de água de Dhaka. Muitos moradores sofrem de doenças de pele e das vias áreas causadas pelo material cancerígeno.
Foto: Blacksmith Institute
Minas de chumbo em Kabwe, na Zâmbia
Em Kabwe, a segunda maior cidade da Zâmbia, muitas crianças sofrem com elevados índices de chumbo no sangue. Durante um século, minas de chumbo liberaram metais pesados por meio de partículas de poeira que caíam no chão tanto na cidade quanto nos arredores.
Foto: Blacksmith Institute
Minas de ouro em Kalimantan, na Indonésia
Kalimantan pertence à parte indonésia da ilha do Bornéu e é particularmente conhecida por suas minas de ouro. Para obter o metal precioso, muitos mineiros usam mercúrio, liberando mais de mil toneladas de material tóxico no meio ambiente todo ano, poluindo os lençóis freáticos.
Cerca de 5 mil fábricas despejam esgoto nas águas do rio Matanza-Riachulo, na Argentina. Segundo o relatório da fundação Green Cross, produtores químicos são culpados por mais de um terço da poluição deste rio, que contém grandes quantidades de zinco, chumbo, cobre, níquel, além de outros metais pesados. A população da região sofre de problemas intestinais e nas vias aéreas.
Foto: Yanina Budkin/World Bank
Delta do rio Níger, na Nigéria
O Delta do rio Níger é uma área de alta densidade populacional, concentrando 8% de toda a população da Nigéria. O local sofre com poluição por petróleo e hidrocarbonetos, que contaminam o solo e os lençóis freáticos. Em média, o equivalente a 240 mil barris de petróleo atingem o delta por ano por conta de acidentes ambientais ou roubo da matéria-prima.
Foto: Terry Whalebone
Cidade industrial de Norilsk, na Rússia
Aproximadamente 500 toneladas de óxidos de cobre e de níquel, além de 2 milhões de toneladas de óxido de enxofre, são liberados na cidade industrial russa de Norilsk por ano. A poluição do ar é tão grande que a expectativa de vida dos trabalhadores das indústrias da cidade é dez vezes menor do que a média registrada na Rússia.