Advogado-geral da União diz que anulação da votação do impeachment na Câmara não é manobra, mas cumprimento de dever, e afirma que enviará petição a Renan Calheiros caso o Senado dê continuidade ao processo.
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O advogado-geral da União, José Eduardo Cardozo, afirmou nesta segunda-feira (09/05) que o Senado estará cometendo uma "gravíssima violação" da Constituição Federal se seguir analisando o processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Em pronunciamento à imprensa, Cardozo comentou a decisão do presidente interino da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão, de acatar seu pedido e anular as sessões do dias 15, 16 e 17 de abril, quando os deputados federais acolheram o processo de impedimento. O advogado nega que a decisão de Maranhão seja uma manobra, afirmando que foi o cumprimento de um dever.
Mais cedo, Maranhão havia determinado a realização de uma nova votação na Câmara e solicitado ao presidente do Senado, Renan Calheiros, a devolução dos autos do processo. A votação da denúncia pelos senadores está prevista para esta quarta-feira e, se aprovada, Dilma é afastada por 180 dias.
"Parece-me insustentável a tese de que o Senado possa prosseguir sem que se reveja a decisão da Câmara. A votação estaria em desconformidade com a Constituição Federal e seria uma gravíssima violação do direito de defesa da presidente", afirmou Cardozo, acrescentando que enviará uma petição ao presidente do Senado caso os autos não sejam devolvidos à Câmara.
Renan anunciou que vai ignorar a decisão de Maranhão, mantendo o seguimento do processo no Senado. "Aceitar essa brincadeira com a democracia seria ficar pessoalmente comprometido com o atraso do processo. Ao fim e ao cabo, não cabe ao presidente do Senado dizer se o processo é justo ou injusto", disse.
Conversas com Maranhão
Cardozo explicou que a petição pedindo a anulação da votação na Câmara foi apresentada pela Advocacia-Geral da União (AGU) logo após a aprovação do impeachment pelos deputados, em 17 de abril. No entanto, o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, declarou que só responderia ao pedido da defesa depois que o processo fosse analisado pelo Senado, afirmou Cardozo.
"Se a casa não quer analisar um processo, basta indeferir. Mas nada foi feito. A decisão ficou pendente", disse o advogado. "Talvez Cunha temesse uma judicialização em cima de sua decisão. É uma possibilidade."
O passo a passo do impeachment
03:07
Quando Maranhão assumiu a presidência da Câmara, na semana passada, após o afastamento de Cunha, Cardozo disse ter encontrado uma oportunidade de sua petição ser finalmente analisada. "Procurei Maranhão na última sexta-feira para questioná-lo sobre o recurso e a ausência de resposta do ofício", relatou o advogado-geral da União.
"Eu disse que, sem uma resposta da Câmara, poderia encaminhar o caso para a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Ele prometeu se debruçar sobre o assunto e estudá-lo", acrescentou Cardozo. No domingo, ele voltou a se encontrar com Maranhão, dessa vez com a presença do governador maranhense, Flávio Dino, um aliado de Dilma.
"O governador é muito amigo de Maranhão. Ele é jurista, ex-juiz federal e professor de direito, e foi consultado pelo deputado sobre as questões jurídicas da minha petição. Dino é uma pessoa substantiva do ponto de vista jurídico, e afirmou textualmente que meus argumentos eram fortes", revelou Cardozo, negando que tenha feito pressão sobre Maranhão.
Os pontos do pedido
Maranhão acolheu quase todos os argumentos da AGU – com exceção de um – de que ocorreram vícios no processo de votação no dia 17 de abril. Ele considerou que os partidos políticos não poderiam ter fechado questão ou orientado as bancadas a votarem de um jeito ou de outro sobre o processo de impeachment.
"Mesmo que Cunha tenha dito que não seria permitido o encaminhamento partidário, isso acabou acontecendo. É importante que os deputados que irão julgar o façam de acordo com seus entendimentos dos fatos e suas convicções pessoais. Afinal, eles são julgadores. Não são juízes, mas é fato que também não são parlamentares no exercício de suas funções típicas", disse Cardozo.
Maranhão ainda considerou que os deputados não poderiam ter anunciado publicamente seus votos antes da votação em declarações dadas à imprensa e também que a defesa de Dilma tinha o direito de falar por último no momento da decisão em plenário.
O único ponto da AGU não acolhido pelo presidente dizia respeito às justificativas dos votos dadas pelos deputados favoráveis ao impeachment, "que pouco tinham a ver com o conteúdo do processo", segundo Cardozo.
Questionado se o governo entrou com tal petição por "esperanças" de uma vitória na Câmara com nova votação, Cardozo rebateu que o objetivo da AGU é conquistar o respeito à Constituição. "Não discuto chances de o processo ser arquivado ou não. Quero apenas que os direitos sejam respeitados", concluiu.
EK/abr/rtr/ots
A cronologia do processo de impeachment
Em dezembro de 2015, Eduardo Cunha dava início ao processo de impeachment da então presidente da República. De "carta-desabafo" à cassação de Dilma Rousseff, relembre os episódios que marcaram o julgamento.
Foto: Reuters/J. Marcelino
O aval
Em 2 de dezembro de 2015, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, autorizou a abertura do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. A decisão foi tomada no mesmo dia em que a bancada do PT anunciou que votaria pela continuidade do processo de cassação de Cunha no Conselho de Ética, acirrando uma crise política já inflamada no Brasil.
Foto: Getty Images/AFP/Evaristo Sa
Motivo: "pedaladas fiscais"
No mesmo dia, em pronunciamento público, Dilma disse ter recebido "com indignação" a notícia. O pedido de impeachment – apresentado em outubro pelos juristas Hélio Bicudo, Miguel Reale Júnior e Janaína Paschoal – acusa a presidente de cometer crime de responsabilidade fiscal, com base na reprovação das contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União, incluindo as chamadas "pedaladas fiscais".
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O dia seguinte
Dilma foi notificada oficialmente da abertura do processo em 03/12, logo após Cunha (foto) ler a decisão em plenário. O presidente determinou ainda a criação de uma comissão especial na Câmara dos Deputados para analisar o pedido de impeachment. Na mesma data, o Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou duas ações – uma do PT e outra do PCdoB – que tentavam barrar o processo de afastamento de Dilma.
Foto: Gustavo Lima/Câmara dos Deputados
A carta de Temer
Em 07/12, o vice-presidente Michel Temer enviou uma "carta-desabafo" a Dilma, em que expressa mágoas por ter sido, desde o primeiro mandato, um mero "vice decorativo". Ele diz ainda ter "ciência da absoluta desconfiança" da presidente. Especialistas interpretaram o texto como um rompimento de Temer com Dilma – lembrando que é ele quem assume a presidência caso ela sofra o impeachment.
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Próximo passo: a comissão
O trâmite do processo exige a formação de uma comissão especial, com 65 deputados titulares e igual número de suplentes, indicados por líderes partidários, em quantidade proporcional ao tamanho de cada bancada – é obrigatória a participação de todas as legendas da Casa. Essa comissão dará um parecer pela abertura ou não do processo, que depois irá a plenário.
Foto: Luis Macedo /ABr
Tumulto na Casa
Em 08/12, a Câmara dos Deputados se reuniu pela primeira vez para definir a comissão especial, em votação secreta marcada por tumulto e quebra-quebra. Concorriam duas chapas: uma formada por deputados simpáticos ao governo, e outra oposicionista, favorável à saída da presidente. Venceu a chapa da oposição, com 39 membros, e uma votação suplementar seria realizada para escolher os nomes restantes.
Foto: Antonio Augusto /ABr
Processo suspenso
Essa votação, porém, nunca foi realizada. Ainda na noite de 08/12, o STF suspendeu a tramitação do processo, impedindo temporariamente a instalação da comissão especial. O plenário da Corte decidiu julgar um pedido liminar do PCdoB sobre a constitucionalidade da lei que regulamenta as normas de julgamento de impeachment. O partido criticou, por exemplo, o voto secreto na escolha da comissão.
Foto: EVARISTO SA/AFP/Getty Images
Novo rito de impeachment
Quase dez dias depois, em 17/12, o plenário do STF determinou algumas mudanças no rito de impeachment, que em sua maioria favoreceram a presidente. Os ministros decidiram conceder maior poder ao Senado na análise do afastamento; determinaram que não cabe voto secreto, nem formação de uma chapa alternativa para compor a comissão; mas negaram o pedido do PCdoB de afastar Cunha do processo.
Foto: Roberto Stuckert Filho
Recesso parlamentar
Para angústia do governo – que chegou a sugerir o cancelamento da pausa parlamentar de janeiro –, a análise do processo de impeachment entrou em hiato no fim de dezembro e assim permaneceu até 2 de fevereiro, quando os parlamentares voltaram do recesso. Segundo Cunha, a expectativa era de votar a comissão especial e concluir o processo na Câmara até março, para seguir para julgamento no Senado.
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STF analisa embargos
O teor do acórdão em que o STF considera inconstitucionais alguns aspectos do processo de eleição da comissão especial da Câmara foi publicado em 08/03. No mesmo dia, a Câmara reapresentou os questionamentos e pediu a revisão do rito de impeachment pelos ministros do Supremo. Em votação realizada em 16/03, porém, a Corte rejeitou os recursos de Cunha e decidiu manter o rito definido em dezembro.
Foto: Agência Brasil/J. Cruz
Comissão está formada
A comissão especial, responsável por analisar o pedido de impeachment na Câmara, foi finalmente formada em 17/03, com deputados indicados pelos próprios líderes partidários. O relator da comissão é Jovair Arantes, líder do PTB na Casa e um dos principais aliados de Eduardo Cunha; e o presidente é Rogério Rosso, líder do PSD na Câmara.
Foto: G.Lima/Câmara dos Deputados
Trabalhos da comissão
Em 30/3, os membros da comissão ouviram dois autores do pedido de impeachment: os juristas Miguel Reale Jr. e Janaína Paschoal. No dia seguinte, o ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, foi ouvido como testemunha de defesa. No dia 4/4, o ministro José Eduardo Cardozo, da Advocacia-Geral da União, entregou a defesa escrita da presidente e fez a sustentação oral.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Comissão instaura processo
Parlamentares da comissão especial do impeachment votaram no dia 11/04 pela abertura do processo de impedimento da presidente Dilma Rousseff, em sessão marcada por troca de insultos. O placar sobre o parecer do relator Jovair Arantes (PTB-GO) foi de 38 votos a favor e 27 contra.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
A votação na Câmara
Com o parecer admitido pela comissão especial, o processo seguiu para votação no plenário da Câmara dos Deputados. No dia 17/04, em sessão tumultuada e acalorada, os parlamentares decidiram pela continuidade do processo de impeachment, com 367 votos a favor e 137 contra – eram necessários 342 votos favoráveis para a aprovação. A questão segue agora para análise no Senado.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Comissão especial de senadores
Dois dias após a apresentação do parecer do relator Antonio Anastasia (PSDB-MG, foto), favorável ao afastamento de Dilma, a comissão especial do Senado aprovou, em 06/05, a continuidade do processo de impeachment. Dos 21 senadores, 15 votaram pela aprovação, e apenas cinco votaram contra – três do PT, um do PCdoB e outro do PDT. O presidente da comissão, Raimundo Lira (PMDB-PB), não votou.
Foto: Agência Brasil/F. Rodrigues Pozzebom
Anulação da votação
Em 09/05, o presidente interino da Câmara, deputado Waldir Maranhão (PP-MA) – que assumiu o comando da Casa após o afastamento de Eduardo Cunha –, anulou a votação do processo de impeachment realizada na Câmara semanas antes. Horas depois, no mesmo dia, Maranhão voltou atrás na decisão, provocando euforia entre os parlamentares governistas. Votação no Senado aconteceria em apenas dois dias.
Foto: Imago/Zumapress
Senado aprova afastamento da presidente
Em 12/05, após uma sessão de mais de 20 horas, o Senado aprovou por clara maioria a continuidade do processo de impeachment de Dilma. Foram 55 votos a favor do impedimento e 22 contrários. Após o aval dos senadores, a presidente fica afastada por 180 dias, enquanto é julgada, e o vice Michel Temer assume a presidência interinamente.
Foto: Getty Images/M.Tama
Relator defende julgamento final
Em seu relatório final sobre o processo de impeachment, apresentado em 02/08, o relator e senador Antonio Anastasia (PSDB-MG) defendeu que Dilma vá a julgamento final pelo crime de responsabilidade fiscal. Anastasia argumentou que a presidente afastada abriu créditos suplementares sem autorização do Congresso Nacional e praticou as chamadas pedaladas fiscais.
Foto: Reuters/U.Marcelino
Comissão aprova relatório
Em 04/08, a Comissão Especial do Impeachment no Senado aprovou o relatório do senador Anastasia, favorável ao prosseguimento do processo de impeachment contra Dilma. Dos 21 senadores que compõem a comissão, 15 votaram a favor da continuação do processo, e cinco, contra. Com isso, a comissão encerrou os trabalhos. O relatório seguiu para votação por todos os 81 senadores.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Senado decide levar Dilma a julgamento
Em 10/08, os senadores decidiram, por 59 votos contra 21, levar Dilma a julgamento. A maioria dos senadores seguiu o parecer do relator Anastasia, cujo relatório havia sido aprovado pela comissão especial do impeachment. O resultado indica que Dilma terá dificuldade para reverter seu afastamento definitivo na votação final. Para a condenação são necessários 54 votos.
Foto: Reuters/A. Machado
Iniciada fase final do processo
O Senado deu início à fase final do processo de impeachment no dia 25/08, quase nove meses após sua abertura. O primeiro dia de audiência teve mais de 15 horas de duração e foi marcado por bate-boca entre petistas e senadores favoráveis à saída definitiva de Dilma. O julgamento, que começou com os depoimentos de testemunhas, é comandado pelo presidente do STF, Ricardo Lewandowski.
Foto: Reuters/U. Marcelino
Discurso de defesa de Dilma
Em 29 de agosto, a presidente afastada Dilma Rousseff apresentou sua defesa da acusação de crime de responsabilidade no Senado. Em sua fala, a petista garantiu que sempre seguiu a Constituição, lembrou os tempos da ditadura militar, usou repetidas vezes o termo golpe e reiterou sua luta pela democracia. "Jamais haverá justiça na minha condenação", afirmou.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Dilma é cassada pelo Senado
Na votação final do processo de impeachment, o Senado decidiu, em 31/08, afastar em definitivo Dilma da Presidência da República. Foram 61 votos favoráveis ao impeachment e 20 contrários – eram necessários 54 para a cassação. Todos os 81 senadores participaram da sessão. Em segunda votação, porém, os parlamentares decidiram por manter o direito de Dilma de exercer cargos públicos.