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Albert Speer e o fim do mito do "bom nazista"

Jochen Kürten av
19 de março de 2020

Filme "Speer goes to Hollywood" narra como ministro e arquiteto de Hitler distorceu fatos, eximindo-se da culpa pelo Holocausto e se tornando rico autor de best-sellers. Ele dizia que apenas cumpriu seu dever no regime.

Ministro nazista Albert Speer diante do Tribunal de Nurembergue
Ministro nazista de Armamentos e Produção de Guerra, Albert Speer, impávido diante do Tribunal de NurembergueFoto: Realworks/Yes Docu, ORF, Makor Foundation For Israeli Films

"Encontrei um homem que encarnava o mal, e para quem a vida humana não tinha qualquer valor interior": é o veredicto da diretora israelense Vanessa Lapa sobre Albert Speer, protagonista de seu novo filme, Speer goes to Hollywood, que teve estreia em 2020 na 70ª Berlinale. Mas acrescenta que ele trata também "do meu despertar pessoal – assim como das tentativas de Speer de embalar o mundo no esquecimento".

Speer continua despertando enorme interesse, tanto na Alemanha quanto no resto do mundo. Nascido em Mannheim em 1905, ele pertencia ao círculo de liderança da Adolf Hitler, como ministro de Armamentos e Produção de Guerra. Arquiteto formado, além de planejar uma nova Berlim, ele realizou edificações monumentais para os nacional-socialistas.

Após a Segunda Guerra Mundial, escapou por pouco da pena de morte, sendo condenado a 20 anos de prisão nos Processos de Nurembergue. Libertado em 1966, ele publicou diversos livros apresentando "sua" visão dos fatos. O resumo é que ele nada sabia dos genocídios dos nazistas, e durante o regime só cumpriu seu "dever".

Diretora Vanessa Lapa (c.) entre o produtor Tomer Eliav e a corroteirista Joëlle Alexis, durante Festival Internacional de Cinema de BerlimFoto: picture-alliance/dpa/C. Soeder

Seus livros, em especial Erinnerungen (Memórias) lançado em 1969, assim como, seis anos mais tarde, Spandauer Tagebücher (Diários de Spandau), se tornaram best-sellers, com que ele faturou muito.

Como podia ser? Um nazista de alto escalão e braço direito de Hitler pretendendo não saber de nada? Um criminoso condenado pelos Aliados era agora um autor rico? Como pôde dar certo essa sua tentativa de se lavar da culpa?

Por muito tempo, Vanessa Lapa formou uma imagem errada de Speer, mas nisso não esteve sozinha. Tampouco ela é a primeira pessoa que se ocupa do "fenômeno Speer": um ano antes da morte do nazista, em 1981, o historiador Matthias Schmidt lançou o livro Albert Speer. Das Ende eines Mythos – Speers wahre Rolle im Dritten Reich (O fim de um mito – O verdadeiro papel de Speer no Terceiro Reich).

Seguiram-se outros, sendo o mais recente Albert Speer. Eine deutsche Karriere (Uma carreira alemã), em 2017, de Magnus Brechtken. Essas publicações demonstram como o arquiteto minimizou e falsificou sua participação no nacional-socialismo. E como muitos intelectuais alemães sucumbiram a seu poder sedutor.

Speer saúda HitlerFoto: Realworks/Yes Docu, ORF, Makor Foundation For Israeli Films

Não há dúvida de que ele tenha sido responsável pelo genocídio e a morte de tantos nos campos de extermínio. Enquanto ministro responsável, entre outros setores, pela indústria armamentista, é acusado sobretudo de ter aperfeiçoado o sistema de trabalhos forçados, causando a morte de muitos milhões de trabalhadores.

Contudo, mesmo após a morte de Speer manteve-se a lenda do "inocente" Albert Speer. Até mesmo grandes produções cinematográficas como A queda, de 2004, indicada para o Oscar, cuidaram para que a "lenda Speer" perdurasse. Os dados meticulosamente compilados dos historiógrafos praticamente não tiveram ressonância junto ao grande público.

Só lentamente – e, por sua vez, graças a um filme como Speer und Er (Speer e ele, 2005), de Heinrich Breloer – o mito do "bom nazista" implodiu. Speer goes to Hollywood deixa isso claro agora, ao contribuir com mais uma faceta da história da recepção.

Por dentro do Terceiro Reich

Em 1971, o estúdio cinematográfico americano Paramount planejava filmar as Memórias de Speer. Era grande a tentação de levar às telas o tema nacional-socialismo em combinação com um sobrevivente que pertencera à alta liderança do regime de extrema direita.

Na época com 26 anos, Andrew Birkin (irmão da atriz Jane Birkin, mais tarde bem-sucedido roteirista de O nome da rosa e O perfume, entre outros) encontrou-se com Speer para conversar sobre o roteiro de uma versão cinematográfica do best-seller.

Para seu filme, Vanessa Lapa examinou 40 horas dessa conversa entre Birkin e o líder nazista, nunca publicadas, e as ilustrou com imagens. Ela mostra Speer nos anos após ser libertado, também muito material do Julgamento de Nurembergue, imagens dos campos de concentração e cenas das fábricas de armamentos nazistas. O núcleo da obra, porém, é o longo diálogo, em parte lido por atores.

Aqui fica nítido como Speer conseguia seduzir, "ninar" seus interlocutores: "Ele fala livremente e sem inibições, e 'corrige' o passado enquanto fala", explica a cineasta. "A aura que irradia é de um homem elegante, lembrando antes um nobre rural do que de um genocida de milhões."

Descrevendo o carisma em parte responsável pela criação da lenda, ela afirma que "o segredo está em sua eloquência tranquila, seu intelecto aguçado e sua capacidade inata de encantar e manipular os indivíduos a seu redor, sejam juízes de Nurembergue ou jornalistas, editores e cineastas". "Isso o ajudou a reescrever o passado e sua própria participação nele."

Arquiteto do Holocausto deixa o cárcere em 1966, após 20 anosFoto: Realworks/Yes Docu, ORF, Makor Foundation For Israeli Films

O projeto da Paramount acabou por fracassar. E o estúdio desistiu de uma hora para outra, considerando grande demais o risco de um filme baseado nas "memórias" de um nazista. Entre os que perceberam a tática de Speer, esteve o cineasta britânico Carol Reed (O terceiro homem), que na época se correspondia com Birkin.

Uma década mais tarde, aliás, as memórias de Albert Speer acabaram sendo filmadas para a TV, pela emissora americana ABC, sob o título em inglês do livro, Inside the Third Reich (Por dentro do Terceiro Reich). Estrelada por Rutger Hauer, John Gielgud e Maria Schell, a produção oferece um olhar mais crítico e distanciado da versão da história vendida pelo arquiteto do Holocausto.

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