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HistóriaAlemanha

Alemães foram primeiros a usar gás como arma de guerra

Sarah Judith Hofmann 20 de julho de 2014

Cem anos atrás, o emprego de gases tóxicos já contava como crime de guerra. Ainda assim, numa batalha na Bélgica em abril de 1915, os soldados alemães foram os primeiros a recorrer a essa arma de destruição em massa.

Foto: picture alliance/empics

Na noite de 22 de abril de 1915, alemães e franceses se enfrentavam nas cercanias de Ypres, no noroeste belga, como adversários na Primeira Guerra Mundial. Há muito a cidade vinha sendo disputada, sem perspectivas de uma vitória alemã.

Mas naquela noite os alemães pretendiam empregar uma nova arma no combate: o gás tóxico que os soldados haviam enterrado por perto, em milhares de recipientes de metal. Quando o vento virou na direção do inimigo, eles abriram as válvulas dos cilindros, dispersando no ar 180 toneladas de cloro líquido. Vinda das trincheiras alemãs, uma nuvem amarelada flutuou em direção à linha de combate adversária.

E aí começou o horror. De rostos vermelhos, cegos e tossindo, os soldados envolvidos pela massa de gás cambaleavam sem saber para onde ir: 3 mil morreram sufocados e outros 7 mil sobreviveram com corrosões graves.

"Naquele momento, a ciência perdia sua inocência", resume o historiador Ernst Peter Fischer. Se até então o objeto das pesquisas científicas fora melhorar as condições de vida da população, "agora, a ciência criava condições para extinguir vidas humanas".

"Em paz, pela humanidade, em guerra, pela pátria"

Ataque com gás tóxico em 1917, na região de FlandresFoto: picture alliance/akg-images

Foi o químico alemão Fritz Haber quem descobriu o uso do gás de cloro como arma estratégica. Como primeiro cientista a colocar seu saber totalmente a serviço das Forças Armadas, ele foi nomeado capitão após o "sucesso" da missão em Ypres.

Haber identificou o cloro como substância altamente tóxica que, em função de sua alta densidade, se concentra próximo ao solo. Ele sabia que o cloro ataca as mucosas, causa dispneia, tosse, forte secreção de líquido e muco, e, por fim, morte. Além de tudo, um veneno barato, pois o cloro é um resíduo da indústria química.

Soldados americanos atingidos por gás tóxico no front ocidentalFoto: picture alliance/Mary Evans Picture Library

"Na paz, pela humanidade, na guerra, pela pátria", era o lema do então diretor do Departamento Químico do Ministério Prussiano da Guerra, cita o historiador Fischer. "Era um outro tempo, aquele. Todos tentavam encontrar um gás tóxico que pudessem empregar na guerra. Só os alemães conseguiram. Eles foram simplesmente melhores – só que nesse caso o melhor é pior que se possa pensar."

O ataque em Ypres era um crime de guerra, mesmo em 1915. Em 1907, a Convenção de Haia proibira o uso de "venenos ou armas tóxicas" – ainda que referindo-se, então, ao envenenamento da água, do solo ou ao lançamento de flechas com veneno, uma vez que gás tóxico nunca fora usado.

Corrida armamentista química

Fritz Haber se tornou um exemplo, e não apenas para os alemães. Os Estados envolvidos no conflito iniciaram uma segunda guerra paralela, a luta pelos melhores cientistas, incumbidos de criar novas armas químicas aptas a ser empregadas o quanto antes.

Historiador Ernst Peter FischerFoto: Ernst Peter Fischer

"No exterior, se olhava com inveja para Haber: todo o mundo gostaria de ter um químico tão corajoso, inteligente e obstinado assim", conta Fischer. Pouco depois, em 1918, Haber foi agraciado com o Prêmio Nobel da Química – embora não pela descoberta do gás tóxico, e sim pela síntese de amoníaco.

Franceses e britânicos também experimentaram com gases de batalha, que passaram a ser usados por todos os partidos em guerra, Entre eles, o fosgênio e o gás de mostarda, frequentemente aplicados em combinação.

Os militares da época chamavam de "tiro colorido" a técnica de combinar diferentes gases tóxicos para levar as vítimas à morte por sufocação. "Gás, gás!" se transformou no temido alarme no front ocidental da Primeira Guerra Mundial. No entanto, por só poder ser aplicado sob condições meteorológicas favoráveis, seu emprego não foi decisivo para o resultado da guerra.

Lucro da indústria

Ainda assim, na Primeira Guerra Mundial iniciou-se uma terrível dinâmica – com a Alemanha como locomotiva. Pois o químico Haber não só criou as condições moleculares para o combate com gás de cloro, como também fez uso de suas conexões na indústria.

O grupo químico alemão BASF produziu durante o conflito o gás tóxico em grandes quantidades. Quando, terminada a guerra, em 1925, foi criado o conglomerado químico IG Farben, Haber ainda integrou seu conselho fiscal.

Cientista Fritz Haber foi obrigado a deixar Alemanha em 1933 por ser judeuFoto: picture alliance / dpa

Foi uma subsidiária dessa "sociedade de interesses" que, durante o regime nazista, fabricaria o Zyklon B, o gás da morte utilizado nas câmaras de Auschwitz e outros campos de extermínio, onde milhões de pessoas foram assassinadas.

Isso, nem mesmo Haber poderia prever. "Ele é uma figura trágica", define o historiador Fischer. Em 1933, ano da ascensão da ditadura nazista na Alemanha, o inventor fugia para a Inglaterra, expulso da pátria a serviço da qual colocara seu saber: pois Fritz Haber era judeu.

Tabu justificado

Mais de 90 mil soldados foram mortos com gases tóxicos nos fronts da Primeira Guerra Mundial. No total, cerca de 1 milhão foram intoxicados: muitos morreriam das sequelas anos depois de a guerra haver terminado.

Depois da Primeira Guerra, a Liga das Nações, à qual a Alemanha também pertencia, impôs a rejeição ao uso de gás tóxico em batalha, no documento que ficou conhecido como Protocolo de Genebra. As pesquisas, contudo, continuaram, geralmente sob o disfarce de estudos para o combate de pragas agrícolas.

Inspetores da ONU denunciaram uso de gás tóxico na Síria, em 2013Foto: Bulent Kilic/AFP/Getty Images

O Zyklon B é um pesticida à base de ácido cianídrico, cloro e nitrogênio. O agente laranja, usado pelos Estados Unidos na Guerra do Vietnã, é um herbicida e desfolhante químico. Empregado para desbastar a densa vegetação do Vietnã, a fim de facilitar o ataque das forças norte-americanas, a substância envenenou o solo e ainda causa enfermidades e deformações nos habitantes das áreas atingidas. Na Síria, centenas morreram em agosto de 2013, num ataque com armas químicas, se cuja autoria governo e rebeldes ainda se acusam mutuamente.

"Com gás tóxico você pode fazer tudo, menos mirar o alvo: você atinge todos que estiverem na área de ação", explica Fischer. O historiador considera justo que o emprego de gases tóxicos permaneça como "linha vermelha", até hoje, já que "este é o ponto em que a guerra se torna ainda mais desumana do que já é".

 

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