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"Alemães não percebem dimensão histórica da guerra"

11 de junho de 2022

Autor Christoph Brumme, que vive na Ucrânia há muitos anos, descreve o cotidiano da guerra de agressão pela Rússia e analisa a posição da Alemanha em relação ao conflito.

Prédio destruído por bombardeio na Ucrânia
Destruição no leste da Ucrânia: prédios residenciais também são alvos do exército russoFoto: Aris Messinis/AFP/Getty Images

Poltava é uma cidade no leste da Ucrânia, a cerca de 350 quilômetros de Kiev, com uma longa história que remonta à cultura de Tripoli (6000 a 1000 a.C.). O autor alemão Christoph Brumme mora lá. Ele conhece muito bem o Leste: nascido na Alemanha Oriental, em sua juventude pedalou várias vezes de Berlim até o Volga, passando pela Polônia e pela Ucrânia. Ao todo, percorreu cerca de 30 mil quilômetros.

Isso resultou no livro Auf einem blauen Elefanten 8353 Kilometer mit dem Fahrrad von Berlin an die Wolga und zurück (Sobre um elefante azul − 8.353 quilômetros de bicicleta de Berlim até o Volga e de volta), de 2009. De Poltava, ele escreve para o jornal suíço Neue Zürcher Zeitung, entre outros. Em seu livro atual, Im Schatten der Krieges Tagebuchaufzeichnungen aus der Ukraine (Na sombra da guerra − Registros diários da Ucrânia), ele descreve de forma sóbria, pessoal, honesta e inequívoca a vida em modo de guerra.

Humor é mais forte que o medo

Na guerra, pode-se pensar, o medo é um companheiro constante. Isso em geral é verdadeiro, mas Brumme mostra o outro lado: o anseio pela liberdade, que é mais forte do que a mais leve sensação de medo, a enorme vontade de ajuda e solidariedade do povo, as esperanças e, sobretudo, o humor dos ucranianos.

"Com Oskar na rua, o sol brilha. Eu canto o refrão de uma canção dos pioneiros: 'Sempre viva o sol / Sempre viva o céu / Sempre viva a mãe / E ainda também eu.' Oskar canta junto em russo. Mas em vez de 'sol' ele canta 'vodka'", escreve Christoph Brumme em seu novo livro e cita algumas piadas em moda após o início da guerra. Assim, sem mais delongas e, claro, com um piscar de olhos, o famoso romance Guerra e paz, de Lev Tolstoi, é rebatizado "Operação militar e paz", já que o uso da palavra "guerra" pode acarretar vários anos de prisão na Rússia.

"O humor é parte da estratégia de sobrevivência, que é uma das características nacionais mais importantes dos ucranianos: rir de si mesmos, fazer piadas sobre seu governo ou sobre a União Europeia", disse Brumme à DW. Segundo ele, é uma expressão de soberania. Na Ucrânia, os cidadãos são livres para criticar todas as autoridades – ao contrário da Rússia, onde prevalece uma cultura completamente sem humor.

Surgiu até uma nova piada ucraniana: "Sabe de uma coisa? Na verdade, agora realmente tenho medo de falar russo na rua! − Por quê? Você tem medo de que os nacionalistas venham e o espanquem? − Não, tenho medo de que Putin venha e me proteja".

Quando não há motivo para rir

Mas há momentos em que o riso dos ucranianos fica preso na garganta − por exemplo, quando veem os debates na Alemanha. "A imagem da Alemanha deteriorou-se muito nos últimos meses de guerra", observa Brumme. Os ucranianos se sentem traídos.

Capa do novo livro de Christoph Brumme

Eles estão esperando para ver se as palavras são finalmente seguidas de ações. Em geral, diz ele, o país é visto com bastante ceticismo. "Em momentos de necessidade, pode-se ver quem está prestando ajuda e quem ainda espera, às escondidas ou abertamente, fazer negócios com a Rússia e sacrificar os ucranianos em caso de necessidade."

Alemães se autoiludem

Quando a guerra eclodiu, o chanceler federal alemão, Olaf Scholz, pediu uma "mudança de paradigma" no Parlamento, mas faltou determinação e a credibilidade sofreu com isso. O chefe de governo  hesitou com a entrega de armas e não se pronunciou a favor de um boicote energético total contra a Rússia.

De acordo com uma pesquisa de opinião realizada pelo instituto Infratest Dimap em abril, apenas uma pequena maioria é a favor do envio de armas pesadas à Ucrânia. "A sociedade alemã está se autoiludindo", diz Brumme. "A crença de que se pode resolver conflitos com Putin e fazer acordos que ele cumprirá, tem caráter paranoico."

Christoph Brumme, autor alemão residente na UcrâniaFoto: privar

Brumme também responsabiliza a mídia, em parte, por essa percepção, e vê com grande ceticismo as reportagens alemãs sobre a Ucrânia. "Em geral, é preciso dizer que a cobertura sobre a Ucrânia foi muito fraca durante anos. As emissoras públicas têm uma obrigação para com o público em geral, mas, em minha opinião, elas não cumprem de forma alguma esta obrigação em relação à Ucrânia."

"O exemplo mais conhecido é a afirmação, repetida 10 mil vezes, de que os separatistas pró-russos vêm lutando no Donbass nos últimos oito anos. Quem está informado sabe que se trata claramente de um projeto russo com liderança e financiamento russos, know-how e tecnologia russos. Assim, durante anos, foi gerada pressão sobre a opinião pública, o que por sua vez leva a decisões políticas que agora são incrivelmente sangrentas para os ucranianos e custam um número inacreditável de vítimas", diz o autor.

Desconhecimento por parte dos alemães

"A 'alma russa' consistia em megalomania, autoaversão e sentimentos de inferioridade em relação ao Ocidente", escreve Brumme em seu livro e fala na entrevista sobre os programas de propaganda na televisão russa.

"Quem vê televisão russa regularmente na Alemanha? Quem entende o que dizem os políticos russos? Se você fizer uma pesquisa com mil pessoas, talvez encontre duas com alguma competência. Na Alemanha, é costume falar sobre coisas das quais nada se sabe. E tudo acaba na premissa da liberdade de expressão".

Esse brutal belicismo russo não foi registrado no Ocidente: "Na Alemanha, a dimensão histórica desta guerra e a relação Ucrânia-Rússia não são percebidas de forma alguma, porque também são completamente desconhecidas."

"Rússia também luta pela sua existência"

O escritor está cético sobre um fim precoce da guerra. A Rússia, diz ele, não aceitou até agora nenhuma responsabilidade legal ou moral pelos assassinatos em massa de ucranianos no século 20. E a propaganda dos últimos oito anos fez o resto.

"A maioria dos russos quer esta guerra, e, quanto mais tempo ela durar, mais fanáticos serão". Uma derrota (temporária) da Rússia só faria crescer ad infinitum o desejo de vingança no país. O fim da guerra só pode vir com o fim do Estado russo em sua forma atual. A Rússia agora também está lutando pela própria existência".

Im Schatten des Krieges − Tagebuchaufzeichnungen aus der Ukraine, de Christoph D. Brumme foi publicado pela editora S. Hirzel Verlag em 9 de junho de 2022.

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