Cidades alemãs foram palco de tradicionais marchas pela paz. Mas natureza da mensagem provocou debates: enquanto alguns pediram protestos contra Putin, outros direcionaram críticas à Otan e ao envio de armas para Kiev.
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A Alemanha foi palco neste Sábado de Aleluia (16/04) das tradicionais "marchas de Páscoa pela paz", que ocorrem desde o final da década de 1950. O principal tema deste ano foi a Guerra na Ucrânia.
Em cerca de 80 cidades, milhares de pessoas saíram às ruas para pedir o fim do conflito, mas também dirigir críticas à Otan, ao envio de armas para Kiev e ao programa de rearmamento anunciado mês passado pelo chanceler federal Olaf Sholz.
Segundo os organizadores, 1.100 pessoas participaram da marcha de Páscoa em Bremen. Em Berlim, de acordo com a polícia, cerca de 1.200 participantes se reuniram. Em Hanôver, a marcha atraiu 500 pessoas. Centenas de manifestantes também se reuniram em Munique, Colônia, Leipzig, Stuttgart e Duisburg.
Nas marchas, faixas exibiam mensagem como "Pelo fim da guerra na Ucrânia" ou "Não à guerra", mas recados como "Aqueles que entregam armas colherão guerra". Em Berlim, no bairro de Kreuzberg, alguns manifestantes ligados a grupos marxistas também exibiram mensagens contra a Otan.
"Nossas demandas por paz e desarmamento são mais atuais do que nunca, também tendo em vista o perigo de uma possível escalada nuclear", disse Kristian Golla, da Rede de Cooperação para a Paz em Bonn.
Heinz Krummey, que organizou a Marcha da Paz de Chemnitz, no leste alemão, afirmou ao telejornal Tagesschau que a guerra na Ucrânia é uma "guerra por procuração" dos EUA e que o presidente ucraniano Volodimir Zelenski é apenas um "peão" dos americanos.
Já a ucraniana Yuliia Sehring, que participou de uma marcha em Colônia, exibia um cartaz com uma mensagem bem diferente: "Mais armas para a Ucrânia". Ao telejornal, ela disse não entender a atitude de vários manifestantes. "Claro que sou a favor da paz, cem por cento. Mas a Rússia atacou meu país - com armas", disse.
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Debate
A natureza de qual deveria ser a mensagem marchas neste ano provocou debate na Alemanha.
O vice-chanceler alemão, Robert Habeck do Partido Verde, fez um apelo para que os protestos fossem dirigidos contra o presidente da Rússia, que ordenou em fevereiro a invasão da Ucrânia.
"Só pode haver paz se Vladimir Putin parar a sua guerra de agressão. É por isso que as marchas da Páscoa devem deixar claro que são dirigidas contra a guerra de Putin", disse Habeck, acrescentando que o pacifismo é "um sonho distante" no momento. "Pacifismo é, hoje em dia, um sonho distante. Putin ameaça a liberdade na Europa. Os crimes de guerra são claramente parte da sua estratégia. Ele mata civis indefesos, executa prisioneiros de guerra, assassina famílias, bombardeia hospitais", afirmou.
"Está claro nesta guerra quem é o agressor e quem tem de se defender numa situação difícil e a quem temos de ajudar, também com armas", disse Habeck, fazendo referência ao envio de armas alemãs para a Ucrânia.
O Partido Verde de Habeck têm uma longa tradição de pacifismo, mas tem sido forçado, diante das circunstâncias, a rever algumas de suas posições. Habeck, juntamente com sua colega verde Annalena Baerbock, que ocupa o Ministério das Relações Exteriores, está entre os políticos verdes que defendem o envio de armas para que o governo ucraniano resista à invasão russa.
Outros políticos se mostraram mais críticos ao tom das marchas. O ex-presidente do Bundestag (Parlamento alemão), Wolfgang Thierse, do Partido Social-Democrata, questionou publicamente as intençoes dos organziadores dos protestos.
Segundo Thierse, , o slogan "Faça a paz sem armas" dos protestos escancara uma arrogância em relação ao povo da Ucrânia. "O pacifismo à custa dos outros é cínico", disse o político veterano em entrevista a uma rádio.
Já a pastora Margot Kässmann, ex-presidente do conselho da Igreja Evangélica da Alemanha (EKD), por outro lado, defendeu a atitude crítica do movimento de paz em relação às entregas de armas à Ucrânia. "O maior perigo no momento é que esse conflito se agrave a tal ponto que os países da Otan realmente se tornem protagonistas diretos da guerra. Devo dizer que o medo é realmente justificado. Porque tal guerra provavelmente levaria ao uso de armas nucleares."
Ela também afirmou que não é justo acusar as pessoas que trabalharam pela paz durante décadas de estarem do lado da Rússia.
As marchas de Páscoa pela paz têm uma longa tradição na Alemanha. Inspiradas por protestos contra uma instalação de pesquisa de armas nucleares no Reino Unido, as marchas antiguerra de Páscoa iniciaram-se na Alemanha em 1958, com uma manifestação em Hamburgo.
Os eventos alcançaram um pico de participação entre 1968 e 1983, quando levaram centenas de milhares às ruas da Alemanha Ocidental, a cada ano, para protestar especialmente contra a presença de armas nucleares na Europa.
Nobel da Paz: os ganhadores controversos
Por que Yasser Arafat, as Nações Unidas ou mesmo Barack Obama receberam o Nobel da Paz? Esta pergunta é feita praticamente após cada anúncio em Oslo. A crítica ao prêmio é tão antiga quanto o próprio Nobel.
Foto: picture-alliance/dpa/B. Roald
Uma longa discussão
Já no primeiro Prêmio Nobel da Paz, para Henry Dunant, da Suíça (à esquerda), e Frederic Passy, da França (à direita), em 1901, a Comissão do Nobel estava dividida. Dunant fundou a Cruz Vermelha Internacional e, juntamente com Passy, iniciou as Convenções de Genebra. Os membros da comissão temiam que, ao tornarem a guerra "mais humana", as Convenções de Genebra pudessem torná-la mais aceitável.
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Beligerante e pacificador
O ex-presidente americano Theodore Roosevelt nunca foi considerado um pacifista, por causa de seu envolvimento na Guerra Hispano-Americana. Ele ajudou os cubanos a se libertarem do colonialismo, mas logo tropas americanas chegariam a Cuba, garantindo aos EUA o controle da ilha. Roosevelt recebeu o prêmio em 1906 por outro motivo: seus esforços de paz na guerra russo-japonesa.
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Pacificador racista
O 28º presidente dos Estados Unidos, Woodrow Wilson, recebeu o Nobel da Paz de 1919 "por suas contribuições para o fim da Primeira Guerra Mundial e a fundação da Liga das Nações", precursora da ONU. Mas ao mesmo tempo, ele acreditava na supremacia dos brancos e era um defensor da segregação racial
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Prêmio da paz sem paz
O então secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, e o líder norte-vietnamita Le Duc Tho tiveram papel decisivo nos Acordos de Paz de Paris de 1973, para acabar com a guerra no Vietnã. Mas Tho se recusou a aceitar o prêmio, alegando que ainda não havia paz. De fato, enquanto os EUA se retiraram em grande parte após os acordos, o conflito no Vietnã, no Laos e no Camboja duraria mais dois anos.
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De golpista a Nobel da Paz
Em 1978, Anwar Sadat (esq.), do Egito, e Menachem Begin (dir.), de Israel, acertaram um acordo de paz entre os dois países, sob mediação de Jimmy Carter (centro). No mesmo ano, Sadat e Begin receberam o Nobel. O prêmio para Sadat, no entanto, causou polêmica, pois ele participou do golpe de 1952, que derrubou o rei Farouk.
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Manutenção da paz e omissão
Os capacetes azuis são as forças de paz das Nações Unidas. Pelo seu trabalho, eles receberam o Nobel em 1988. No entanto, não faltaram críticas nos anos seguintes: as tropas foram acusadas de abusar sexualmente de mulheres e crianças e forçá-las à prostituição. No genocídio de Ruanda e no massacre de Srebrenica, foram criticados por não intervirem.
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Heroína vencida
Quando ganhou o Prêmio Nobel da Paz em 1991, Aung San Suu Kyi era um símbolo da luta sem violência pela democracia na sua terra natal, Myanmar. Nos anos de 2010, no entanto, ela caiu em descrédito, acusada de não proteger a minoria muçulmana rohingya do genocídio em 2017. Não lhe foi permitido tomar o poder, mas o seu partido tem a maioria no parlamento.
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O homem de duas caras
Embora tenha sido considerado um defensor do apartheid antes de ser presidente da África do Sul, Frederik de Klerk desempenhou um papel fundamental para o fim do regime de segregação racial em seu país. Ele tirou da prisão Nelson Mandela e outros políticos do Congresso Nacional Africano, defendeu a liberdade de imprensa e aboliu as leis do apartheid. Em 1993, ele e Mandela receberam o Nobel.
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"Ganhador indigno"
Também houve polêmica em 1994, quando o chefe da Organização para a Liberação da Palestina (OLP), Yasser Arafat, juntamente com o então premiê israelense, Yitzhak Rabin, e seu ministro de Relações Exteriores, Shimon Peres, recebeu o prêmio por seus esforços de paz no Oriente Médio. Um político norueguês até renunciou em protesto contra o Comitê do Nobel, chamando Arafat de "ganhador indigno".
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Um mundo melhor graças à ONU?
As Nações Unidas e seu então secretário-geral, Kofi Annan, receberam o Nobel da Paz de 2001 "por seu trabalho para um mundo melhor organizado e mais pacífico". Mas os críticos acusam a ONU de não defender esses ideais e de fracassar frequentemente, porque alguns países podem bloquear resoluções e ações conjuntas no Conselho de Segurança.
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Louros antecipados para Obama
Barack Obama estava na presidência dos EUA há nove meses quando ganhou o prêmio em 2009 por seus "esforços extraordinários para fortalecer a diplomacia internacional e a cooperação entre os povos". Os críticos consideraram a homenagem prematura. Mais tarde, Obama se notabilizaria por expandir ataques com drones no Iêmen e na Líbia, algo altamente controverso, de acordo com o direito internacional.
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"Luta não-violenta" e ajuda a criminoso de guerra
O ex-presidente da Libéria Charles Taylor foi condenado por crimes de guerra vinculados a milhares de assassinatos, estupros e tortura. Os críticos acusam sua sucessora, Ellen Johnson Sirleaf, ministra das Finanças de Taylor, de tê-lo apoiado na violência e corrupção. No entanto, em 2011, ela ganhou o Nobel por sua "luta não violenta pela segurança das mulheres".
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Tratamento questionável a requerentes de asilo
Cercas de arame farpado, detenção, condições desumanas nos campos de refugiados: ativistas dos direitos humanos criticam as políticas de refugiados da União Europeia há anos. Mesmo assim, a UE foi homenageada em 2012 pelo "avanço da paz e da reconciliação, da democracia e dos direitos humanos na Europa".
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Um pouco de paz
Abiy Ahmed mudou muito desde que se tornou primeiro-ministro etíope em 2018. No impasse do conflito fronteiriço com a vizinha Eritreia, a aproximação diplomática e a abertura das fronteiras foram incluídas. Mas o processo de paz estagnou - e enquanto Abiy goza da fama do Prêmio Nobel, na Eritreia Isayas Afewerki continua governando com mão de ferro.