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Alemanha caminha para eleições antecipadas

Ralf Bosen
7 de novembro de 2024

Após rompimento da coalizão, Olaf Scholz anunciou o voto de confiança, o primeiro passo para novas eleições no país. Mecanismo só foi aplicado três vezes.

Os três membros da antiga coalizão sentados
O ministro das Finanças, Christian Lindner (à esq.), voltou a incomodar seus parceiros de coalizão Robert Habeck (Verdes) e o chanceler Olaf ScholzFoto: picture alliance/dpa

Na noite de quarta-feira (06/11), o chanceler alemão, Olaf Scholz, demitiu o ministro das Finanças, Christian Lindner, encerrando a atual coalizão de centro-esquerda que governa o país. Scholz anunciou que deve se submeter a um voto de confiança em janeiro de 2025. Essa votação abre caminho para que eleições antecipadas sejam realizadas até o fim de março.

A crise ocorre depois que Lindner, que é presidente do neoliberal Partido Liberal Democrático (FDP), escreveu um documento com propostas para "uma reviravolta econômica com uma revisão parcialmente fundamental das principais decisões políticas" – incluindo redução de impostos para empresas, revisão de regulamentações climáticas e cortes em benefícios sociais. As propostas foram vistas como uma provocação e incompatíveis com os projetos de seus parceiros de coalizão, Partido Social Democrata (SPD), de Scholz, e o Partido Verde.

Realizadas a cada quatro anos na Alemanha, a próxima eleição federal está prevista para setembro de 2025. Entretanto, eleições antecipadas podem ser realizadas durante crises políticas, quando o chefe de governo, o chanceler federal, perde seu apoio no parlamento.

Entretanto, eleições antecipadas podem ser realizadas durante crises políticas, quando o chefe de governo, o chanceler, perde seu apoio no parlamento.

As eleições antecipadas têm sido extremamente raras na Alemanha, mas são uma medida democrática vital. Elas são regulamentadas pela Constituição alemã e exigem a aprovação de vários órgãos constitucionais, inclusive do chefe de Estado, o presidente.

Dois cenários possíveis

De acordo com a Constituição alemã, a decisão de realizar eleições federais antecipadas não pode ser tomada pelos membros da câmara baixa do parlamento, o Bundestag, nem pelo chanceler. Uma dissolução antecipada do parlamento só pode ocorrer de duas maneiras.

No primeiro caso, se um candidato a chanceler federal não obtiver uma maioria parlamentar absoluta – pelo menos 367 das 733 cadeiras do Bundestag – , o presidente alemão pode dissolver o parlamento. Isso nunca aconteceu na história da República Federal da Alemanha.

No segundo caso, um chanceler pode solicitar um voto de confiança no Bundestag para confirmar se ainda tem apoio parlamentar suficiente. Se o chanceler não conseguir obter a maioria, ele pode pedir formalmente ao presidente que dissolva o Bundestag em 21 dias.

Após a dissolução do parlamento, novas eleições devem ser realizadas dentro de 60 dias. Elas são organizadas da mesma forma que as eleições federais normais. O superintendente federal de votação e o Ministério do Interior são responsáveis por sua implementação.

Até o momento, foram realizadas apenas três eleições antecipadas para o Bundestag na República Federal da Alemanha: em 1972, 1983 e 2005.

Brandt perdeu intencionalmente o voto de confiança para provocar eleições antecipadasFoto: Fritz Rust/picture alliance

Willy Brandt

Willy Brandt, o primeiro chanceler federal do SPD, governou em uma coalizão com o neoliberal FDP a partir de 1969. Sua "Ostpolitik" (política voltada para o Leste) levou a um voto de confiança em 1972. Brandt promoveu uma política de reaproximação durante a Guerra Fria para facilitar as relações com o bloco socialista do Leste Europeu, o que gerou polêmica na Alemanha Ocidental. Surgiram grandes divisões dentro do governo, fazendo com que vários legisladores do SPD e do FDP no Bundestag renunciassem.

A maioria do governo no parlamento foi drasticamente reduzida, e o apoio de Brandt caiu para os mesmos níveis que os conservadores da oposição, a União Democrata Cristã (CDU) e a União Socialista Cristã (CSU), uma sigla regional da Baviera, com cada lado com 248 representantes no Bundestag.

Esse impasse paralisou os trâmites, então Brandt buscou uma solução. Em 24 de junho de 1972, ele declarou que "os cidadãos" tinham o "direito de garantir que a legislação não ficasse paralisada". Ele também disse que havia um perigo crescente "de que a oposição se recusasse fundamentalmente a cooperar de forma construtiva. Portanto, estou anunciando que estamos buscando novas eleições".

Brandt solicitou um voto de confiança no Bundestag com o objetivo de perdê-lo, para que seu governo pudesse ser reconfirmado pelos eleitores em novas eleições. Esse movimento foi duramente criticado, inclusive por advogados constitucionais, sob o argumento de que perder deliberadamente um voto de confiança não estava de acordo com o espírito da Constituição, a Lei Básica.

Brandt manteve seu plano e convocou um voto de confiança em 20 de setembro de 1972 – e perdeu, como havia planejado. Isso definiu o caminho para a dissolução do Bundestag e novas eleições, que foram realizadas em 19 de novembro de 1972. Brandt foi reeleito como chanceler federal. O SPD recebeu 45,8% dos votos, seu melhor resultado até então. O comparecimento dos eleitores foi o maior de todos os tempos nas eleições para o Bundestag, com 91,1%.

Kohl saiu vitorioso de eleições gerais realizadas depois de derrotar o chanceler federal do SPD, Helmut SchmidtFoto: Ossinger/dpa/picture alliance

Helmut Kohl

Helmut Kohl, da CDU, foi o responsável pela segunda eleição antecipada para o Bundestag, em 1983. Kohl assumiu o poder após a saída do chanceler Helmut Schmidt (SPD) por meio de um voto de confiança, em outubro de 1982. A maioria dos parlamentares rejeitou Schmidt por divergências em relação à sua política econômica e de segurança.

Como a coalizão de Kohl, formada pela CDU/CSU e pelo FDP, chegou ao poder por meio de um voto de confiança e não por uma eleição, Kohl desejava obter mais legitimidade ao levar os alemães às urnas. Ele solicitou um voto de confiança, que também perdeu deliberadamente em 17 de dezembro de 1982. Isso resultou na dissolução do Bundestag. Kohl disse na época: "Abri o caminho para novas eleições a fim de estabilizar o governo e obter uma maioria clara no Bundestag".

Alguns membros do Bundestag consideraram isso inaceitável e entraram com uma queixa no Tribunal Constitucional Federal da Alemanha. Após 41 dias de audiências, os juízes de Karlsruhe aprovaram o caminho de Kohl para novas eleições. No entanto, eles enfatizaram que um voto de confiança só era permitido durante uma crise "genuína". As novas eleições, realizadas em 6 de março de 1983, confirmaram Kohl como chanceler, e seu governo pode continuar com uma clara maioria.

Schröder, do SPD, perdeu para Angela Merkel, da CDU, em sua aposta eleitoral em 2005Foto: Stefan Sauer/dpa/picture alliance

Gerhard Schröder

As terceiras eleições antecipadas ocorreram no governo de Gerrhard Schröder, do SPD, em 2005. Na época, ele liderava uma coalizão com os Verdes. O SPD estava enfrentando dificuldades depois de uma série de derrotas nas eleições estaduais e do declínio do apoio no Bundestag. A diminuição do apoio estava fortemente ligada às polêmicas reformas da Agenda 2010 de Schröder, que alteraram drasticamente o sistema social e o mercado de trabalho. Schröder solicitou um voto de confiança, que perdeu deliberadamente em 1º de julho de 2005, provocando assim novas eleições.

"Estou firmemente convencido de que a maioria dos alemães quer que eu continue nesse caminho. Mas só posso obter a clareza necessária por meio de uma nova eleição", disse Schröder.

Mas seu cálculo não deu certo. Quem levou a melhor nas eleições antecipadas, em 18 de setembro de 2005, foi a CDU de Angela Merkel. Ela se tornou chanceler federal, liderando uma coalizão formada por CDU/CSU e apoiada pelo SPD. Esse foi o início de 16 anos de mandato para Merkel.

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