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Alemanha celebra Luigi Nono

Augusto Valente30 de abril de 2004

Concertos, exposições e palestras marcam o jubileu de Luigi Nono (1924-1990). Um dos focos é a Alemanha, estação central na vida e carreira deste que foi, possivelmente, o mais germânico entre os compositores italianos.

Foto: dpa

Luigi Nono haveria completado 80 anos em 29 de janeiro de 2004. Talvez seja cinismo excessivo parafrasear mais uma vez os caubóis americanos, afirmando: "Um bom compositor é um compositor morto". Afinal, o clichê do "gênio ignorado" não se aplica, em absoluto, à biografia do grande músico italiano.

Mas o fato é que o interesse em torno de Nono e a influência de suas obras cresceram sensivelmente desde que faleceu, em 1990. Prova disso é a série de homenagens, sobretudo na Alemanha, que marcam seu jubileu. A MusikTriennale de Colônia dedica-lhe todo um ciclo de concertos, filmes, exposições e palestras, culminando com a apresentação, em 30 de abril e 1º de maio, de seu "canto do cisne": a monumental Prometeo – tragedia dell'ascolto, para solistas vocais, locutores, coro, vários grupos instrumentais e live electronics.

A Ópera Nacional de Hanôver também está preparando uma montagem de Al gran sole carico d'amore, de 1975, e os eventos se acumulam em Frankfurt, Munique, Saarbrücken, Dortmund, Hamburgo. Nono ameaça tornar-se fenômeno de massa, fato raro e até desconfortável, para um compositor contemporâneo. Mas Nono, o homem político, quem sabe, estaria de acordo?

Influência de uma brasileira

Ele nasceu em Veneza, recebendo o nome de seu avô, um dos mais importantes pintores da escola veneziana do século 19. O pai, Mario Nono, era engenheiro civil. Formado em Direito, Luigi passa a dedicar-se com maior intensidade à música a partir de 1948. Seu professor de regência é o legendário Hermann Scherchen, que o jovem seguirá a Zurique e Rapallo.

Ao lado dos compositores Gianfrancesco Malipiero, Luigi Dallapiccola e Bruno Maderna, a progressista pianista brasileira Eunice Catunda está entre suas influências decisivas na época. Comunista declarada, é ela quem lhe apresenta a poesia de Federico García Lorca. Entre as primeiras obras do músico, constará um ciclo de "epitáfios" para esse autor espanhol. E em 1952 Nono torna-se membro do Partido Comunista Italiano.

Três anos mais tarde, ele desposa Nuria, filha do compositor Arnold Schoenberg (1874-1951), o criador da revolucionária técnica dodecafônica (baseada numa seqüência de notas pré-fixada – a "série" – e suas variações combinatórias). Nono conhecera Nuria Schoenberg no ano anterior em Hamburgo, por ocasião da estréia mundial da ópera inacabada de Schoenberg, Moses und Aron.

Um tambor ritual como lata de lixo

De 1950 a 1960, o músico italiano freqüentou os Cursos de Férias de Darmstadt, onde estréiam sete peças de sua autoria. A ruptura com a meca da música nova do pós-guerra não foi pacífica. Em 1959 ele atacara uma vanguarda que, a seu ver, admirava fascinada o próprio umbigo e que – após as primeiras aparições de John Cage na Europa – tentava alcançar o nirvana musical através de lances de dados.

"Não há qualquer diferença funcional entre um tambor ritual indiano – que nas modernas residências européias serve de lata de lixo – e os orientalismos empregados por uma cultura ocidental a fim de tornar mais atraentes suas manipulações de materiais", protestava Nono.

O afastamento já se anunciara dois anos antes, na polêmica com o colega Karlheinz Stockhausen em torno de Il canto sospeso. O veneziano a escrevera baseado em cartas de despedida de membros da Resistência européia condenados à morte. Em sua opinião, só se podia considerar "contemporâneo" um artista que, em sua obra, se posicionasse quanto ao tempo em que vivia.

E fora justamente esse conteúdo político que Stockhausen tentara negar, ao analisar Il canto sospeso num programa de rádio, reinterpretando a obra de forma a incluí-la em "sua própria" vanguarda.

Iluminando fábricas

Nono seguirá até as últimas conseqüências sua visão de arte política, a esperança ativa de libertar as musas das engrenagens de uma indústria musical a serviço da "burguesia". Assim, em 1964, inicia uma longa série de concertos-palestras para operários e estudantes italianos, em fábricas, clubes e outros locais radicalmente off-off, de Gênova até o sul do país.

Desse ano data La fabbrica illuminata, para voz feminina e fita quadrofônica, onde parte da matéria-prima sonora são ruídos gravados no dia-a-dia de uma metalúrgica. Nono se aprofundara na produção e processamento de sons por meios eletrônicos a partir de 1960: sua primeira obra eletroacústica foi Ommagio a [Emilio] Vedova.

Em 1966, a Ars Viva, editora que publicara todas as suas obras até então, suspende seu contrato, já que Nono insistia em trabalhar com textos de poetas tão "subversivos" como Bertolt Brecht. Logo no ano seguinte o ativista político realiza sua primeira viagem à America Latina, onde mantém contato com os movimentos revolucionários. A única incursão de Nono na música para cinema foi em um filme cubano: Un hombre de éxito, de Humberto Solás, 1985.

Madrigais e espacialização

Não há dúvida: Luigi Nono foi um compositor italiano. Sobretudo na primeira fase, é audível a exuberante tradição musical de sua terra, na sensualidade sonora e numa escrita vocal de traços por vezes até verdianos. A convivência com Bruno Maderna (1920-1973) intensificara seu interesse pela polifonia renascentista.

Catedral de San Marco destaca-se na silhueta de VenezaFoto: Das Fotoarchiv

A eterna obsessão do veneziano pela distribuição espacial dos sons – apenas reforçada pela experiência eletroacústica – tem sido vista como uma evolução da prática policoral de Veneza. Os representantes dessa escola (Andrea e Giovanni Gabrieli, entre outros) exploravam, já no século 16, a caprichosa acústica da Catedral de San Marco, distribuindo cori spezzati (coros divididos) em formações estereofônicas, quadrofônicas, e mais além.

Num simpósio dedicado a Nono, seu discípulo Helmut Lachenmann definiu Prometeo – aliás concebida originalmente para a mesma Catedral de San Marco – como "um gigantesco madrigal".

O eterno retorno à Alemanha

Por outro lado, o interesse de Nono pela cultura e os sons germânicos manifestou-se desde logo. Mais de uma vez, ele declarou seu fascínio por certos aspectos sonoros das obras de Richard Wagner (os sons estáticos no Prelúdio de O ouro do Reno) e Gustav Mahler (o acorde inicial da Sinfonia nº 1).

Significativamente, sua primeira composição apresentada em público foi um ciclo de variações canônicas sobre a série dodecafônica utilizada por Schoenberg em seu opus 41. A ligação com a cultura alemã fica também óbvia em títulos como Das atmende Klarsein, Für Paul Dessau, Ricorda cosa ti hanno fatto in Auschwitz, ou na utilização de textos de Hölderlin, Nietzsche, Rilke e Ingeborg Bachmann em suas obras.

As estações da carreira de Nono o levaram repetidamente à Alemanha. Entre seus colaboradores estiveram Jürgen Flimm (concepção cênica de Prometeo) e os dramaturgos Peter Weiss e Heiner Müller. Este último dedicou-lhe em 1985 Bruchstück für Luigi Nono. As mais importantes peças eletroacústicas do veneziano foram realizadas no Experimentalstudio da Rádio SWR, em Freiburg. E a estréia mundial da histórica Il canto sospeso (1956) realizou-se em Colônia.

Em 1966 ele tornou-se membro da Academia das Artes de Berlim Oriental e, em 1988, do Colégio das Ciências de Berlim. Pouco antes morara na atual capital alemã, a convite do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD). No ano de seu falecimento, o músico recebeu o Berliner Kunstpreis.

A sina de Prometeu

Em suas obras de maturidade, Nono despede-se de vez da eloqüência italiana, do fascínio pela palavra, da gestualidade típica de seus colegas como Luciano Berio (1925-2003): o ideal de Nono é uma música que seja apenas som, ondas sonoras. Esta rarefação extrema tem sido comparada aos aspectos ditos "transcendentais" na última fase criativa de Ludwig van Beethoven.

Os paralelos não terminam aí: ambos os compositores eram idealistas, acreditando na irmandade entre os homens. Não por acaso, tanto Beethoven (Criaturas de Prometeu, Sinfonia "Eroica") quanto Nono se ocuparam intensamente do mito grego de Prometeu, o titã punido por levar o fogo e o progresso à humanidade.

Luigi Nono, um compositor italiano, sim. Mas – talvez – o mais germânico entre todos os compositores italianos.

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