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Alemanha comemora 250 anos do pintor Caspar David Friedrich

Sabine Oelze
14 de dezembro de 2023

Artista romântico, um dos mais célebres pintores do país, nasceu em Greifswald, no norte da Alemanha, em 1774, e ficou famoso pelos quadros que enaltecem a magnitude da natureza perante o homem.

'Viajante Sobre o Mar de Névoa' (óleo sobre tela, 1818), de Caspar David Friedrich
"Viajante Sobre o Mar de Névoa" (óleo sobre tela, 1818), de Caspar David FriedrichFoto: akg-images/picture alliance

"Anote na agenda", avisa o site dedicado ao 250º aniversário do nascimento de Caspar David Friedrich, que a Alemanha celebrará ao longo de 2024 com uma variedade de eventos e exposições.

Ainda que as comemorações oficiais só comecem no dia 20 de janeiro de 2024 na Catedral de São Nicolau, em Greifswald, onde Friedrich foi batizado, a Galeria de Arte de Hamburgo dá a largada com a abertura de uma exposição dedicada ao pintor romântico nesta sexta-feira (15/12).

O legado do pintor, porém, já vem tomando conta das manchetes desde o final de novembro, quando um dos seus cadernos de rascunho foi arrematado por 1,8 milhão de euros (quase R$ 10 milhões) num leilão em Berlim.

Pouco antes da venda, o Departamento de Cultura do Senado de Berlim iniciou procedimentos para que o trabalho de Friedrich fosse inscrito no registo estatal de bens culturais de valor nacional da capital alemã. Isto impede que compradores de fora da Alemanha retirem o item do país – pelo menos enquanto corre o processo. Mesmo assim, só seria possível exportar o caderno de desenhos se este não cumprisse os critérios que o consideram um bem cultural valioso.

Entretanto, basta um olhar para a procedência do item para ver que realmente se trata de um tesouro verdadeiramente único. 

O "Caderno de rascunhos de Karlsruhe" (1804), de Caspar David Friedrich, foi arrematado por 1,8 milhão de eurosFoto: Jens Kalaene/dpa/picture alliance

Bem cultural de valor nacional

O "Caderno de rascunhos de Karlsruhe", como é conhecido, estava na posse da família Kersting há mais de 200 anos. Georg Friedrich Kersting, um notável pintor romântico alemão, era amigo íntimo de Caspar David Friedrich – que, por sua vez, nascera em Greifswald, hoje no estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental, em 5 de setembro de 1774.

Em seu livro recentemente publicado sobre Caspar David Friedrich, Zauber der Stille (Magia do Silêncio), o autor alemão Florian Illies escreve que, segundo contemporâneos do artista, Kersting teria ajudado o amigo com as representações de personagens em suas pinturas. Mas por quê?

Illies escreve que Friedrich era considerado um retratista pouco talentoso, motivo pelo qual foi até ridicularizado durante seu tempo na Real Academia de Belas Artes da Dinamarca.

Seria essa a razão pela qual os personagens nas pinturas de Friedrich são geralmente vistos de costas?

Ruínas, sepulturas, árvores retorcidas: "Abadia no Carvalhal", óleo sobre tela pintado em 1809/10 por Caspar David FriedrichFoto: akg-images/picture alliance

Golpes do destino

Caspar David Friedrich era o sexto filho de Adolf Gottlieb Friedrich, fabricante e fornecedor de sabão de Greifswald, e sua esposa, Sophie Dorothea. A mãe morreu em 1781, e uma tia pelo lado materno um ano depois.

Particularmente traumática foi a morte de seu irmão mais novo, Johann Christopher, em 1787. Há histórias conflitantes sobre o que teria acontecido, com alguns relatos apontando que o menino teria se afogado ao tentar salvar Caspar David quando o gelo sob o qual o irmão mais velho patinava quebrou. Dos nove irmãos do pintor, apenas cinco sobreviveram até a idade adulta.

Em 1790, Friedrich começou seus estudos com o professor de arquitetura e desenho Johann Gottfried Quistorp, da Universidade de Greifswald, que acabaria sendo um de seus grandes incentivadores. O jovem continuou seus estudos artísticos na Real Academia de Belas Artes da Dinamarca. A partir de 1798, Friedrich viveu e trabalhou em Dresden, cidade onde também morreria em 7 de maio de 1840.

Obra "A Cruz nas Montanhas", exposta em um museu de Essen, em 2006Foto: Federico Gambarini/dpa/picture-alliance

Admirado por muitos – mas não por Goethe

"Místico com um pincel" – foi assim que o poeta sueco Per Daniel Amadeus Atterbom descreveu Caspar David Friedrich. Em vida, o pintor romântico conquistou a admiração de seus colegas.

Com uma exceção notável: as pinturas de Friedrich jamais agradaram a Johann Wolfgang von Goethe. O escritor alemão as ridicularizava como representativas de um incipiente estilo alemão "religiosamente patriótico". Há relatos, inclusive, de que o poeta teria quebrado uma das pinturas do artista na beirada de uma mesa, tamanha a ojeriza.

Em 1794, Friedrich frequentou a Real Academia de Belas Artes da Dinamarca, onde foi introduzido ao misticismo da natureza que influenciaria sua obra de forma tão marcante. Sua primeira pintura a óleo já provocou polêmica: A Cruz nas Montanhas, de 1807/1808, trata da relação entre Deus e a natureza.

Daí para a frente, a obra de Friedrich não foi mais vista como a janela do iluminismo para o mundo, mas como uma janela para a alma, nas linhas do romantismo. A polêmica de A Cruz nas Montanhas se deve ao fato de o pintor ter dado o mesmo espaço tanto à igreja quanto à natureza.

"Dois homens contemplam a lua": antigos trajes tradicionais alemães são uma sutil declaração de patriotismoFoto: Heritage-Images/picture alliance

Patriota e excêntrico

Friedrich era um excêntrico recluso que só saía de sua casa em Dresden para longas caminhadas depois do anoitecer. Em 21 de janeiro de 1818, casou-se com Caroline Bommer, de 25 anos – às 6 horas da manhã.

As campanhas militares de Napoleão e a presença das tropas francesas trouxeram inquietação, pois representavam uma ameaça ao pintor e a sua terra natal. Em 1806, Napoleão já ocupava a maior parte do território alemão.

Isso teria despertado sentimentos nacionalistas em Friedrich, que sonhava com o ideal de uma Alemanha unida e manifestava igual reverência tanto pelos cristãos quanto pelos germânicos. Suas pinturas costumam trazer figuras vestindo trajes tradicionais alemães, uma sutil expressão de patriotismo.

"O Monge à beira-mar", óleo sobre tela, 1808/10, de Caspar David FriedrichFoto: Joseph Martin/akg-images/picture-alliance

Paisagens fictícias

Embora Friedrich capturasse fielmente cada árvore, penhasco, montanha ou barco a vela com seu pincel, esses elementos observados individualmente eram recombinados livremente em suas obras. A natureza servia de inspiração, e não de modelo.

Suas impressões eram rearranjadas em paisagens criadas a partir de sua própria imaginação, como em O Mar de Gelo. A pintura apocalíptica transforma o rio Elba num imenso mar congelado, com um barco naufragado e esmagado entre espessas placas de gelo, ameaçadoramente empilhados no centro da imagem – uma cena jamais testemunhada por Friedrich, exceto em sua imaginação.

Até sua morte, em 1820, ele vivia a poucos passos do rio Elba, na rua An der Elbe 33, em Dresden. Foi lá que ele hospedou o futuro czar russo Nicolau 1°, que comprou várias de suas pinturas.

"O Mar de Gelo", óleo sobre tela, 1823/1824, de Caspar David FriedrichFoto: Artcolor/picture alliance

Lógica iluminista dá lugar às emoções do romantismo

Enquanto o iluminismo enfatizava a razão e uma compreensão racional do mundo, o período romântico subsequente foi marcado pela emoção e pela sensibilidade. A subjetividade ganhou destaque, algo que pode ser percebido na obra de Caspar David Friedrich.

O artista respondeu às composições estritas do iluminismo com inquietação e emoção: paisagens montanhosas recortadas, névoa matinal, camadas sombrias de nuvens que às vezes ameaçam engolir as pessoas.

Uma de suas obras mais conhecidas é O Monge à beira-mar, que ele começou a pintar em 1808. Ela é considerada uma de suas obras menos convencionais, pois não há senso de perspectiva espacial, com o mar e o céu se fundindo. Em primeiro plano, um homem diminuto e reverente está de costas para o espectador – servindo assim como uma figura de identificação. O infinito e a vastidão do universo são os temas da pintura.

"Falésias de Giz em Rügen": a pintura mais bonita de Friedrich ou apenas a mais famosa?Foto: akg-images/picture alliance

As famosas falésias de giz de Rügen

Entre as obras mais famosas de Friedrich está Falésias de Giz em Rügen, também tida como uma de suas mais belas. Criada durante sua lua de mel em 1818, a pintura evoca a vista de uma janela – motivo frequentemente utilizado pelo pintor – que se abre para um fundo com o Mar Báltico sob um céu límpido. O olhar é direcionado para os barcos a vela que navegam rumo ao horizonte.

Várias obras de Friedrich se perderam ao longo dos anos. Em 10 de outubro de 1901, por exemplo, seu local de nascimento, na Lange Strasse 28, em Greifswald, sofreu um incêndio. Algumas das pinturas ali guardadas foram salvas, mas familiares acabaram pintando sobre elas, destruindo assim o que restara.

Várias obras de Friedrich também estavam entre os tesouros artísticos perdidos durante os bombardeios aliados em Dresden durante a Segunda Guerra Mundial.

Hoje, a maioria das obras restantes integra coleções de museus de Hamburgo, Dresden e Berlim.

Os "Cadernos de Karlsruhe" trazem motivos usados em pinturas posterioresFoto: Jens Kalaene/dpa/picture alliance

Século 20 trouxe novo impulso

Friedrich morreu na pobreza em 7 de maio de 1840, quando seu estilo artístico já não estava mais em voga. Novos movimentos estéticos substituíram o romantismo, como o naturalismo e o impressionismo, deixando Friedrich para trás.

Sua arte começou a perder prestígio na década de 1820, quando a Escola de Pintura de Düsseldorf virou moda na Alemanha.

Já a redescoberta de seu legado começou em 1906, com uma pequena exposição em Berlim: a mostra apresentava pinturas e esculturas do período de 1775 a 1875, e incluía 32 obras de Friedrich.

A ocasião deu início a uma nova fase de popularidade que persiste até os dias de hoje. Friedrich nunca assinou nenhuma de suas pinturas, pois acreditava que seu nome nunca seria esquecido. Pelo menos até agora, parece que ele tinha razão.

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