Prisão perpétua para envolvido no genocídio de Ruanda
29 de dezembro de 2015
Onesphore Rwabukombe é acusado de liderar massacre que matou mais de 400 membros da etnia tutsi na cidade onde era prefeito. É a primeira decisão judicial na Alemanha referente ao caso.
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O Tribunal Regional de Frankfurt condenou nesta terça-feira (29/12) um cidadão ruandês à prisão perpétua, por envolvimento no genocídio ocorrido em seu país em 1994.
Onesphore Rwabukombe foi considerado culpado de participar de um massacre contra membros da etnia tutsi em Ruanda. Ele teria liderado um ataque que resultou na morte de mais de 400 refugiados tutsis numa igreja em Kiziguo, onde era prefeito.
O réu já havia sido condenado em 2014 por sua participação no genocídio, recebendo pena de 14 anos de prisão. Entretanto, o Tribunal Constitucional Federal, a instância jurídica mais alta do país, rejeitou a sentença, alegando que demonstrava demasiada clemência frente à gravidade das acusações que pesam contra o réu.
No julgamento inicial, em 2014, o juiz não conseguiu determinar se Rwabukombe teria agido com a intenção de cometer genocídio ou se o réu poderia ser acusado apenas de cumplicidade.
Durante o segundo julgamento, os magistrados decidiram que suas ações teriam sido dirigidas a um grupo étnico como um todo, e não apenas a alguns indivíduos. Isso permitiu que o tribunal anulasse a sentença anterior e condenasse Rwabukombe à prisão perpétua, sem possibilidade de liberdade condicional, sob a acusação de genocídio.
O ruandês de 58 anos se recusou a testemunhar no caso contra ele, limitando a atuação dos magistrados às provas circunstanciais, contou Josef Bill, juiz do Tribunal Regional de Frankfurt.
"Foi um banho de sangue inimaginável. O acusado permanecia em uma poça de sangue que lhe chegava aos tornozelos, enquanto continuava a dar as ordens [de morte]", disse o juiz.
As autoridades alemãs recusaram a deportação de Rwabukombe a Ruanda, temendo que ele não recebesse um julgamento adequado em seu país.
Ao menos 800 mil mortos
Essa foi a primeira decisão judicial na Alemanha referente ao genocídio de Ruanda. A lei alemã permite aos tribunais do país processar criminalmente acusados de crimes de guerra, genocídios e crimes contra a humanidade, mesmo que tenham sido cometidos no exterior e por estrangeiros sem ligações diretas com a Alemanha.
Levando-se em conta o envolvimento da Alemanha em Ruanda, que foi colônia alemã nos séculos 19 e 20, é possível que os juízes tenham dedicado atenção especial ao caso.
As hostilidades entre os grupos étnicos hutu e tutsi em Ruanda, assim como nos países vizinhos Burundi e Uganda, existiram por muitos anos após o fim do período colonial. A situação chegou ao limite quando o avião do então presidente ruandês, Juvenal Habyarimana, se acidentou em abril de 1994. A culpa pelo acidente recaiu sobre os tutsis, apesar de as causas da queda ainda serem desconhecidas.
Grupos de extermínio foram rapidamente mobilizados após transmissões de rádio clamarem pela aniquilação dos tutsis. A rápida sucessão de eventos levantou suspeitas de que o genocídio poderia ter sido planejado antes mesmo da morte do presidente.
Em poucos meses, os extremistas hutus mataram pelo menos 800 mil pessoas em Ruanda, a maioria pertencente ao grupo étnico rival, além de apoiadores e simpatizantes hutus.
RC/epd/dpa
O genocídio de Ruanda
O genocídio de Ruanda, em 1994, chocou o mundo. Na época, a comunidade internacional assistiu de braços cruzados – sobretudo França e a ONU – ao assassinato de cerca de 800 mil pessoas.
Foto: Timothy Kisambira
Estopim do genocídio
No dia 6 de abril de 1994, o avião em que viajava o então presidente de Ruanda, Juvénal Habyarimana, foi derrubado por um foguete quando se aproximava da capital Kigali. O atentado matou Habyarimana, o presidente do Burundi e outros oito ocupantes da aeronave. No dia seguinte, começam os massacres, que duraram três meses e custaram a vida de pelo menos 800 mil ruandeses.
Foto: AP
Vítimas escolhidas a dedo
Depois do assassinato do presidente, extremistas hutus começaram a atacar membros da minoria tutsi e hutus moderados. Os assassinos estavam bem preparados e escolhiam suas vítimas entre ativistas de direitos humanos, jornalistas e políticos. Entre as primeiras vítimas, no dia 7 de abril de 1994, estava a primeira-ministra Agathe Uwilingiyimana.
Foto: picture-alliance/dpa
Resgate de estrangeiros
Enquanto nos dias posteriores milhares de ruandeses eram mortos diariamente em Kigali e no interior, forças especiais belgas e francesas retiram do país cerca de 3.500 estrangeiros. Paraquedistas belgas resgataram em 13 de abril os sete funcionários alemães da Deutsche Welle em Kigali, juntamente com suas famílias. Apenas 80 dos 120 empregados locais da emissora sobreviveram ao genocídio.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Grito de socorro
Já no início de 1994, o comandante das tropas de paz da ONU, o canadense Roméo Dallaire, tinha indícios de um planejado extermínio da população tutsi. Sua mensagem à ONU, conhecida como o "fax do genocídio", enviada em 11 de janeiro, foi rejeitada. Os apelos posteriores do general durante o genocídio também foram ignorados pelo então chefe das operações de manutenção da paz, Kofi Annan.
Foto: A.Joe/AFP/GettyImages
Mídias do ódio
O filme "Hate Radio", do diretor suíço Milo Rau (foto), lembra a estação de rádio Mille Collines (RTLM) que, junto ao jornal semanal "Kangura" incitava o ódio contra os tutsis. Kangura, por exemplo, publicou já em 1990 os "Dez mandamentos hutus", com alto teor racista. A Mille Collines, popular pela música pop e pela cobertura esportiva, fazia chamadas diárias pela perseguição e morte de tutsis.
Foto: IIPM/Daniel Seiffert
Refúgio no hotel
Em Kigali, Paul Rusesabagina escondeu mais de mil pessoas no Hotel des Mille Collines. Depois que o gerente belga deixou o país, Rusesabagina o sucedeu no cargo. Com muito álcool e dinheiro, ele conseguiu impedir as milícias hutus de matar os refugiados. Em muitos outros refúgios, as vítimas não conseguiram escapar de seus assassinos.
Foto: Gianluigi Guercia/AFP/GettyImages
Massacres em igrejas
Mesmo igrejas, onde muitos buscaram refúgio, não foram respeitadas. Cerca de 4 mil homens, mulheres e crianças foram mortos na igreja de Ntarama, perto de Kigali, por assassinos portando machados e facões. Hoje, a igreja é um dos muitos memoriais do massacre. Crânios e ossos humanos, além de buracos de bala nas paredes, lembram até hoje o genocídio.
Foto: epd
O papel da França
Paris manteve laços estreitos com o regime hutu. Quando os rebeldes da Frente Patriótica Ruandesa (FPR) já tinham ganhado terreno sobre os autores de genocídio, em junho, o Exército francês entrou em ação. Ele permitiu que soldados e milicianos responsáveis pelo genocídio fossem com armas para o Zaire, atual República Democrática do Congo.
Foto: P.Guyot/AFP/GettyImages
Fluxo de refugiados
Durante os massacres, milhões de ruandeses, tutsis e hutus, fugiram para os países vizinhos Tanzânia, Zaire e Uganda. Só no Zaire (hoje RDC), foram dois milhões de refugiados. Ex-membros do Exército e os autores de massacres fundaram as Forças Democráticas pela Libertação de Ruanda, que são até hoje um fator de insegurança no leste do Congo.
Foto: picture-alliance/dpa
Tomada de Kigali
Diante da Igreja da Sagrada Família, em Kigali, patrulham em 4 de julho de 1994 rebeldes da RPF. Nessa época, eles já haviam libertado a maioria das regiões do país e forçado os assassinos a baterem em retirada. Ativistas de direitos humanos se queixam, no entanto, que os rebeldes também cometeram crimes pelos quais ninguém foi responsabilizado até hoje.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Fim do genocídio
O general Paul Kagame, líder da RPF, declarou em 18 de julho de 1994 o fim da guerra contra as forças do governo. Os rebeldes assumiram o controle da capital e outras grandes cidades. A princípio, empossaram um governo provisório. Desde o ano 2000, Kagame é o presidente de Ruanda.
Foto: Alexander Joe/AFP/GettyImages
Cicatrizes permanentes
O genocídio durou quase três meses. A maioria das vítimas foi brutalmente assassinada com facões. Vizinhos mataram vizinhos. Cadáveres e partes de corpos de bebês, crianças, adultos e idosos se amontoavam ao longo das ruas. Poucas famílias foram poupadas. Não só as cicatrizes nos corpos dos sobreviventes mantêm viva a memória do genocídio.