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Alemanha continuará sendo o "bordel da Europa"?

15 de fevereiro de 2021

Alemanha tem uma das leis sobre prostituição mais liberais da UE, mas cresce o apelo no país para reverter essa legalização. Vantagens de uma proibição, no entanto, são controversas.

Zona de meretrício em Frankfurt, com prédios cheios de luminosos eróticos
Enquanto alguns defendem a proibição da prostituição, outros dizem que isso prejudicaria ainda mais mulheres que negociam com sexo Foto: picture-alliance/dpa/A. Dedert

Se dependesse da política social-democrata alemã Leni Breymaier, os bordéis poderiam ir à falência nesta pandemia de covid-19.  Ela considera escandaloso que proprietários de casas de prostituição também estejam recebendo ajuda do governo porque o setor está praticamente paralisado há um ano.

"O Estado não pode apoiar criminosos, dando dinheiro dos impostos a prostíbulos onde as mulheres são forçadas à prostituição", disse ela em entrevista ao grupo de mídia Funke no final do ano passado. Estas e outras observações críticas sobre a indústria do sexo lhe renderam aproximadamente 20 queixas criminais de cerca de 50 proprietários de bordéis em toda a Alemanha. Eles a acusam de difamação e calúnia.

Breymaier faz parte de um grupo de deputados federais que defendem veementemente uma proibição do mercado do sexo na Alemanha, com base no chamado "modelo nórdico". Tal proibição criminaliza o cliente, não as prostitutas. Sob o modelo nórdico, o processo penal de compra de sexo é acompanhado por extensos programas de ajuda a quem deixa a atividade, sua descriminalização e amplo apoio social.

Na Alemanha, a prostituição foi legalizada em 2002, e desde 2017 existe a Lei de Proteção à Prostituta, que tem como objetivo melhorar as condições de trabalho de profissionais do sexo. Os bordéis precisam de uma licença de funcionamento e as prostitutas têm que se registrar.

Até agora, no entanto, há apenas cerca de 40 mil registros, de um número estimado entre 200 mil a 1 milhão de profissionais do sexo que atuam no país, dependendo da estatística. Portanto, muitos consideram a lei um fracasso, uma vez que a esmagadora maioria das prostitutas continua na clandestinidade.

Alemanha, o "bordel da Europa"

Nenhum partido no Parlamento alemão, no entanto, incluiu em seu programa uma proibição da prostituição. Breymaier atribui à influência da indústria do sexo o fato de a Alemanha ter uma das leis de prostituição mais liberais da Europa e seja inclusive conhecida como o "bordel da Europa".

"A indústria da prostituição e do erotismo tem um lobby muito forte em nosso país", disse ela à DW. Em seu grupo parlamentar, Breymaier é relatora para a prostituição forçada, e além disso atua na associação Sisters, que defende a proibição do mercado do sexo e considera a prostituição voluntária um conto de fadas. Para ela, está claro que "não se pode falar em igualdade enquanto um puder comprar sexo do outro".

Prostitutas do leste da Europa em FrankfurtFoto: picture alliance/dpa

O debate sobre leis mais rígidas contra a prostituição voltou a ganhar força durante a pandemia de covid-19. No primeiro lockdown, no ano passado, quando os bordéis foram fechados pela primeira vez, Breymaier e vários membros do Parlamento alemão defenderam uma melhor regulamentação do comércio de sexo após o fim das restrições.

A pressão contra a prostituição está aumentando. O grupo parlamentar da CDU/CSU, da chanceler federal Angela Merkel, também gostaria de tornar a lei mais rígida, e a União Europeia (UE) vem pedindo medidas nesse sentido há anos. Já em 2014, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução recomendando que os Estados-membros introduzissem o modelo nórdico.

A Suécia introduziu este modelo há mais de 20 anos, tornando-se o primeiro país a não considerar a prostituta como uma criminosa. Com a punição dos clientes, o objetivo era acabar com a demanda por sexo comprado.

Alguns países europeus seguiram o modelo e também proibiram o meretrício: Noruega e Islândia em 2009, seguindo-se Finlândia, Inglaterra, País de Gales e Irlanda do Norte, que introduziram o modelo com variações. A França o adotou em 2016 e a Irlanda, um ano depois. Canadá e Israel também têm leis similares. "Quanto mais países optarem por ele, mais pressão a Alemanha sofrerá", acredita Breymaier.

Parlamento sueco foi o primeiro na Europa a aprovar lei que não criminaliza prostitutasFoto: picture-alliance/IBL Schweden/J. Jeppson

Em meados de fevereiro, o Parlamento Europeu também aprovou uma resolução pedindo aos membros da UE que fizessem mais para combater a exploração sexual e o tráfico de pessoas. Em particular, os clientes, que se aproveitam dos serviços de prostitutas exploradas sexualmente, deveriam ser punidos mais severamente, diz o documento.

Para os defensores da proibição, os apelos da União Europeia poderiam ser um estímulo para aumentarem sua mobilização. Para eles, a prostituição, a exploração sexual e o tráfico humano estão indissoluvelmente ligados. Se a prostituição for restringida, o tráfico de pessoas diminuirá, argumentam.

Críticas ao modelo nórdico

Mas muitas associações de ajuda e centros de aconselhamento têm outra opinião. Entre os opositores ao modelo nórdico e à proibição de sexo comprado estão o Conselho Alemão de Mulheres, a Federação Alemã contra Aids, a Diakonie Deutschland e a Associação Alemã de Advogadas. Em uma posição conjunta, eles advertiram já no final de 2019 que criminalizar a prostituição só prejudica as pessoas que trabalham no setor.

"Isso aumenta o risco de tornar-se vítima de um ato violento ou de contrair infecções sexualmente transmissíveis, como o HIV". E só aumenta a estigmatização", diz o documento. "Como a prostituição cai cada vez mais para a clandestinidade quando se ameaça com punição, é difícil para os centros de aconselhamento e autoridades de saúde entrar em contato com profissionais do sexo para informar sobre seus direitos, serviços de saúde e opções de mudança de atividade", continua. A prevenção, segundo as entidades, se tornaria impossível.

As associações também rejeitam a alegação de que uma proibição de compra de sexo iria frear a prostituição e o tráfico de pessoas. "A prostituição e tráfico humano ou a prostituição forçada devem ser considerados separadamente", escreve no documento Susanne Kahl-Passoth, do Conselho Alemão de Mulheres. "Há mulheres que decidem deliberadamente ganhar a vida através da prostituição. Em vez de criminalizar o trabalho sexual, deveriam ser melhoradas as condições de trabalho e de vida das meretrizes".

Poucos dados confiáveis

Os efeitos reais de uma proibição baseada no modelo nórdico sobre a exploração sexual e o tráfico humano são, portanto, um tema polêmico. A própria questão do que é prostituição forçada e do que é trabalho sexual deliberado é controversa.

Outro problema básico é a falta de dados. É impossível quantificar o número de pessoas que trabalham na área da prostituição. Também é impossível determinar quantos trabalham voluntariamente  e quantos são forçados. Isto praticamente impossibilita declarações confiáveis e leva a que os defensores e opositores geralmente se refiram a estudos que supostamente apoiam suas respectivas posições.

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Um trabalho das escandinavas Carlotta Holmström e May-Len Skilöbrei sobre os efeitos de proibir a prostituição aponta o problema básico dentro do debate: "A base de conhecimento sobre prostituição na Suécia, como em outros lugares, é incompleta e unilateral". Uma análise estatística da Universidade de Heidelberg concluiu anos atrás que os países onde a prostituição é legal são mais propensos a serem o foco dos traficantes. Mas o estudo também foi criticado por seu valor empírico e importância.

Avaliação objetiva é quase impossível

De qualquer forma, o governo sueco celebra abertamente seu modelo como um sucesso. Desde que a lei foi introduzida, em 1999, o número de prostitutas teria caído pela metade. E também a violência contra mulheres e o tráfico humano teriam se reduzido com a proibição.

Mas estudiosos como a historiadora sueca Susanne Dodillet lançam dúvidas sobre as alegações. O problema é que "eles não podem comprovar fatos e pesquisas", escreveu ela a deputados do estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália, no início de janeiro. Pelo contrário, Dodillet até se refere a relatos de que a proibição de compra de sexo leva ao aumento da violência contra as prostitutas e a uma estigmatização severa.

Tendo em vista a falta de dados e o debate ideológico, é muito difícil fazer uma análise objetiva sobre se uma proibição baseada no modelo nórdico protege as profissionais do sexo e pode conter a prostituição ilegal e o tráfico de pessoas.

Para Breymaier, apesar de tudo, uma coisa é certa: ela continuará sua campanha para proibir a prostituição na Alemanha. "Mesmo que em algum lugar haja mulheres livres e autodeterminadas que digam: 'Eu gosto de fazer isto'. Mesmo que elas existam, seu direito de escolher livremente a profissão não justifica o sofrimento de muitas outras".

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