Alemanha defende-se em corte da ONU sobre apoio a Israel
9 de abril de 2024
Nicarágua moveu um processo contra a Alemanha na Corte Internacional de Justiça acusando-a de facilitar um "genocídio" em Gaza. Berlim rechaça a ação e apresentou nesta terça a sua defesa ao tribunal.
Anúncio
A Corte Internacional de Justiça (CIJ), com sede na cidade holandesa de Haia, deu continuidade nesta terça-feira (08/04) às audiências de um processo movido pela Nicarágua que acusa a Alemanha de cumplicidade com o que chama de genocídio do povo palestino cometido pelas forças de Israel na Faixa de Gaza.
Após a Nicarágua fazer sua sustentação na segunda-feira, a Alemanha apresentou a sua defesa nesta terça-feira e afirmou que o processo movido por Manágua ignora "os fatos e a lei".
A chefe da equipe jurídica da Alemanha, Tania von Uslar-Gleichen, disse que a ação havia sido proposta de forma apressada, baseava-se em evidências frágeis e deveria ser rejeitada por ausência de jurisdição.
"Nos casos em que a Alemanha forneceu apoio a Israel, inclusive na forma de exportação de armas e outros equipamentos militares, a qualidade e os propósitos desses suprimentos foram grosseiramente distorcidos pela Nicarágua", disse. "Ao contrário da Nicarágua, a Alemanha não está cega para o fato de que o Hamas também tem obrigações sob a lei humanitária internacional."
A Nicarágua solicitou à mais alta corte da ONU medidas liminares para interromper as exportações de armas alemãs para Israel e reverter a decisão de Berlim de parar de financiar a agência da ONU para os refugiados palestinos, a UNRWA.
Israel negou que sua operação em Gaza seja equivalente a genocídio e disse estar agindo em legítima defesa depois que militantes do Hamas invadiram o sul de Israel em 7 de outubro e mataram mais de 1.200 pessoas, incluindo cerca de 800 civis.
Exportações alemãs de armas para Israel
Na segunda-feira, Manágua apontou que Berlim continua sendo um dos maiores exportadores de armas para Israel. De acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo, a Alemanha é o segundo maior fornecedor de armas para Israel, depois dos EUA.
"A imagem apresentada pela Nicarágua é, na melhor das hipóteses, imprecisa e, na pior, é uma deturpação deliberada da situação real", disse Christian Tams, que também faz parte da equipe jurídica da Alemanha.
Ele afirmou que nenhum projétil de artilharia e nenhuma munição foi exportada da Alemanha para Israel desde outubro de 2023, e acrescentou que as licenças de exportação de armas são avaliadas caso a caso e excedem as exigências internacionais.
"Para cada licença concedida, o governo alemão avalia se há um risco claro de que o item específico, sujeito a licenciamento, seja usado na prática de genocídio, crimes contra a humanidade ou grandes violações da Convenção de Genebra", disse.
Anúncio
Para Nicarágua, risco de genocídio é claro
Em sua sustentação, a Nicarágua também afirmou que a Alemanha estaria violando a Convenção de Genocídio das Nações Unidas de 1948.
Mais de 33 mil palestinos, em sua maioria mulheres e crianças, foram mortos nos últimos seis meses em Gaza, de acordo com o Ministério da Saúde do território liderado pelo Hamas. Várias agências da ONU e outras agências de ajuda humanitária alertaram que Gaza está à beira da fome extrema.
"Não há dúvida de que a Alemanha [...] estava bem ciente, e está bem ciente, pelo menos do sério risco de que um genocídio esteja sendo cometido", disse o embaixador da Nicarágua, Carlos Jose Arguello Gomez, ao tribunal.
A Nicarágua pediu que a CIJ tomasse "medidas liminares" para que a Alemanha "suspenda imediatamente sua ajuda a Israel, em particular sua assistência militar, incluindo equipamentos militares, na medida em que essa ajuda possa ser usada para violar a Convenção sobre Genocídio" e o direito internacional.
A ação também pediu que o tribunal ordene que a Alemanha retome o financiamento da UNRWA em Gaza.
Mas Von Uslar-Gleichen, da Alemanha, disse à corte que a Alemanha continua sendo o maior doador individual de ajuda humanitária aos palestinos. "A Alemanha está fazendo o máximo para cumprir sua responsabilidade em relação aos povos israelense e palestino", disse. Seus colega Tams afirmou também que a Alemanha retomou o financiamento das operações da UNRWA, um fato "ignorado pela Nicarágua".
Israel não é parte no processo
A equipe jurídica da Alemanha argumentou ainda que a CIJ não poderia considerar o pedido de liminar feito pela Nicarágua, já que o tribunal não havia determinado que Israel está violando a Convenção sobre Genocídio.
"Como se pode dizer que houve uma falha em garantir [a Convenção sobre Genocídio] a respeito de um terceiro Estado, se a falha por parte desse terceiro Estado em respeitar não foi estabelecida em primeiro lugar?", perguntou outro advogado da Alemanha, Samuel Wordsworth.
Além disso, ele destacou que a Nicarágua não apresentou sua queixa contra Israel. "A Nicarágua deve estabelecer que, pelo menos prima facie, o tribunal seja capaz de exercer jurisdição, e não pode fazê-lo, dada a ausência manifesta de uma terceira parte indispensável, ou seja, Israel", disse Wordsworth.
O tribunal provavelmente levará semanas para emitir sua decisão preliminar, e o caso pode levar anos para ser finalizado
A Alemanha tem sido um dos mais firmes aliados de Israel na esteira dos ataques do Hamas. "Nossa própria história, nossa responsabilidade decorrente do Holocausto, faz com que seja uma tarefa perpétua defendermos a segurança do Estado de Israel", disse o chanceler federal Olaf Scholz dias após o ataque.
Mas Berlim mudou gradualmente de tom nos últimos seis meses, tornando-se cada vez mais crítica em relação à situação humanitária em Gaza e se manifestando contra uma ofensiva terrestre em Rafah.
bl (AFP, AP, dpa, Reuters)
A longa história do processo de paz no Oriente Médio
Por mais de meio século, disputas entre israelenses e palestinos envolvendo terras, refugiados e locais sagrados permanecem sem solução. Veja um breve histórico sobre o conflito.
Foto: PATRICK BAZ/AFP/Getty Images
1967: Resolução 242 do Conselho de Segurança da ONU
A Resolução 242 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, aprovada em 22 de novembro de 1967, sugeria a troca de terras pela paz. Desde então, muitas das tentativas de estabelecer a paz na região referiram-se a ela. A determinação foi escrita de acordo com o Capítulo 6 da Carta da ONU, segundo o qual as resoluções são apenas recomendações e não ordens.
Foto: Getty Images/Keystone
1978: Acordos de Camp David
Em 1973, uma coalizão de Estados árabes liderada pelo Egito e pela Síria lutou contra Israel no Yom Kippur ou Guerra de Outubro. O conflito levou a negociações de paz secretas que renderam dois acordos 12 dias depois. Esta foto de 1979 mostra o então presidente egípcio Anwar Sadat, seu homólogo americano Jimmy Carter e o premiê israelense Menachem Begin após assinarem os acordos em Washington.
Foto: picture-alliance/AP Photo/B. Daugherty
1991: Conferência de Madri
Os EUA e a ex-União Soviética organizaram uma conferência na capital espanhola. As discussões envolveram Israel, Jordânia, Líbano, Síria e os palestinos – mas não da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) –, que se reuniam com negociadores israelenses pela primeira vez. Embora a conferência tenha alcançado pouco, ela criou a estrutura para negociações futuras mais produtivas.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Hollander
1993: Primeiro Acordo de Oslo
Negociações na Noruega entre Israel e a OLP, o primeiro encontro direto entre as duas partes, resultaram no Acordo de Oslo. Assinado nos EUA em setembro de 1993, ele exigia que as tropas israelenses se retirassem da Cisjordânia e da Faixa de Gaza e que uma autoridade palestina autônoma e interina fosse estabelecida por um período de transição de cinco anos. Um segundo acordo foi firmado em 1995.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Sachs
2000: Cúpula de Camp David
Com o objetivo de discutir fronteiras, segurança, assentamentos, refugiados e Jerusalém, o então presidente dos EUA, Bill Clinton, convidou o premiê israelense Ehud Barak e o presidente da OLP Yasser Arafat para a base militar americana em julho de 2000. No entanto, o fracasso em chegar a um consenso em Camp David foi seguido por um novo levante palestino, a Segunda Intifada.
Foto: picture-alliance/AP Photo/R. Edmonds
2002: Iniciativa de Paz Árabe
Após Camp David, seguiram-se encontros em Washington e depois no Cairo e Taba, no Egito – todos sem resultados. Mais tarde, em março de 2002, a Liga Árabe propôs a Iniciativa de Paz Árabe, convocando Israel a se retirar para as fronteiras anteriores a 1967 para que um Estado palestino fosse estabelecido na Cisjordânia e em Gaza. Em troca, os países árabes concordariam em reconhecer Israel.
Foto: Getty Images/C. Kealy
2003: Mapa da Paz
Com o objetivo de desenvolver um roteiro para a paz, EUA, UE, Rússia e ONU trabalharam juntos como o Quarteto do Oriente Médio. O então primeiro-ministro palestino Mahmoud Abbas aceitou o texto, mas seu homólogo israelense Ariel Sharon teve mais reservas. O cronograma previa um acordo final sobre uma solução de dois estados a ser alcançada em 2005. Infelizmente, ele nunca foi implementado.
Foto: Getty Iamges/AFP/J. Aruri
2007: Conferência de Annapolis
Em 2007, o então presidente dos EUA George W. Bush organizou uma conferência em Annapolis, Maryland, para relançar o processo de paz. O premiê israelense Ehud Olmert e o presidente da ANP Mahmoud Abbas participaram de conversas com autoridades do Quarteto e de outros Estados árabes. Ficou acordado que novas negociações seriam realizadas para se chegar a um acordo de paz até o final de 2008.
Foto: picture-alliance/dpa/S. Thew
2010: Washington
Em 2010, o enviado dos EUA para o Oriente Médio, George Mitchell, convenceu o premiê israelense, Benjamin Netanyahu, a implementar uma moratória de 10 meses para assentamentos em territórios disputados. Mais tarde, Netanyahu e Abbas concordaram em relançar as negociações diretas para resolver todas as questões. Iniciadas em setembro de 2010, as negociações chegaram a um impasse dentro de semanas.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Milner
Ciclo de violência e cessar-fogo
Uma nova rodada de violência estourou dentro e ao redor de Gaza no final de 2012. Um cessar-fogo foi alcançado entre Israel e os que dominavam a Faixa de Gaza, mas quebrado em junho de 2014, quando o sequestro e assassinato de três adolescentes em mais violência. O conflito terminou com um novo cessar-fogo em 26 de agosto de 2014.
Foto: picture-alliance/dpa
2017: Conferência de Paris
A fim de discutir o conflito entre israelenses e palestinos, enviados de mais de 70 países se reuniram em Paris. Netanyahu, porém, viu as negociações como uma armadilha contra seu país. Tampouco representantes israelenses ou palestinos compareceram à cúpula. "Uma solução de dois Estados é a única possível", disse o ministro francês das Relações Exteriores Jean-Marc Ayrault, na abertura do evento.
Foto: Reuters/T. Samson
2017: Deterioração das relações
Apesar de começar otimista, o ano de 2017 trouxe ainda mais estagnação no processo de paz. No verão do hemisfério norte, um ataque contra a polícia israelense no Monte do Templo, um local sagrado para judeus e muçulmanos, gerou confrontos mortais. Em seguida, o plano do então presidente dos EUA, Donald Trump, de transferir a embaixada americana para Jerusalém minou ainda mais os esforços de paz.
Foto: Reuters/A. Awad
2020: Tiro de Trump sai pela culatra
Trump apresentou um plano de paz que paralisava a construção de assentamentos israelenses, mas mantinha o controle de Israel sobre a maioria do que já havia construído ilegalmente. O plano dobrava o território controlado pelos palestinos, mas exigia a aceitação dos assentamentos construídos anteriormente na Cisjordânia como território israelense. Os palestinos rejeitaram a proposta.
Foto: Reuters/M. Salem
2021: Conflito eclode novamente
Planos de despejar quatro famílias palestinas e dar suas casas em Jerusalém Oriental a colonos judeus levaram a uma escalada da violência em maio de 2021. O Hamas disparou foguetes contra Israel, enquanto ataques aéreos militares israelenses destruíram prédios na Faixa de Gaza. A comunidade internacional pediu o fim da violência e que ambos os lados voltem à mesa de negociações.
Foto: Mahmud Hams/AFP
2023: Terrorismo do Hamas e retaliações de Israel
No início da manhã de 7 de outubro, terroristas do grupo radical islâmico Hamas romperam barreiras em alguns pontos da Faixa de Gaza, na fronteira com Israel, e, em território israelense, feriram e mataram centenas de pessoas, além de sequestrarem mais de uma centena. Devido a isso, Israel declarou "estado de guerra" e iniciou uma série de bombardeios, deixando partes da Cidade de Gaza em ruínas.