Em gesto de reconciliação, governo alemão aceita devolver artefato mundialmente famoso à sua ex-colônia. A cruz, erguida na costa africana por exploradores portugueses em 1486, é um símbolo do passado colonial.
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A Alemanha anunciou a devolução à Namíbia de uma cruz de pedra secular. Embora o artefato seja de origem europeia, a ministra da Cultura alemã, Monika Grütters, afirmou nesta sexta-feira (17/05) que a decisão de devolver a cruz de pedra – a pedido da Namíbia – representa um gesto de reconciliação e um sinal de que a Alemanha trata de forma responsável seu passado colonial.
A cruz de pedra calcária com o brasão português erguida em 1486 em Cape Cross (Cabo Cross ou Cabo Cruz) na costa da atual Namíbia está exposta no Museu Histórico Alemão em Berlim. O país africano pediu o retorno do artefato em junho de 2017.
A restituição, provocada em parte por um simpósio de 2018 que o museu realizou sobre a história do objeto, faz parte de ações da Alemanha para enfrentar a responsabilidade moral de seu passado colonial.
O museu disse que, embora não seja uma obra de arte africana, o artefato é um exemplo de como "descendentes da Europa e da África podem se engajar num diálogo que faça justiça histórica". O museu reconheceu o "significado extraordinário que um artefato como este pilar tem para o povo da Namíbia e a contribuição especial que ele pode fazer no futuro para entender a história da Namíbia".
A cruz de pedra foi originalmente erguida pelo navegador português Diogo Cão em 1486 no litoral da atual Namíbia para marcar as reivindicações territoriais portuguesas, assim como para servir como um marcador de navegação.
Ela pesa 1,1 tonelada, tem 3,5 metros de altura e possui o brasão de armas portuguesas, além de inscrições em português e latim. Sua presença, juntamente à de outras cruzes, foi tão significativa que os mapas da época – como o mapa-múndi de Martin Waldseemüller, de 1500, por exemplo – apresentavam imagens das cruzes.
As cruzes também deram origem ao nome atual da costa: Cabo Cruz.
O artefato ficou em posse da Alemanha em 1893, quando o marinheiro Gottlieb Becker ao descobriu, ordenou sua remoção e retornou com ele à Alemanha, onde a cruz de pedra seguiu de Wilhelmshaven para Berlim.
O objeto foi presentado ao imperador Guilherme 2º, o último imperador alemão e Rei da Prússia até sua abdicação em 1918 com o fim da Primeira Guerra. Ele a usou para servir seus propósitos de propaganda em relação à superioridade naval do Império Alemão (1871-1918). O imperador também ordenou que fosse erguida uma nova cruz – esta estampada com a águia imperial alemã e uma inscrição alemã para substituir a original.
A cruz de pedra entrou na coleção do Museu da História Alemã da antiga Alemanha Oriental em 1953, e depois na do Museu Histórico Alemão após a Reunificação. Ela fazia parte da exposição permanente do museu desde 2006.
A Namíbia, que anteriormente era conhecida como Sudoeste Africano Alemão, foi uma colônia alemã de 1884 a 1915 – a independência como República da Namíbia veio somente em 21 de março de 1990.
A Alemanha demorou a reconhecer plenamente os capítulos mais sombrios de seu passado colonial, mas tem feito esforços recentes nesta direção. Embora o governo alemão tenha reconhecido oficialmente e pedido desculpas pelo genocídio de dezenas de milhares de homens, mulheres e crianças das etnias herero e nama entre 1904 e 1908, recusou-se a pagar indenizações e costuma chamar a atenção para os milhões concedidos ao longo dos anos em ajuda ao desenvolvimento da Namíbia.
PV/dpa/dw
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Sob o chanceler Otto von Bismarck, o Império Alemão estabeleceu colônias nos atuais territórios da Namíbia, Camarões, Togo, partes da Tanzânia e do Quênia. O imperador Guilherme 2°, coroado em 1888, procurou expandir ainda mais as possessões coloniais através da criação de novas frotas de navios. O império queria seu "lugar ao Sol", declarou Bernhard von Bülow, um chanceler posterior, em 1897.
Foto: picture alliance/dpa/K-D.Gabbert
Colônias alemãs
Foram adquiridos territórios no Pacífico (Nova Guiné do Norte, Arquipélago de Bismarck, Ilhas Marshall e Ilhas Salomão, Samoa) e na China (Qingdao). Em 1890, uma conferência em Bruxelas determinou que o Império Alemão obtivesse os reinos de Ruanda e Burundi, unindo-os à África Oriental Alemã. Até o final do século 19, as conquistas coloniais da Alemanha estavam praticamente concluídas.
Foto: picture-alliance / akg-images
Um sistema de desigualdade
Nas colônias, a população branca formava uma minoria pequena e altamente privilegiada – raramente mais de 1% da população. Em 1914, por volta de 25 mil alemães moravam nas colônias. Desses, pouco menos da metade vivia no Sudeste Africano Alemão. Os 13 milhões de nativos nas colônias germânicas eram vistos como subordinados, sem acesso a nenhum recurso da lei.
Foto: picture-alliance/dpa/arkivi
O primeiro genocídio do século 20
O genocídio praticado contra os hereros e os namas no Sudeste Africano Alemão, hoje Namíbia, foi o crime mais grave da história colonial da Alemanha. Durante a Batalha de Waterberg, em 1904, a maioria dos rebeldes hereros fugiu para o deserto, com as tropas alemãs bloqueando sistematicamente seu acesso à água. Estima-se que mais de 60 mil hereros morreram na ocasião.
Foto: public domain
Crime alemão
Somente 16 mil hereros sobreviveram à campanha de extermínio. Eles foram aprisionados em campos de concentração, onde muitos morreram. O número exato de vítimas nunca foi constatado e continua a ser um ponto de controvérsia. Quanto tempo esses hereros debilitados sobreviveram no deserto? De qualquer forma, eles perderam todos os seus bens, seu estilo de vida e suas perspectivas futuras.
Foto: public domain
Guerra colonial de longo alcance
De 1905 a 1907, uma ampla aliança de grupos étnicos se rebelou contra o domínio colonialista na África Oriental Alemã. Por volta de 100 mil locais morreram na revolta de Maji-Maji. Embora tenha sido, posteriormente, um tema pouco discutido na Alemanha, este capítulo permanece importante na história da Tanzânia.
Foto: Downluke
Reformas em 1907
Na sequência das guerras coloniais, a administração nos territórios alemães foi reestruturada com o objetivo de melhorar as condições de vida ali. Bernhard Dernburg, um empresário bem-sucedido (na foto sendo carregado na África Oriental Alemã), foi nomeado secretário de Estado para Assuntos Coloniais em 1907 e introduziu reformas nas políticas do Império Alemão para seus protetorados.
Foto: picture alliance/akg-images
Ciência e as colônias
Junto às reformas de Dernburg, foram estabelecidas instituições técnicas e científicas para lidar com questões coloniais, criando-se faculdades nas atuais universidades de Hamburgo e Kassel. Em 1906, Robert Koch dirigiu uma longa expedição à África para investigar a transmissão da doença do sono. Na foto, veem-se espécimes microscópicas colhidas ali.
Foto: Deutsches Historisches Museum/T. Bruns
Colônias perdidas
Derrotada na Primeira Guerra Mundial, em 1919, a Alemanha assinou o tratado de paz em Versalhes, especificando que o país renunciaria à soberania sobre suas colônias. Cartazes como o da foto ilustram o medo dos alemães de perder seu poder econômico, como também o temor da pobreza e miséria no país.
Foto: DW/J. Hitz
Ambições do Terceiro Reich
Aspirações coloniais ressurgiram sob Hitler – e não somente aquelas definidas no Plano Geral de Metas para o Leste, que delineou a colonização da Europa Central e Oriental através do genocídio e limpeza étnica. Os nazistas também almejavam recuperar as colônias perdidas na África, como evidencia este mapa escolar de 1938. Elas deveriam fornecer matérias-primas para a Alemanha.