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Alemanha espera demais do Brasil de Lula

Thomas Milz
Thomas Milz
7 de junho de 2023

Importantes nomes da política alemã acabam de visitar Brasília. Berlim segue procurando sua salvação nas supostamente promissoras relações com o Brasil. Mas no momento está difícil encontrar denominadores comuns.

Ministras Marina Silva e Annalena Baerbock em Brasília: seduzidas e desiludidas por Lula?Foto: Kira Hofmann/photothek/IMAGO

Quem lê as declarações enviadas através do Atlântico com destino a Brasília, antecipando a viagem dos ministros alemães do Exterior, Annalena Baerbock, e do Trabalho, Hubertus Heil, pensa logo num romance: "Mesmo um oceano inteiro não consegue nos separar, porque a América Latina e a Europa são parceiros naturais. Estamos unidos por uma infinidade de laços: nós vivemos em democracias, somos culturalmente próximos e lutamos por um sistema internacional baseado em regras e nos direitos humanos."

O que os alemães estão esperando, vem logo em seguida: "Raras vezes antes, nossos interesses econômicos e ambientais estiveram tão estreitamente entrelaçados."

Está claro que Berlim espera do governo de Luiz Inácio Lula da Silva uma reativação das relações bilaterais, após os quatro magros anos sob Jair Bolsonaro. A começar pelo tema proteção ambiental e climática.

Os primeiros cinco meses do governo Lula, contudo, fazem esfregar os olhos de incredulidade. Não só nada da prometida ofensiva em defesa do meio ambiente brasileiro: no Congresso, onde ele está sujeito à maioria encabeçada pelo ultrapragmático Arthur Lira, a agenda ambiental lulista está sendo ativamente desmontada.

A parca resistência do líder de 77 anos faz temer que Marina Silva, o álibi verde do governo, vá em breve entregar os pontos, como fez em 2008. E pelos mesmos motivos, ou seja: a constatação de que Lula não leva tão a sério assim a agenda verde.

Do ponto de vista ideológico e retórico, o ex-sindicalista ainda está, antes, postado diante dos portões da fábrica em São Bernardo do Campo. Agora a ideia é energizar a claudicante economia nacional com uma subvenção para "carros populares" – os quais, aliás, não são fuscas, mas sim automóveis com valores entre 60 e 120 mil reais.

Democracia e direitos humanos – só até certo ponto

Se Lula não é capaz de cumprir o prometido no meio ambiente, então muito menos na tão postulada por Baerbock coincidência de interesses em termos de democracia e direitos humanos. As últimas semanas mostraram que o presidente – como muitos de seus colegas latino-americanos, aliás – não se deixa recrutar para a defesa da democracia e dos direitos humanos, sobretudo na Ucrânia.

O mesmo vale para a própria América Latina, onde ditaduras como a da Venezuela são cortejadas. O chileno Gabriel Boric, moderno e provido de uma bússola moral correta, permanece a exceção entre os esquerdistas da região. Em contrapartida, no caso de Lula e Celso Amorim, seu conselheiro-chefe em questões de política externa, uma goma de antiamericanismo arcaico emperrou completamente o compasso moral.

Não conta mais o fato de terem sido os europeus ocidentais e os americanos que desaconselharam Bolsonaro e seus militares de perpetrarem um golpe contra a democracia brasileira. Agora os preferidos são Moscou e Pequim, para quem democracia e direitos humanos são conceitos desconhecidos. Possivelmente também por ambos estarem tão longe, que tanto faz o que aconteça por lá.

Ao que tudo indica, Berlim não percebeu como pensam amplos círculos da esquerda brasileira (e também latino-americana). Lá, há muito a social-democracia alemã é vista como algo que se vendeu aos capitalistas da pior espécie, como puxa-saco dos imperialistas ianques.

Estes, com sua guerra híbrida, estariam por trás dos protestos de junho de 2013 no Brasil, da Operação Lava-Jato, inclusive os processos contra Lula, da Primavera Árabe, do Euromaidan na Ucrânia e da suposta perseguição política a Cristina Kirchner, Dilma Rousseff e Evo Morales. Para a citada parcela da esquerda, Vladimir Putin é uma vítima, Volodimir Zelenski é palhaço dos americanos. É ilusório achar que Lula possa ser capturado e trazido para a ala ocidental.

O enigma de um amor cego

A ministra Baerbock prossegue: "Queremos tecer uma rede densa e sustentável também através do Atlântico. Para isso, o Acordo de Livre Comércio com as nações do Mercosul seria um grande passo à frente."

Já lá se vão 20 anos que a União Europeia e o Mercosul estão burilando esse pacto. Recentemente a UE apertou ainda mais as exigências ambientais, para profunda ira de Lula. Com razão: tem-se a impressão de que, impondo condições sempre novas, a Europa esconde sua total falta de vontade de fechar esse acordo.

Por outro lado, Lula ameaça enterrar o Acordo de Livre Comércio, caso a UE insista na abertura das compras governamentais brasileiras a empresas estrangeiras. Trata-se de velhas receitas de um velho cavalo-de-batalha da esquerda, que soam totalmente anacrônicas. Da mesma forma que a ideia do petista de uma moeda comum com a desolada Argentina, onde também se gosta de atribuir aos americanos a culpa pela própria imcompetência econômica.

Dos dois parceiros menores do Mercosul, Uruguai e Paraguai, só dá mesmo para ter pena: Assunção torce, de respiração presa, pelos negócios com a Europa, os quais parece que nunca vão chegar; Montevidéu já se movimenta sozinho em direção à China.

Apesar de tudo, Berlim segue procurando sua salvação nas supostamente promissoras relações com o Brasil. Claro, o país é a principal economia da América Latina. Mas no momento está difícil encontrar denominadores comuns.

No igualmente importante México, onde a economia prospera e novas tecnologias, também ecológicas, são desenvolvidas em velocidade meteórica, é grande o espanto de que a Alemanha continue tão apaixonada pelo Brasil. O amor parece que é realmente cego.

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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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Realpolitik

Depois de uma década em São Paulo, Thomas Milz mudou-se para o Rio de Janeiro, de onde escreve sobre a política brasileira sob a perspectiva de um alemão especializado em Ciências Políticas e História da América Latina.