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Alemanha estudou usar arma química na Guerra Fria

Jennifer Lange | Christoph Heinzle | Lena Gürtler | Gabor Halasz md
3 de maio de 2018

Apesar da proibição por leis internacionais, militares alemães planejaram na década de 1960 o uso de gases venenosos. Revelação foi feita após descoberta de documentos secretos da Bundeswehr e do governo dos EUA.

Mapa militar mantido em segredo mostra planejamento de combates usando gases venenosos
Mapa militar mantido em segredo mostra planejamento de combates usando gases venenososFoto: Bundesarchiv Freiburg

Guerra, nunca mais; Auschwitz, nunca mais; armas químicas, nunca mais: foi esse o juramento da jovem República Federal da Alemanha após os horrores das duas guerras mundiais.

Foi o Império alemão a usar pela primeira vez gás venenoso, na Primeira Guerra Mundial. Foram, além disso, químicos alemães que desenvolveram a maioria dos gases com fins bélicos – incluindo o Zyklon B, usado pelo regime nazista até 1945 em campos de extermínio.

Mas, menos de 20 anos depois, o governo da Alemanha Ocidental planejava quebrar o tabu. Em 1961, a República Federal lançou um debate em reuniões secretas da Otan, exigindo que não apenas os EUA tivessem a capacidade de possuir e retaliar com armas nucleares.

"Não podemos abrir mão desses meios", disse o então inspetor-geral das Forças Armadas alemãs (Bundeswehr), Friedrich Foertsch.

No caso de um ataque soviético, a Otan contava com a utilização de armas químicas pelos países do Pacto de Varsóvia. Isso é comprovado por documentos do Exército alemão e do governo americanos mantidos secretamente por décadas e que foram analisados por uma equipe de repórteres das emissoras públicas alemãs NDR e WDR e do jornal bávaro Süddeutsche Zeitung.

Os documentos mostram que em 1963 o então ministro da Defesa da Alemanha Ocidental, Kai-Uwe von Hassel, pediu secretamente ao governo dos EUA o fornecimento de munições químicas. O Pentágono se mostrou, a princípio, disposto a atender ao pedido.

"Surpreendentemente, os militares dos EUA não entenderam que aquela era uma questão sensível", diz o historiador militar americano Reid Kirby. "Para eles, se tratava apenas de um sistema bélico qualquer."

Mas o Departamento de Estado dos EUA expressou sérias preocupações. "Foi uma situação muito séria, um grande problema político", lembra o então assessor do governo dos EUA e especialista em armas químicas, Matthew Meselson. "Era realmente um problema, e só o presidente podia tomar uma decisão."

Soldados alemães treinam nos anos 60 usando máscaras de gásFoto: ZDF

A posição dos EUA foi discutida detalhadamente. Finalmente, em 1966, o então governo Lyndon Johnson se decidiu contra o fornecimento, mas deixou em aberto a possibilidade de fornecer armas químicas a seus aliados em caso de guerra.

Em paralelo, o Exército alemão planejou detalhadamente a possível utilização de armas químicas, dentro de um pequeno círculo de oficiais graduados, de 1962 até pelo menos 1968 – sob instrução do inspetor-geral e após consultas com o ministro da Defesa e secretários de Estado.

Os militares propuseram, segundo os documentos, que 14 mil toneladas de armas químicas fossem obtidas dos EUA pelas Forças Armadas alemãs (Bundeswehr), para serem usadas caso necessário, por artilharia e Força Aérea, contra soldados do bloco soviético.

Em 1966, foi fundado o grupo secreto de estudo ABC-Wesen em Sonthofen, na Baviera. A equipe de peritos realizou em 1967 o plano de estudo chamado Damokles, em que foram realizados exercícios militares de batalhas com armas químicas na região em torno d Braunschweig, no norte da Alemanha. Em 1968, o então ministro da Defesa, Gerhard Schröder (que não tem relação de parentesco com o ex-chanceler Gerhard Schröder), decidiu que "por enquanto" não haveria "preparação alguma para um uso ativo de armas químicas pelas Forças Armadas", mas que o grupo de estudos deveria continuar a lidar com o assunto.

Assunto: armas químicas e biológicas; documento do governo americano confirma a solicitação alemãFoto: US National Archives/Harvard Sussex Programme

Avaliando hoje a situação, o ex-chefe do gabinete do então ministro da Defesa, que viria a se tornar mais tarde chefe do serviço alemão de inteligência externa BND, Hans-Georg Wieck, diz que os planos parecem "plausíveis e corretos" num cenário de ameaça.

Já o ex-inspetor-geral das Forças Armadas alemãs Wolfgang Altenburg afirma estar "surpreso com a intensidade e o período de tempo em que eles lidaram" com a questão. O historiador militar americano Reid Kirby, por sua vez, diz que foi "uma investigação muito séria da Alemanha Ocidental para integrar armas químicas às Forças Armadas", com um detalhado planejamento logístico.

O governo alemão e as Forças Armadas sempre negaram veementemente o planejamento da posse e uso de armas químicas. Na época, rejeitaram denúncias feitas em reportagens publicadas em 1968 e 1970.

Acordos internacionais proibiam a produção e o uso de armas químicas pela Alemanha. De acordo com os documentos descobertos, juristas do governo justificaram os planos secretos com o argumento de que armas de gás venenoso, seu armazenamento e um ataque retaliatório com armas químicas seriam permitidos, caso o inimigo usasse essas armas antes essas armas.

Indagado pela reportagem, o Ministério da Defesa da Alemanha afirmou que não possui informações sobre os planos, devido ao tempo em que eles teriam ocorrido. "Hoje, não existem armas químicas em solo alemão, nem sob responsabilidade alemã nem dos aliados da Otan", assegurou, em nota.

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