Alemanha julga jovem por crimes de guerra na Síria
Alexandra von Nahmen (fc) 2 de maio de 2016
Pela primeira vez, um tribunal do país delibera sobre crimes de guerra praticados por alemão que se juntou a extremistas islâmicos: acusado posou para fotos com cabeças cortadas e as postou no Facebook.
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Pela primeira vez, uma pessoa que retornou da Síria à Alemanha vai responder na Justiça por crimes de guerra. De acordo com a acusação, o cidadão alemão Aria L. viajou no início de 2014 ao país árabe para se juntar a extremistas islâmicoss e teria sido treinado com armas e participado da luta armada contra o regime do ditador Bashar al-Assad.
A acusação se concentra em um fato: em meados de abril de 2014, o jovem, de 21 anos, posou para fotos perante as cabeças cortadas de duas pessoas e, em seguida, as publicou no Facebook. As cabeças foram colocadas sob barras de metal e apresentadas como troféus.
Segundo a Procuradoria-Geral da Alemanha, Aria L. tratou de forma gravemente degradante e humilhante pessoas protegidas pelo direito internacional humanitário. Por essas razões, o órgão o acusou de crimes de guerra. O processo tem início nesta terça-feira (03/05), no Tribunal Regional de Frankfurt.
Muitas informações sobre o acusado ainda não são conhecidas. Segundo relatos da mídia, ele teria se radicalizado na região do Reno-Meno – um dos centros do salafismo na Alemanha. E, depois, fez uma peregrinação à Meca, mudou de nome e, então, realizou uma viagem para aderir à jihad – um padrão já conhecido pelas autoridades.
"A cena salafista sabe como abusar dos jovens", afirma Thomas Mücke, chefe da Violence Prevention Network, associação que apoia pais cujos filhos se radicalizaram e trabalha com os jovens que retornaram da Síria. "A maioria é recrutada pelos amigos de mesma idade. Eles estão em busca de apoio, orientação e comunidade. E tudo isso eles acreditam encontrar nos extremistas", afirma.
Sangue nas mãos?
Quando chegam à guerra civil, muitos deles experimentam então um choque de realidade. A pressão por obediência é enorme. Mas Mücke também alerta: "Quem cometeu na Síria graves atos de violência já era, antes da viagem, violento."
Porém, provar quais pessoas retornaram da região com "sangue nas mãos", como formulou o procurador-geral Peter Frank, é extremamente difícil. Segundo ele, o problema consiste em obter evidências da zona de guerra síria.
No momento, quatro unidades da Procuradoria-Geral da Alemanha cuidam de casos de alemães jihadistas na Síria. Os primeiros julgamentos já ocorreram, mas só neste ano a onda de processos pôde de fato avançar.
Atualmente, cerca de 130 processos tramitam contra cerca de 200 acusados. Até agora, a maioria dos casos é de acusações por causa de associação e apoio a uma organização terrorista. O Departamento Federal de Investigações (BKA, serviço secreto alemão) investiga 13 possíveis casos de crimes de guerra.
À espera de mais processos
"Se houver evidências de crimes de guerra, a Justiça alemã tem que julgar", afirma o especialista em direito internacional Christian Tomuschat, acrescentando que é absolutamente indiferente se o acusado é um cidadão alemão e o local da realização do crime. Tais processos – como contra os crimes de guerra na África – não são um território novo para os juristas alemães.
"Porém, esses processos são complicados e difíceis", afirma Tomuschat. "Eles sobrecarregam a administração da Justiça." Isso porque as testemunhas precisam ser levadas das zonas de guerra à Alemanha, tradutores precisam ser contratados, e hotéis, reservados.
O jurista acredita ser extraordinária a acusação contra Aria L., que depois de seu retorno à Alemanha, em outubro de 2015, foi preso por uma unidade especial e, desde então, está sob custódia.
"Se posar perante cabeças cortadas de pessoas mortas já preenche a infração de um crime de guerra, é uma questão de interpretação", afirma o especialista em direito internacional.
"Estado Islâmico": de militância sunita a califado
Origens do grupo jihadista remontam à invasão do Iraque, em 2003. Nascido como oposição ao domínio xiita e inicialmente um braço da Al Qaeda, EI passou por mudanças e virou uma ameaça internacional.
Foto: picture-alliance/AP Photo
A origem do "Estado Islâmico"
A trajetória do "Estado Islâmico" (EI) começou em 2003, com a derrubada do ditador iraquiano Saddam Hussein pelos EUA. O grupo sunita surgiu a partir da união de diversas organizações extremistas, leais ao antigo regime, que lutavam contra a ocupação americana e contra a ascensão dos xiitas ao governo iraquiano.
Foto: picture-alliance/AP Photo
Braço da Al Qaeda
A insurreição se tornou cada vez mais radical, à medida que fundamentalistas islâmicos liderados pelo jordaniano Abu Musab al Zarqawi, fundador da Al Qaeda no Iraque (AQI), infiltraram suas alas. Os militantes liderados por Zarqawi eram tão cruéis que tribos sunitas no Iraque ocidental se voltaram contra eles e se aliaram às forças americanas, no que ficou conhecido como "Despertar Sunita".
Foto: AP
Aparente contenção
Em junho de 2006, as Forças Armadas dos EUA mataram Zarqawi numa ofensiva aérea e ele foi sucedido por Abu Ayyub al-Masri e Abu Omar al-Bagdadi. A AQI mudou de nome para Estado Islâmico do Iraque (EII). No ano seguinte, Washington intensificou sua presença militar no país. Masri e Bagdadi foram mortos em 2010.
Foto: AP
Volta dos jihadistas
Após a retirada das tropas dos EUA do Iraque, efetuada entre junho de 2009 e dezembro de 2011, os jihadistas começaram a se reagrupar, tendo como novo líder Abu Bakr al-Bagdadi, que teria convivido e atuado com Zarqawi no Afeganistão. Ele rebatizou o grupo militante sunita como Estado Islâmico do Iraque e do Levante (EIIL).
Foto: picture alliance/dpa
Ruptura com Al Qaeda
Em 2011, quando a Síria mergulhou na guerra civil, o EIIL atravessou a fronteira para participar da luta contra o presidente Bashar al-Assad. Os jihadistas tentaram se fundir com a Frente Al Nusrah, outro grupo da Síria associado à Al Qaeda. Isso provocou uma ruptura entre o EIIL e a central da Al Qaeda no Paquistão, pois o líder desta, Ayman al-Zawahiri, rejeitou a manobra.
Foto: dapd
Ascensão do "Estado Islâmico"
Apesar do racha com a Al Qaeda, o EIIL fez conquistas significativas na Síria, combatendo tanto as forças de Assad quanto rebeldes moderados. Após estabelecer uma base militar no nordeste do país, lançou uma ofensiva contra o Iraque, tomando sua segunda maior cidade, Mossul, em 10 de junho de 2014. Nesse momento o grupo já havia sido novamente rebatizado, desta vez como "Estado Islâmico".
Foto: picture alliance / AP Photo
Importância de Mossul
A tomada da metrópole iraquiana Mossul foi significativa, tanto do ponto de vista econômico quanto estratégico. Ela é uma importante rota de exportação de petróleo e ponto de convergência dos caminhos para a Síria. Mas a conquista da cidade é vista como apenas uma etapa para os extremistas, que pretenderiam avançar a partir dela.
Foto: Getty Images
Atual abrangência do EI
Além das áreas atingidas pela guerra civil na Síria, o EI avançou continuamente pelo norte e oeste iraquianos, enquanto as forças federais de segurança entravam em colapso. No fim de junho, a organização declarou um "Estado Islâmico" que atravessa a fronteira sírio-iraquiana e tem Abu Bakr al-Bagdadi como "califa".
Foto: Reuters
As leis do "califado"
Abu Bakr al-Bagdadi impôs uma forma implacável da charia, a lei tradicional islâmica, com penas que incluem mutilações e execuções públicas. Membros de minorias religiosas, como cristãos e yazidis, deixaram a região do "califado" após serem colocados diante da opção: converter-se ao islã sunita, pagar um imposto ou serem executados. Os xiitas também eram alvo de perseguição.
Foto: Reuters
Guerra contra o patrimônio histórico
O EI destruiu tesouros arqueológicos milenares em cidades como Palmira (foto), na Síria, ou Mossul, Hatra e Nínive, no Iraque. Eles diziam que esculturas antigas entram em contradição com sua interpretação radical dos princípios do Islã. Especialistas afirmam, porém, que o grupo faturou alto no mercado internacional com a venda ilegal de estátuas menores, enquanto as maiores eram destruídas.
Foto: Fotolia/bbbar
Ameaça terrorista
Durante suas ofensivas armadas, o "Estado Islâmico" saqueou centenas de milhões de dólares em dinheiro e ocupou diversos campos petrolíferos no Iraque e na Síria. Seus militantes também se apossaram do armamento militar de fabricação americana das forças governamentais iraquianas, obtendo, assim, poder de fogo adicional.