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Alemanha luta contra falta de médicos no interior

20 de maio de 2023

Ser médico de família numa pequena cidade é exaustivo e não tem o glamour do trabalho como especialista numa clínica. Governo alemão tenta reverter a falta de profissionais no interior.

O médico Stefan Lichtinghagen atende paciente em seu consultório em Marienheide
O médico Stefan Lichtinghagen atende os mais diversos casos no seu consultórioFoto: Oliver Pieper/DW

O médico Stefan Lichtinghagen tinha no pai, que também era médico, um exemplo do que não queria ser. O pai teve, ao longo de 32 anos, era médico de família e tinha um consultório na pequena cidade de Marienheide, a 50 km de Colônia, na Alemanha.

Quando, cerca de 20 anos atrás, ele procurava um sucessor, o consultório acabou ficando com o filho, que é gastroenterologista e tinha planos bem diferentes para a própria vida.

"Meu pai começava a trabalhar cedo da manhã e ia até de noite. Eu o via pouco e pensava que jamais iria querer uma profissão como aquela. Hoje trabalho quase tanto como ele", diz Lichtinghagen, com um sorriso.

Os mais diversos casos

Pela manhã, Lichtinghagen diagnosticara uma apendicite numa jovem de 20 anos, que havia sido enviada para ele pela emergência, com o diagnóstico de cistite.

Ele também tratou os problemas respiratórios de um jovem da vizinhança que ele já conhecia desde os tempos do grupo de jovens da igreja. E ainda cuidou da laceração sofrida por uma idosa de 91 anos. Ela caiu e bateu a cabeça após sofrer uma tontura quando trabalhava no jardim.

Com seus 3.300 pacientes, Lichtinghagen chega facilmente a 50 horas diárias de trabalho. Mesmo assim, nunca se arrependeu da decisão que tomou. Principalmente por causa da gratidão dos pacientes, cujo histórico de doenças ele sabe de cor.

Mesmo sem querer fazê-lo, Lichtinghagen acabou seguindo os passos do paiFoto: Oliver Pieper/DW

Faltam médicos de família

Lichtinghagen assumiu o consultório do pai em 2005, junto com uma colega - sozinho ele não o teria feito, diz. Mas cada vez menos jovens médicos optam por ser médico de família na Alemanha. Um estudo da Fundação Robert Bosch afirma que, até 2035, 11 mil vagas estarão desocupadas.

E isso tem consequências dramáticas para a Alemanha: 40% dos municípios estão ameaçados pela carência de médicos. E a tendência é de alta, pois cada um em cada três médicos de família tem mais de 60 anos e está perto da aposentadoria.

Já hoje Lichtinghagen e sua equipe atendem algumas pessoas que moram até 25 km do consultório. A equipe não tem como atender novos pacientes. "Todos os dias temos até cinco pedidos. Rejeitamos sem pensar duas vezes, nem marido e filhos aceitamos mais", diz o médico.

Cota para atender regiões carentes

A Alemanha, que é conhecida pela boa medicina, pode se tornar um paciente crônico, principalmente no interior. O governo tenta reverter a tendência e oferece incentivos para atrair médicos para as pequenas cidades. O ministro da Saúde, Karl Lauterbach, defende que sejam criadas 5 mil vagas para estudantes de medicina, com o objetivo de atender adequadamente a geração dos baby boomers.

O Ministério da Saúde da Alemanha disponibilizou 23 milhões de euros, em diversos projetos, para tentar combater a carência de médicos no interior. A coalizão de governo concordou em reduzir significativamente o tempo de esperar para atendimento, especialmente para crianças e adolescentes, mas também em regiões rurais e de infraestrutura pouco desenvolvida.

Dos 16 estados alemães, nove já implementaram a chamada cota de médicos do interior: até 10% das vagas para estudar medicina são concedidas sob a condição de trabalho dez anos numa região de atendimento médico precário, e mesmo uma nota geral ruim no fim do ensino médio não é impedimento para conseguir a vaga [Na Alemanha, vagas nas universidades dependem de o candidato obter uma nota geral mínima na prova que é feita ao fim do ensino médio, chamada de Abitur].

Lichtinghagen, que inicialmente via a cota com desconfiança, hoje a vê como um primeiro passo na direção correta. "Inicialmente eu pensava que você não pode condenar um jovem de 18, 19, 20 anos a ser médico de família se ele, na faculdade, de repente descobrir que artroscopia é sua paixão", explica. "Mas temos de fazer algo: podemos conseguir médicos especialistas de outras maneiras, mas sem médicos de família não dá. Fico até espantado que a revolta na população não seja maior."

"A melhor coisa que eu conheço"

Há cerca de dois anos, o clínico geral Klaus Korte talvez fosse o médico de família mais importante da Alemanha. O consultório dele fica em Ahrbrück, no vale do Ahr, uma região que foi fortemente atingida por uma inundação que tirou a vida de 134 pessoas, além de deixar um rastro de destruição, até hoje visível.

O consultório de Korte também foi destruído pela força das águas, e ele manteve o atendimento de emergência de forma provisória, por seis semanas, numa escola.

"Ser médico de família é a melhor coisa que eu conheço. As pessoas aqui na região me conquistaram nesses últimos 20 anos, mas nesses dois anos depois da enchente mais ainda. Esses milhares de atingidos aqui no Ahr nos aproximaram de uma outra forma."

Klaus Korte (c) enalte a proximidade entre paciente e médicos no interiorFoto: Klaus Korte

Tanto que o médico continua cuidando de pacientes que hoje moram a até 100 km de distância, em alojamentos provisórios. E, quando estes vão visitar a obra da nova residência, aproveitam para marcar uma consulta com o médico em que mais confiam.

E isso que Ahrbrück é uma das cidades na Alemanha que sofrem com a carência de médicos. Quando Korte começou, há 20 anos, havia cinco consultórios na pequena cidade. Hoje há dois.

Fundamental, e mesmo assim discriminado

Korte conhece os preconceitos contra os médicos de família: os colegas que falavam depreciativamente de médicos de segunda classe. Os professores na faculdade que falam "isso até um médico de interior tem que saber". Ou os clínicos que exclamam: "Meu Deus, o que foi que o médico de família fez desta vez?"

Korte não dá bola. Para ele, o médico de família é como um goleiro, que precisa estar sempre atento. "Aqui não tem médico-chefe nem especialista para perguntar. Nós mesmos temos que tomar as decisões corretas para impedir desdobramentos graves, tanto em doenças cardiovasculares como no diagnóstico de tumores. Claro, não fazemos medicina invasiva nem terapia intensiva, mas num consultório de médico de família pode-se salvar vidas, e não são poucas", afirma.

E há mais um aspecto. Korte diz que pode tratar seus pacientes de uma maneira bem diferente, pois conhece o histórico de doenças da família - por exemplo o pai que morreu de câncer há três anos.

"Não há ramo da medicina em que se está tão próximo do paciente como o médico de família. Ele é o coração da medicina ambulatorial na Alemanha. Ele é a base, e se falta a base, todo o prédio vem abaixo."