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Alemanha não votou pela mudança

Astrid Prange de Oliveira | Autorenfoto DW Brasil
Astrid Prange de Oliveira
28 de setembro de 2021

A nova Angela Merkel chama-se Olaf Scholz. O social-democrata continua de onde a chanceler parou. Politicamente, portanto, pouca coisa vai mudar na Alemanha, mesmo que os verdes entrem no governo, escreve Astrid Prange.

Scholz imita o gesto de losango com as mãos que é marca registrada de MerkelFoto: Bernd Thissen/dpa/picture alliance

A Alemanha votou, e a União Democrata Cristã (CDU) de Merkel perdeu. Para que não haja medo de um terremoto político, gostaria de deixar muito claro no início desta coluna: não haverá deslocamento para a esquerda nem uma mudança radical na Alemanha.

São infundados todos os temores de um futuro em que apenas turbinas eólicas estejam em funcionamento na Europa Central ou que apartamentos sejam expropriados para conter a explosão no preço dos aluguéis. Até mesmo Angela Merkel seguirá no cargo enquanto perdurarem as negociações para uma nova coalizão e um novo governo ainda não tiver sido formado.

Especula-se nas redes sociais inclusive que a chanceler federal ainda poderá fazer seu tradicional discurso de Ano Novo na televisão – na última eleição federal, em 2017, os partidos precisaram de seis meses para formar uma coalizão de governo.

Mudança sim, mas não muito

É um paradoxo: na Alemanha nada mudará por enquanto. A mudança prometida não se concretiza. E isso independentemente de todos os partidos afirmarem o oposto na campanha eleitoral e pintarem as eleições federais como uma encruzilhada política.

Na realidade, porém, o resultado do Partido Social-Democrata (SPD), que ficou em primeiro com 25,7% dos votos, foi um voto pela continuidade da política de Merkel. O candidato a chanceler do SPD, Olaf Scholz, que pertence à ala direitista de seu partido, se apresentou como a versão masculina de Merkel e até imitou o "Merkel-Raute", o gesto com as mãos em formato de losango que é a marca registrada da chanceler.

Como ministro das Finanças nos últimos quatro anos, que se sentou à mesa do gabinete de Merkel, sua mensagem foi: nada de experimentos, quem vota no SPD escolhe a política econômica e financeira da grande coalizão que conduziu o país durante a pandemia.

Uma indicação de que essa estratégia foi bem-sucedida é a migração massiva de eleitores da CDU para o SPD. De acordo com o instituto de pesquisas Infratest Dimap, a CDU perdeu quase 2 milhões de votos para o SPD, incluindo eleitores regulares.

A derrota histórica da CDU de Merkel, que registrou o pior resultado da história da legenda, não pode ser explicada por um suposto desejo de mudança na sociedade. Pelo contrário, muitos eleitores parecem querer manter o curso de Merkel e, por isso, votaram no SPD.

Distanciamento de Merkel de seu próprio partido

É uma constatação política: em seu mandato de 16 anos, a chanceler se afastou cada vez mais de posições outrora tradicionais da CDU. Um desenvolvimento que deixa vários membros da CDU ressentidos com ela até hoje.

Agora, os social-democratas e os verdes querem assumir o governo. Mas como os dois partidos juntos contam com apenas 40,5% dos votos, eles precisam de um terceiro parceiro de coalizão para garantir maioria no Parlamento. É muito provável que eles acabem formando um governo com o Partido Liberal Democrático (FDP, na sigla em alemão) em uma "coalizão semáforo" (chamada assim por causa da combinação de cores adotadas pelos partidos: vermelho-amarelo-verde), que conta com o apoio de uma clara maioria da população.

Para os verdes e seus apoiadores, isso significa a amarga percepção de que não haverá uma reviravolta revolucionária em termos de proteção climática. Porque os liberais estão convencidos de que a proteção do clima só pode ser promovida no âmbito da economia de mercado e não por meio de intervenção estatal. Os liberais repetem isso como um mantra.

O tédio é um luxo

Foi a mesma coisa nos últimos 16 anos sob Merkel: ela também tirou o pé do acelerador ao abordar o tema da proteção climática a pedido do seu próprio partido ou dos liberais, com os quais ela governou o país em uma coalizão entre 2009 a 2013. Se tivesse a intenção de continuar por mais um mandato, Merkel também teria que melhorar a abordagem da proteção climática.

Portanto, a mudança política é uma tarefa árdua. Os possíveis parceiros de coalizão provavelmente só conseguirão dar pequenos passos, mesmo que um senso de urgência seja necessário quando se trata de proteção climática.

A preferência alemã por continuidade e estabilidade, se não pelo tédio, é um luxo que poucos países podem se dar. Ou até um sedativo. O novo governo deve realizar a façanha política de vender mudança como continuidade. Só assim para a Alemanha ter alguma sacudida.

Com este prognóstico cauteloso, digo adeus. Acompanhei as eleições alemãs com a minha coluna Alemanha Vota e fiquei muito feliz com os muitos comentários nos meus textos. Obrigada pelo carinho e pelo olhar carinhoso sobre a Alemanha. Até breve, caros brasileiros!

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Astrid Prange de Oliveira trabalhou como correspondente no Brasil e na América Latina por oito anos. Para a DW Brasil, ela escreveu a coluna Caros Brasileiros durante três anos. Com a coluna Alemanha vota ela retornou como observadora da campanha eleitoral alemã. Siga a jornalista no Twitter: @aposylt

O texto reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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