Alemanha tem 15 mil "escravos modernos"
24 de maio de 2005A maioria dos alemães imagina que o trabalho forçado é um problema restrito aos países em desenvolvimento e se recusa a entender que isso é uma realidade dentro de sua própria nação.
Um estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) denominado "Tráfico humano e exploração na Alemanha" mostrou que 360 mil dos 12,3 milhões de pessoas mundialmente categorizadas como 'escravos modernos' vivem em países industrializados, e estima-se que 15 mil delas estão em solo germânico – um país que não tem um salário mínimo definido.
O que é um 'escravo moderno'?
"O termo 'trabalho forçado' se refere a uma situação na qual a pessoa é explorada contra sua vontade e forçada a trabalhar sob condições que ela não aceitaria voluntariamente", explica Norbert Cyrus, autor do estudo.
Isto descreve a situação de vítimas pobres e sem poder que são intimidadas e algumas vezes até violentadas. Nos piores casos dentro da Alemanha, imigrantes são hospedados em quartos simples e sem higiene que abrigam até 20 pessoas, e trabalham 80 horas por semana por salários miseráveis que eles esperam meses para receber – quando recebem.
Globalmente, o rendimento com tal atividade chega a 25 bilhões de euros por ano, sendo que 50% são embolsados pelos países ocidentais industrializados.
Na Alemanha, dois terços desta mão-de-obra é feminina. Aproximadamente 60% do trabalho forçado está relacionado à indústria do sexo com mulheres de países como Colômbia, Gana, Tailândia e Ucrânia, forçadas a se prostituir depois de chegar ao país iludidas por falsas promessas.
Problema identificado, ajuda às vítimas
De acordo com o Centro de Coordenação Contra o Tráfico Feminino (KOK), em Potsdam, uma medida que pode solucionar o problema é aumentar a consciência dos policiais para que os casos de escravidão possam ser facilmente identificados.
"Durante uma batida num bordel, os policiais precisam perceber que algumas das mulheres não estão ali voluntariamente, mas em alguns casos isso é muito difícil", diz o diretor do KOK.
"Os policiais precisam se tornar sensíveis a estas situações por meio de treinamentos adicionais. Aí estas mulheres podem ser levadas a centros de aconselhamento que podem dar a elas apoio jurídico."
Medo de represálias e, na pior das hipóteses, deportação, entretanto, são fatores que impedem as vítimas de buscar ajuda.
"Várias dessas mulheres estão traumatizadas, e centros de ajuda podem oferecer a elas proteção e apoio social. Sozinhas, elas não conseguem ajuda – não falam o idioma e não têm condições de fazer contato com o mundo lá fora", argumenta Tanis, do KOK.
Trabalho como mercadoria
O problema na verdade é que – como as prostitutas estrangeiras – nem todas as pessoas que trabalham em condições que as caracterizam como 'escravos modernos' sentem a necessidade de fugir ou ir embora.
"Eles nem se sentem como vítimas", afirma Tanis. "Pensam que estão ganhando dinheiro para guardar ou mandar para casa."
Outras indústrias também fazem parte do problema, como o corte de carnes, a construção civil, a agricultura, a gastronomia e as atividades no ramo têxtil. Agências de recrutamento no Leste Europeu, por exemplo, cadastram trabalhadores para ganhar na Alemanha mais do que recebem em seus países. Mas o que se anuncia corresponde muito pouco à realidade que as pessoas encontram.
Norbert Cyrus explica que muitos se submetem à situação motivados pela crença de que qualquer emprego é melhor do que nenhum emprego. "A esperança de crescimento e mudança os motiva", diz. "Outra razão para que estas pessoas aceitem condições desumanas de trabalho é porque acreditam não ter outra alternativa."
"Globalização justa"?
Na Alemanha, o mercado do corte de carnes, em particular, escancara a essência do trabalho escravo – já que há uma forte competição entre os supermercados num mercado saturado.
Só no ano passado, 26 mil pessoas perderam no país seus empregos para trabalhadores da Hungria, Polônia, Romênia e Eslováquia, que recebiam dois euros por hora de trabalho.
"Desenvolveu-se uma indústria bilionária [no setor do corte de carnes], com estruturas mafiosas, dumping salarial e moderna escravidão", dispara Matthias Brümmer, do sindicato NGG, em entrevista a um jornal local.
Cyrus apressa-se em destacar que a ampliação da União Européia não é a origem do problema. Referindo-se à necessidade de uma "globalização justa", ele sublinha o desafio de abolir restrições assegurando ao mesmo tempo os direitos dos trabalhadores. "O problema não é a livre circulação de pessoas e serviços na União Européia, mas a manutenção de padrões justos neste contexto."
"As estatísticas nos mostram que precisamos de melhor proteção para as vítimas", afirma. "Precisamos melhorar sua posição legal e esclarecê-las a este respeito."
A polícia alemã identifica anualmente cerca de mil vítimas de tráfico humano. "Mas raramente os casos são tratados como deveriam", observa. "As pessoas não têm que ser vítimas do trabalho forçado. Elas são feitas vítimas dele", completa.