Alemanices: Como é morar numa república na Alemanha
Karina Gomes
21 de julho de 2017
Dividir apartamento é comum no país, e não apenas entre estudantes. Casais, trabalhadores e pessoas acima dos 40 anos também vivem nas chamadas "WGs". Novos moradores costumam passar por exigente processo seletivo.
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Para encontrar a cerveja, é só ir ao banheiro. A banheira está cheia de gelo e garrafas. O volume da música é alto. Os quartos e a sala estão cheios de gente, e muitos você não conhece. Os vinhos e schnapps (bebidas destiladas) estão na varanda – o frio lá fora se encarrega de gelar as bebidas. Passa das 22h, e o vizinho começa a reclamar do barulho. A festa continua. Algumas horas depois, a polícia aparece. Seja bem-vindo a uma Wohngemeinschaft alemã, ou simplesmente WG – república, em português.
Eu já vivenciei essa situação na Alemanha, mas esse não é o retrato completo de como é viver numa república por aqui. As WGs na Alemanha são muito variadas e não são formadas apenas por estudantes. É frequente que casais que querem reduzir os custos do apartamento aluguem um quarto para alguém de fora, e muitas pessoas acima dos 40 anos e trabalhadores vivem em apartamentos compartilhados.
E não se vive só com amigos ou amigos de amigos. A busca por vagas pode ser feita em sites na internet – um dos mais populares é o wg-gesucht.de –, páginas no Facebook ou anúncios em universidades e bibliotecas. Há até castings para escolher os novos moradores. Geralmente, quando o interessado faz uma visita, há uma entrevista com todos os membros da WG. Se a pessoa ainda não se mudou para a Alemanha ou mora numa cidade distante no país, é comum fazer entevistas por Skype.
Na descrição das vagas, há requisitos como: "Você deve ter a mente aberta, não desprezar cerveja, ter o que fazer durante a semana e respeitar a privacidade" ou "Esta não é uma 'Party-WG' (república de festa). Nós procuramos exclusivamente uma pessoa silenciosa". Muitos também pedem que você descreva sua personalidade ao se candidatar.
Há WGs veganas, masculinas, femininas, mistas. Em algumas repúblicas, as pessoas que compartilham o apartamento têm uma relação tão intensa que já adiantam que a república é "Keine Zweck-WG", ou seja, essa não é uma WG individualista, onde se compartilha o espaço por pura necessidade. Eles já avisam que vão querer fazer churrasco, beber vinho e cozinhar com você. E que todos dividem tudo e até vão ao supermercado juntos.
Por outro lado, morar numa WG não significa que todos vão virar amigos. Já vivi numa onde nunca sentei para jantar, almoçar ou tomar café da manhã com a colega com quem dividia o apartamento. Ela preferia ter o espaço dela. A convivência se limitou a dar oi e tchau e às vezes reclamar da quantidade de trabalhos na universidade. Já em outra WG, minha colega fazia chás exóticos e me chamava para fazermos yoga e meditação juntas. Sexta-feira era dia de tomarmos uma cerveja na varanda.
Na coluna Alemanices, publicada às sextas-feiras, Karina Gomes escreve crônicas sobre os hábitos alemães, com os quais ainda tenta se acostumar. A repórter da DW Brasil e DW África tem prêmios jornalísticos em direitos humanos e sustentabilidade e vive há três anos na Alemanha.
O que você precisa saber sobre morar de aluguel na Alemanha
Na Alemanha, 60% das pessoas moram em casas ou apartamentos alugados. Conheça algumas particularidades alemãs sobre o assunto.
Foto: picture-alliance/Wolfram Steinberg
Prédios antigos
Houve tempos em que moradias em prédios antigos em Berlim eram superlotados por grandes famílias, mesmo que tivessem só um ou dois quartos. Recentemente, estes "Altbau" (prédio antigo) estão vivendo um renascimento. Os da foto, no bairro Prenzlauer Berg, estavam praticamente vazios e abandonados no início da década de 1990. Hoje em dia, todos querem alugar um apartamento neste tipo de prédio.
Foto: picture alliance/ZB
Edifícios residenciais
Na antiga Alemanha Oriental, onde quase todos os imóveis eram alugados pelo governo, os enormes blocos residenciais feitos com elementos pré-fabricados eram chamados "plattenbau" (edifício em painéis). Eles não eram baratos, mas muitos os preferiam a prédios antigos por oferecerem todos os confortos modernos, como encanamento novo que não vaza, eletricidade confiável e água quente.
Foto: picture-alliance/dpa/A. Burgi
As sacadas
Como a maioria das pessoas vive em apartamentos alugados e não tem jardim, elas fazem muitas coisas nas sacadas. Seja churrasco, ler ou cultivar flores, cada centímetro é aproveitado para o lazer. Muitas vezes, estas varandas são verdadeiros ecossistemas durante o verão. Já no inverno, por causa do frio e da neve, são pouco frequentados.
Muitos apartamentos de aluguel acessível são habitados por imigrantes que mantêm uma ligação com a terra natal através de televisão por satélite. Na foto, parabólicas instaladas nas sacadas das varandas do Pallasseum, no bairro Schöneberg, em Berlim.
Foto: AFP/Getty Images
Bicicletas nos pátios
A maioria dos prédios alemães foi construída de forma que os fundos se encontram num pátio conjunto. São espaços comuns, muitas vezes com áreas verdes, mas também com lugar para estacionar bicicletas, pequenas motos e tonéis de lixo.
Foto: picture-alliance/ZB/M. Krause
Sobrenomes em vez de números
Em vez de números de apartamentos, as campainhas nos prédios residenciais contêm os sobrenomes dos moradores. Difícil de acreditar num país que tanto preza pela privacidade. Por outro lado, nem sempre a disposição das campainhas indica o andar onde mora a pessoa. Por isso, quando se visita alguém pela primeira vez, ao tocar a campainha, é preciso perguntar aonde exatamente ir.
Foto: picture-alliance/dpa/M. Scholz
As repúblicas
Conhecidas como WGs, as Wohngemeinschaften (apartamento compartilhado) são muito frequentes entre jovens nos grandes centros urbanos, onde o aluguel é alto e há poucos imóveis disponíveis. Muitas pessoas que compartilham apartamentos inclusive alugam espaços, para baixar ainda mais os custos.
Foto: picture-alliance/dpa/J. Kalaene
Pinte ao sair
É tradição alemã pintar e fazer pequenos consertos ao deixar o apartamento. Dependendo do acerto com o proprietário, pode-se também pintar conforme o gosto próprio quando se assume o imóvel, não precisando fazer nada ao sair.
Foto: picture alliance/Denkou Images
Cozinha não muda
Nos últimos tempos ficou cada vez mais usual não remover as cozinhas quando se sai de um imóvel. Ou seja: muitas vezes a compra dos aparelhos eletrodomésticos e dos armários, pia e balcão é precondição para o aluguel. Em geral, no entanto, é uma questão de negociar com o dono da cozinha.
Foto: DW/S. Braun
Banheiros pequenos e antiquados
Uma das peculiaridades de apartamentos antigos é o fato de não incluírem instalações hoje imprescindíveis, como um banheiro com chuveiro. É comum encontrar banheiros improvisados em espaços minúsculos. Eles podem ser instalados até em locais inapropriados, com uma antiga sala, com janelas amplas. Na foto, o chuveiro de um apartamento em Berlim embutido no armário da cozinha.
Foto: DW/S. Braun
Número de cômodos
Na Alemanha, em vez de quartos, fala-se em cozinha, entrada, banheiro e um "x" de salas (de dormir, de jantar e de estar). O tamanho do imóvel é em m2. Para avaliar o aluguel, consulte o Mietspiegel (índice de aluguel) da cidade, que lista o preço médio com base no tipo de construção e onde ela fica. A média em Berlim é de quase 11 euros por metro quadrado, sem contar luz, água e aquecimento.