Encarar a sinceridade alemã pode machucar e causar desconforto. Mas dizer o que se pensa não é visto como falta de educação. É, na verdade, valorizado. Karina Gomes conta na coluna desta semana.
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Sim é sim, não é não. Não há meias voltas, jeitinho ou delicadeza na hora de dizer o que se pensa. Doa a quem doer, um alemão vai dizer a verdade. Prepare-se para se machucar a qualquer momento. Se você fizer algo errado, eles vão dizer.
A sinceridade alemã pode soar falta de educação e lhe deixar completamente desconfortável, mas não significa nada mais do que ser direto. Não há tabus, a maioria dos alemães não guarda o que sente ou pensa para si mesmo.
Expressar opiniões, mesmo as que possam ferir alguém, são valorizadas e encaradas de forma positiva na Alemanha. No ambiente de trabalho, por exemplo, falar o que se pensa não é um problema, mas uma recompensa.
Não falar abertamente sobre um assunto (Um den heissen Brei herumreden, diz a expressão) conta como um ponto negativo. Não há intimidade, mas profissionalismo.
Num relacionamento amoroso, a vida também é "preto no branco" (Schwarz auf Weiss, em alemão). Não espere ouvir que sua roupa nova está bonita se ele ou ela realmente não achar. Perguntar sobre razões e motivos pode acabar num es ist so (É assim), algo como "Porque sim, Zequinha".
Talvez o mais desconfortável e intrigante seja perguntar "E aí, tudo bem? Como você está?" para um alemão. Se ele ou ela não estiver 100% naquele dia você pode ouvir a resposta "É, estou indo" (ja, es läuft). Ninguém vai fingir que tudo está bem somente para soar simpático.
Pedir informação na rua também pode lhe deixar desapontado. É comum ouvir um "não sei" e ver a pessoa virar a cara sem fazer nenhum esforço para lhe ajudar a encontrar o local ou ao menos dar um sorriso e dizer "desculpe, não sei onde é". Nunca faça perguntas óbvias aos alemães. Small talk não é com eles.
Quando se trata de regras, ninguém hesita em dar bronca. Uma vez atravessei a rua com o sinal de pedestres fechado e ouvi do homem do outro lado: "Você está cega?". E quando esqueci o passaporte e nos deparamos com um controle de fronteira, minha amiga disse na lata: "Você é estúpida" (du bist blöd). Acho que ainda estou tentando me recuperar do "trauma da sinceridade".
Os berlinenses são os mais conhecidos pela sinceridade grosseira, principalmente devido ao dialeto da cidade, o Berliner Schnauze (o focinho de Berlim, em tradução livre). Fazer uma pergunta óbvia, como onde está algo que, na verdade, está na sua frente, pode levar à dura resposta: "Hast du keine Augen im Kopf?" (Você não tem olhos na cabeça?).
A sinceridade alemã é um estilo de vida. E como estrangeiro pode ser difícil no começo, no meio e talvez até no fim. Mas ajuda a amadurecer, encarar a realidade e ter relações mais transparentes. Sinceridade é também humor. Conquistar a amizade de um alemão leva tempo, mas quando acontece é sincera.
Na coluna Alemanices, publicada às sextas-feiras, Karina Gomes escreve crônicas sobre os hábitos alemães, com os quais ainda tenta se acostumar. A repórter da DW Brasil e DW África tem prêmios jornalísticos em direitos humanos e sustentabilidade e vive há três anos na Alemanha.
Regras de etiqueta social na Alemanha
Barão Adolf von Knigge, autor do século 18, ainda é a autoridade máxima alemã em matéria de boas maneiras no país. Veja aqui algumas recomendações do guia "Knigge" que podem ser úteis em eventos sociais.
Foto: Getty Images/Sean Gallup
Bíblia da etiqueta social alemã: "Knigge"
Quando o barão Adolf von Knigge escreveu "Em relações humanas", em 1788, ele visava criar diretrizes para habilidades sociais e, possivelmente, não esperava ser associado com boas maneiras à mesa. Hoje, o nome "Knigge", como também é conhecido o seu célebre livro, é sinônimo de etiqueta na Alemanha. Aqui estão algumas recomendações que podem ser úteis em vários eventos sociais.
Foto: picture-alliance / dpa
Use roupas adequadas
Vestir-se para um baile pode ser estressante. Knigge oferece uma solução diplomática: "Não deixe que sua roupa esteja acima ou abaixo da situação; nem abaixo nem acima de sua fortuna; nem fantástica nem muito alegre; nem ostensivamente suntuosa, esplêndida e extravagante." Pode ser que na temporada de bailes que se inicia na Europa, alguns convidados não respeitem essas regras.
Foto: Andres Rodriguez/Fotolia
Não seja um narcisista da conversação
Uma vez que se escolheu o smoking ou o vestido, agora é só entrar em cena. Knigge oferece dicas para conversas casuais em eventos: "Tome cuidado para não falar muito sobre si mesmo, no caso de seus amigos, por uma questão de gentileza, desviarem a conversa sobre sua pessoa, suas publicações e assuntos semelhantes."
Foto: picture alliance/blickwinkel/fotototo
Não bajule
Knigge considera a bajulação tão inadequada quanto a conversa sobre si mesmo. Portanto, ele aconselha, por exemplo, não lisonjear muito ao se lidar com contemporâneos vaidosos. Pois através da "contínua difusão de incenso", o "vil adulador" influencia tanto as pessoas altivas que, no final, essas não querem mais escutar a verdade, mas somente elogios.
Foto: Fotolia/Peter Atkins
Autoelogio fede!
"Eigenlog stink" ou "autoelogio fede", diz um ditado alemão. Aqueles que numa festa conseguem o tempo todo se gabar do que são e do que possuem não agradam ao barão Von Knigge. Ele aconselha: "Não fale muito sobre suas posses, sua riqueza e talento. As pessoas não suportam tal superioridade sem murmúrio e inveja."
Foto: picture-alliance/dpa/O. Berg
Seja divertido!
…Mas, por favor, sem aprender piadas de cor: "Uma pessoa que está sempre atrás de anedotas e mostra que as aprendeu para agradar ao grupo conseguirá ser divertida somente por pouco tempo e vai interessar a poucos. O verdadeiro humor e a genuína pilhéria não podem ser forçados, mas funcionam como a presença de um ser celestial, que desencadeia prazer, afabilidade e veneração."
Foto: Fotolia/Peter Atkins
Nada de fofocas
"Você viu aquele vestido?" Se você quiser falar mal, ao menos o faça discretamente, advertiu Knigge em 1788: "Se você quiser conversar com seu amigo sobre alguém que está presente num evento social, considere que sussurrar no ouvido é indecente e tenha ao menos cautela em não olhar para a pessoa enquanto você está fofocando sobre ela."
Foto: Fotolia/rico287
Não elogie demais jovens talentos
Se, durante uma festa, você se depara com um jovem talento, Knigge aconselha a escolher as palavras cuidadosamente: "Encoraje o jovem artista com aplausos modestos, mas nunca o bajule nem o elogie demasiadamente, pois isso estraga a maioria deles." Em seu guia de 1788, Knigge escreveu um capítulo inteiro sobre como lidar com estudiosos e artistas.
Foto: Imago/View Stock
Uma festa não é uma coletiva de imprensa
Num evento social, as celebridades e políticos presentes esperam ser capaz de desfrutar o seu champanhe, sem ser entrevistados agressivamente por jornalistas. O conselho de Knigge nesse assunto é que se devem evitar temas sérios em tais ocasiões: "Em locais onde as pessoas se encontram para se divertir, não converse sobre assuntos domésticos, muito menos sobre coisas vexatórias."