STF decide que grávidas e mães de filhos com até 12 anos poderão aguardar seus julgamentos em regime domiciliar. Parecer contempla milhares de mulheres em prisão preventiva.
Anúncio
Amanda Magalhães de Azevedo, de 21 anos, já chegou grávida à penitenciária feminina de Pirajuí, interior de São Paulo, como a maior parte das mulheres detidas ali. Em Brasília, sua cidade natal, fora condenada a um ano de pena após praticar um assalto, em 2014.
Na cela, ela reveza os cuidados com outra detenta, que também é mãe. "Às vezes, a neném dela chora, aí eu a acordo para cuidar dela. Nisso que eu ligo a luz, Sofia acorda. Como a minha é recém-nascida, às vezes troca o dia pela noite”, conta.
Seu drama é o mesmo de milhares de outras presas. Como Jéssica Monteiro, de 24 anos: a imagem da mãe e do bebê atrás das grades em São Paulo gerou comoção nas últimas semanas, reavivando o debate sobre a maternidade na prisão.
No início deste mês, a juíza Laurita Vaz, primeira mulher a presidir o Superior Tribunal de Justiça, negou a a Jéssica, presa com 8,5 gramas de maconha, o direito a responder ao processo judicial em regime domiciliar.
A acusada era ré primária, mãe de cinco filhos e lactante, pois amamenta o bebê mais novo, com apenas um mês de vida. Em sua decisão, a juíza alegou que a acusada “não conseguiu provar que seria imprescindível” para as crianças.
A situação de muitas das presidiárias grávidas na cadeia tem uma chance de mudar, após o Supremo Tribunal Federal (STF), nesta terça-feira (20/02), aceitar um pedido de habeas corpus coletivo que beneficia pelo menos 4.560 mulheres em prisão preventiva.
De acordo com a decisão, grávidas e mães de filhos com até 12 anos poderão aguardar o julgamento dos casos em regime domiciliar. Os tribunais estaduais e federais têm até 60 dias para cumprir a decisão.
O total de presas contempladas pela decisão corresponde a 10% da população carcerária feminina brasileira. O número pode ser bem maior, já que alguns estados não repassaram os dados solicitados para o levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) junto com outras organizações.
O pedido de habeas corpus foi protocolado por um grupo de advogados militantes na defesa dos direitos humanos, com apoio da Defensoria Pública da União (DPU).
Eles pediam a aplicação da regra prevista no Artigo 318 do Código de Processo Penal (CPP), o qual prevê a substituição da prisão preventiva pela domiciliar para gestantes ou mulheres com filhos de até 12 anos incompletos.
A determinação faz parte de um conjunto de alterações feito pelo Congresso em 2016, que ficou conhecido como Marco Legal da Primeira Infância. Até então, o benefício existia para grávidas a partir do sétimo mês ou com gestação de risco e mães de crianças com até 6 anos.
Falta de amparo
Em 2015, foi publicado um estudo conduzido pelo Ministério da Justiça em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) intitulado "Dar à luz na sombra”.
O trabalho buscou analisar as condições em que as mulheres exercem a maternidade na prisão. Durante nove meses, 80 presas foram entrevistadas em sete presídios.
A pesquisa observou que o perfil das mães encarceradas era constituído, majoritariamente, por mulheres negras e pardas, na faixa etária entre 18 e 30 anos, inseridas num contexto de baixa renda e escolaridade, com vulnerabilidade social.
Foi constatado um cenário de amplo desrespeito aos direitos básicos das presas, especialmente os reprodutivos. Apesar das importantes diferenças entre as penitenciárias femininas brasileiras, as pesquisadoras destacaram que nenhuma delas funciona em respeito pleno aos parâmetros legais vigentes, considerando as regras de Bangkog, da ONU, e a Lei de Execução Penal Brasileira (LEP).
Uma das coordenadoras do estudo foi a professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Ana Gabriela Braga. Doutora em Criminologia, ela destacou a coragem política do tribunal. Em sua interpretação, a decisão tem um valor simbólico em uma possível mudança de rumos da política de drogas e do sistema criminal no Brasil.
Entretanto, ela chama atenção para o papel do Estado junto às mães que vão aguardar julgamento em suas casas, ao apontar a seletividade da prisão domiciliar.
"Para você aplicar a prisão domiciliar, primeiro, a pessoa precisa ter domicílio. Quantas delas têm uma casa ou continuam pagando aluguel na prisão, às vezes, tendo o companheiro preso? Além disso, a pessoa não pode trabalhar, então precisa de alguém que a sustente, além da casa e da criança. O viés de classe e raça do sistema penal se manifesta aqui também”, afirma.
O Brasil tem a quinta maior população carcerária feminina do mundo. Desde 2000, o número de mulheres presas cresceu 698% no país. Somente entre dezembro de 2014 e dezembro de 2016, aumentou de 37.390 para 44.721 – um salto de 19,6%. Os dados são do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça. Do total de mulheres presas no Brasil, 60% estão encarceradas por crimes relacionados ao tráfico de drogas.
_______________
A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas. Siga-nos noFacebook | Twitter | YouTube | WhatsApp | App
Cronologia da crise nos presídios
Ano de 2017 começa com crise inesperada para o governo Temer: na primeira quinzena de janeiro, 120 presos são barbaramente assassinados dentro de presídios do norte do país, com ação de facções criminosas.
Foto: Reuters/J. Goncalves
Eles se matam, e a polícia não age
1º de janeiro: presos iniciam uma rebelião no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus. A polícia decide não entrar para conter o massacre. Autoridades locais alegam que tomaram tal decisão para evitar uma tragédia semelhante à do Carandiru, quando 111 presos morreram num motim com a ação policial, em São Paulo, em 1992.
Foto: picture-alliance/Zumapress/A Critica
56 mortos, corpos decapitados e esquartejados
2 de janeiro: a Secretaria de Segurança Pública do Amazonas divulga o número de mortos: 56 presos assassinados, boa parte deles decapitada e esquartejada. Foram mais de 17 horas de massacre. As autoridades de Manaus atribuem a tragédia à disputa entre as facções criminosas Primeiro Comando da Capital (PCC) e Família do Norte (FDN). Em desespero, famílias aguardam identificação de corpos.
Foto: Reuters/M. Dantas
"Tudo sob controle"
3 de janeiro: o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, visita o Complexo Anísio Jobim, onde aconteceu a rebelião de Manaus, e diz que situação está "sob controle". Moraes afirma que governo não corrobora a tese de confronto entre facções. Uma rebelião como a de Manaus, diz, é provocada por um somatório de fatos que ainda precisariam ser analisados pelo governo.
Foto: Isaac Amorim/Ministerio da Justica e Cidadania
"Ninguém ali era santo"
4 de janeiro: o governador do Amazonas, José Melo de Oliveira (Pros), faz uma declaração chocante sobre a matança no presídio: "Não tinha nenhum santo. Eram estupradores, matadores (...) e pessoas ligadas a outra facção, que é minoria aqui no Estado do Amazonas". O governo estadual decide, só depois da tragédia, retirar os presos ameaçados de morte e transferi-los para outro local.
Foto: Divulgacao/SECOM/H. Pereira
Protagonismo do Supremo
5 de janeiro: a presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, assume um papel de protagonismo na crise. Um dia após a tragédia, ela decide viajar a Manaus e afirma que a situação é explosiva. No Amazonas, faz reuniões com juízes e desembargadores. Por orientação dela, o Conselho Nacional de Justiça monta uma força-tarefa para supervisionar as medidas do estado do Amazonas sobre a crise.
Foto: Divulgacao/SCO/STF
"Mais do mesmo"
5 de fevereiro: o governo anuncia o Plano Nacional de Segurança em resposta à crise. O ministro da Justiça apresenta, entre as medidas, a construção de cinco presídios de segurança máxima, sem detalhar custos e prazos. Especialistas ouvidos pela DW dizem que programa reedita propostas dos governos Lula e Dilma, é genérico e não dá nova perspectiva para o fim do aprisionamento em massa.
Foto: Isaac Amorim/Ministerio da Justiça e Cidadania
O silêncio e o acidente
5 de janeiro: o presidente Michel Temer faz o primeiro comentário sobre as mortes, referindo-se aos massacres como "acidente pavoroso". "Eu quero me solidarizar com as famílias que tiveram seus presos vitimados naquele acidente pavoroso que ocorreu no presídio de Manaus." O presidente, que já tinha sido criticado por seu silêncio e omissão, foi reprovado pelo uso da palavra acidente.
Foto: Marcelo Camargo/Agencia Brasil
Em Roraima, outra barbárie
6 de janeiro: na madrugada, outro massacre é iniciado, desta vez na penitenciária Agrícola Monte Cristo, em Roraima. Mais 33 presos são mortos. O governo classifica as mortes de barbárie e diz não ter indícios claros se o massacre tem relações com vingança de facção criminosa.
Foto: Getty Images/AFP/V. Almeida
Baixa no governo
6 de janeiro: a crise penitenciária produz a primeira baixa no governo. O secretário nacional de Juventude, Bruno Júlio, é demitido após declarações polêmicas publicadas no "Globo". "Tinha que fazer uma chacina por semana", teria dito. Ele negou ter feito a afirmação. À "Folha de S. Paulo", disse: "Fico triste porque não estão dando tanta importância para as pessoas de bem que morrem todo dia".
Foto: Divulgacao/JPMDB
A matança continua
8 de janeiro: mais quatro presos são mortos em novo motim no Amazonas. A rebelião, desta vez, é na Cadeia Pública Desembargador Raimundo Vidal Pessoa, no centro de Manaus. Três detentos são decapitados, e um foi morto por asfixia.
Foto: Agência Brasil/Marcelo Camargo
Reforço tardio
9 de janeiro: o governo federal autoriza envio de cem homens da Força Nacional de Segurança a Manaus e outros cem para Roraima. Ministro da Justiça se compromete a atender pedidos de sete estados das regiões Norte e Centro-oeste para auxiliar no policiamento e segurança, autorizando transferência de presos para penitenciárias federais e liberando recursos.
Foto: Marcelo Camargo/Agencia Brasil
Após a tragédia, a tentativa de controle
10 de janeiro: a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária e a PM do Amazonas fazem revistas nas unidades prisionais da capital. A ação dos policiais foi iniciada no dia 5. Na ala dos presos que cumprem regime semiaberto do Complexo Penitenciário Anísio Jobim são encontrados pen-drives, walkie-talkies, cabos telefônicos, celulares, alicates, facas, martelos e outras ferramentas.
Foto: Bruno Zanardo/Secom
Mais um capítulo da crise: 26 mortos no RN
15 de janeiro: um novo motim ocorre no presídio de Alcaçuz, na cidade de Nísia Floresta, região metropolitana de Natal. O governo do estado confirmou a morte de 26 detentos. Assim como em outras rebeliões do Norte, os corpos estavam desfigurados. A perícia levará 30 dias para fazer as identificações. Após a rebelião, presos foram revistados nus. Houve auxílio da Força Nacional de Segurança.
Foto: picture-alliance/dpa/F. Marcone
Confusão sem fim em Alcaçuz
16 de janeiro: Um dia após o motim que terminou com ao menos 26 mortos, a penitenciária de Alcaçuz (RN) volta a ser palco de tumultos. Em dia de "clima tenso”, um grupo de detentos voltou a ocupar os telhados dos pavilhões e proferir ameaças contra facções rivais de dentro do presídio. Agentes da PM, do Bope e do GOE não conseguiram controlar a situação. A Força Nacional teve de ser acionada.
Foto: Reuters
Onda de rebeliões chega a Minas Gerais
17 de janeiro: Cerca de 1.200 detentos do presídio Antônio Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves (MG), anunciam um motim para reivindicar a saída do diretor da prisão e a melhora no tratamento de familiares e presos. Em vídeos que circulam pela internet, eles ameaçam uma carnificina caso não sejam ouvidos. "Vai morrer muita gente, o massacre vai começar", diz um dos presos encapuzado de vermelho.
Foto: Quelle: Youtube/Portal O TEMPO
Forças Armadas entram nos presídios
17 de janeiro: Governo autoriza que as Forças Armadas passem a inspecionar materiais proibidos, como armas e drogas, dentro dos presídios estaduais. A segurança interna continua, porém, sob responsabilidade de agentes penitenciários e policiais. Segundo a presidência, a "operação visa restaurar a normalidade e os padrões básicos de segurança nos estabelecimentos carcerários brasileiros."
Foto: picture-alliance/AP Photo/E. Peres
Agentes penitenciários protestam por trabalho
17 de janeiro: Em Brasília, agentes penitenciários reivindicam a contratação de profissionais aprovados em concursos públicos e melhores condições de trabalho. Segundo a Federação Brasileira dos Servidores Penitenciários, o Brasil teria de aumentar em 30 vezes o número de agentes penitenciários para atender à recomendação nacional de um agente para cada cinco presos.
Foto: Agência Brasil/M. Casal Jr.
Caos chega às ruas de Natal
18 de janeiro: Na capital Natal, ao menos 14 ônibus, dois micro-ônibus, um carro do governo, cinco viaturas da polícia, duas delegacias e um prédio de uma secretaria de Saúde foram alvos de atos criminosos. O vandalismo ocorreu depois de 220 detentos terem sido transferidos do presídio de Alcaçuz (RN). A polícia também registrou quebradeiras nas cidades de Macau, Parnamirim e Caicó.
Foto: Reuters/J. Goncalves
Proteção às fronteiras
19 de janeiro: O ministro da Defesa, Raul Jungmann, visita o Sistema Integrado de Sensoriamento em Dourados (MS), próximo à fronteira com o Paraguai. O governo investirá 450 milhões de reais no Sisfron, que usará radares e câmeras para monitorar os mais de 16 mil km de fronteiras contra o narcotráfico. O Brasil é hoje o principal ponto de saída de cocaína produzida na América do Sul para a Europa.
Foto: Agência Brasil/V. Campanato
Campo de guerra em Alcaçuz
19 de janeiro: A confusão no presídio de Alcaçuz, em Nísia Floresta (RN), pulou os muros da penitenciária e chegou às ruas de Natal e cidades próximas, que foram palco de ao menos 26 veículos incendiados e diversos prédios apedrejados. Militares foram acionados para tomar o controle da segurança nas cidades.