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Filme

Jochen Kürten (sv)26 de janeiro de 2009

Em entrevista à Deutsche Welle, o cineasta Alexander Kluge descreve por que quis transformar "O Capital", de Karl Marx, em imagens, e confessa se orgulhar principalmente da colaboração do diretor Tom Tykwer no projeto.

Alexander Kluge: 'Notícias de uma Antiguidade Ideológica'Foto: picture-alliance/dpa

Deutsche Welle: O senhor não filmou O Capital, nem fez um filme sobre O Capital, mas sim deixou-se guiar pela própria curiosidade a respeito do material. Pode-se dizer isso?

Alexander Kluge: Não só pela curiosidade, mas também pelo respeito pelo diretor Serguei Eisenstein, um dos grandes modernos entre os cineastas. Ele assumiu essa tarefa, que muito lhe parecia ser uma aventura, como um desafio ao cinema.

Como Eisenstein teria podido filmar O Capital?

James JoyceFoto: dpa

Ele tinha uma determinada idéia. Foi quando visitou James Joyce, autor de Ulysses, em Paris. E queria fazer seu filme da mesma forma como James Joyce escreveu Ulysses. O romance descreve uma pessoa, durante um dia inteiro em Dublin, e resgata, para isso, toda a história até Tróia. Daí a figura de Ulysses, ou seja, Odisseu. De forma semelhante, Eisenstein queria mostrar aqui, através de duas pessoas, o que está, na realidade, dentro de O Capital: quais imagens a obra contém.

De que forma o senhor se aproximou de Eisenstein então? No caso do seu filme, o dia tem a duração de nove horas.

Serguei EisensteinFoto: AP

Provavelmente não acabei ainda. Conversei com as pessoas que trabalharam comigo no projeto e com Tom Tykwer, e elas vão continuar. Na verdade, seria possível dedicar ao projeto o dobro do tempo, pois, tanto no livro quanto no projeto de um filme de Eisenstein, há tanta coisa relacionada ao ser humano vivo. De fato, a economia não surte efeitos sobre as pessoas somente em forma de uma crise, como a financeira que vivemos agora, mas os séculos de desenvolvimento econômico determinam a essência do ser humano.

No ano de 1929, o plano de filmar O Capital parecia urgente para Eisenstein. Seu filme foi feito hoje, em tempos de crise econômica mundial. Seria profano demais denominar os dois projetos de "atuais" em seus respectivos tempos?

Não há como negar que seja atual. Mas quando começamos a desenvolver o projeto, não contávamos com a crise financeira. Pensamos na "Sexta-feira Negra" de 1929, há 80 anos. Não seria algo atual, mas a atualidade nos alcançou.

Seu filme se chama Notícias de uma Antiguidade Ideológica, ou seja, tem muito a ver com a história.

DVD de Alexander Kluge, recém-lançado na Alemanha

E também com orientação. O navegador se orientava pelas estrelas. Navegar é algo imortal e muito antigo. Este é, digamos, um pensamento antigo: acreditar que há algo, uma orientação, que é tão velha que não há necessidade de ser revista.

Como por exemplo: para o senhor conceitos-chave como mercadoria, fetiche, valor de troca foram pontos de orientação?

Sim e isso é absolutamente prático, aquilo que as pessoas têm de melhor em suas vidas, elas embutem em seus trabalhos. De certa forma, isso está embutido no maquinário, na indústria, nos objetos, que foram produzidos e que chamamos de mercadoria. De fato, há sempre uma luz humana nessas mercadorias, o que acaba sendo esquecido. Uma pessoa reflete-se na outra, na produção, na força de trabalho, isto foi escrito por Marx. E corresponde à nossa realidade.

Figura de cera: Karl Marx com 'O Capital'Foto: picture-alliance / dpa / AP / Montage DW

A maior realidade que conheço é a produção. E isso é o que, de certa forma, sempre me interessaria como ponto de partida para um romance: o ser humano é, na verdade, o produtor de sua vida. Ou pelo menos poderia ser. Na realidade, contudo, vai se desenrolando uma história que ele não quer, que se desenvolve de forma paralela.

Tenho, por exemplo, 13 anos de idade, aqui na Alemanha, no ano de 1946. Não tenho capitalismo, não tenho um governo próprio, mas mesmo assim as pessoas demonstram confiabilidade nessa situação de emergência. As mulheres e irmãs mais velhas cuidam das empresas familiares. Elas cuidam para que haja comida na mesa.

A economia de meios de subsistência e até o mercado negro unem as pessoas através de relações de confiança. Uma pessoa reflete-se na outra. E em nosso mundo, hoje, no mundo dos derivados, não é possível que uma pessoa se reflita na outra. Estamos muito distantes dessa esfera pragmática, desse período emergencial. Mas, mesmo assim, nos encontramos num tempo emergencial. E pensar sobre isso é, para cineastas, algo absolutamente elementar. E para isso há imagens.

Há essa segunda realidade dos "derivados" ou de outros exemplos que se poderia tomar aqui. O que há de errado com ela? O que diria Marx hoje que há de errado?

Ele diria que tudo leva à abstração e a abstração mata. Até em tempos de guerra, também a abstração mata. Marx é um excelente observador dessas coisas. Não sei se gostaria de obter dele conselhos sobre a solução para a crise financeira. Esse tipo de coisa, ele nem conheceu.

Mas foi um bom analista.

Certamente. Ele analisou os conceitos elementares a respeito do que acontece dentro do ser humano, a respeito daquilo que difere o ser humano, um ser social, de um lobo, mesmo quando este ser humano comete uma atrocidade. Todas as relações na "segunda natureza", como ele chama, ou seja, na natureza social, são distintas [daquelas da natureza em si]. E as imagens se transformam, como no caso de Picasso. Suas imagens não se assemelham às de uma fotografia.

Tom Tykwer

Essa é, na verdade, a mensagem de Marx e, acima de tudo, de Eisenstein. E com isso exercitamos. Mas, devo confessar, me sinto especialmente orgulhoso é a respeito dos 12 minutos de Tom Tykwer, que filmou maravilhosamente esse fetiche verdadeiro, ou seja, essa humanidade que se oculta dentro de todas as coisas. E utilizou um recurso cinematográfico inédito.

Ele rodou em 35mm uma rua na parte oriental de Berlim: ali está um chiclete caído na calçada, uma maçaneta de porta, um encanamento de gás, o calçamento. Ali está tudo o que representa uma rua sem gente. E ele expõe o processo de fabricação de todas essas coisas, gravando muito bem as imagens 3D, com um procedimento de última geração.

Quando ele cria relações entre essas coisas, é possível ver como as pessoas trabalharam para que tudo aquilo fosse construído. E de repente há 80 mil pessoas nessa rua antes deserta. Essas pessoas colaboraram para a fabricação dos objetos que estão ali. É o que se chama de fetiche da mercadoria. Isso volta em forma de respeito pelo ser humano, refletindo tudo aquilo de que ele é capaz.

Tom Tykwer, para voltar talvez também a Eisenstein, se caracteriza por um estilo que se pode chamar de montagem das atrações.

Montagem das atrações: esse é o grande circo da sensualidade, é isso o que o cinema sabe fazer.

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