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Hitchcock: para o cinema "assim como Bach para a música"

Jochen Kürten ca
13 de agosto de 2019

Cineasta britânico nasceu há 120 anos, mas seus filmes não envelhecem. Dos aspectos visuais aos psicológicos, três especialistas explicam por que Hitchcock se tornou um clássico.

Alfred Hitchcock
Muitas razões explicam por que Alfred Hitchcock nunca deixou de ser atualFoto: picture-alliance/dpa/AP Photo

Mesmo na era digital, o nome Alfred Hitchcock continua presente, até nas ofertas de streaming de portais globais como Amazon e Netflix. E isso é dizer muito, pois os clássicos do cinema não são exatamente o carro-forte dos provedores americanos.

Entretanto até mesmo as gerações mais jovens assistem aos filmes de Hitchcock. Como se explica que esse diretor britânico, nascido há 120 anos, em 13 de agosto de 1899, continue tão popular hoje em dia? Três alemães especialistas em Hitchcock tentam responder essa pergunta.

Tippi Hedren em cena de "Os pássaros"Foto: picture-alliance

"Os 53 filmes de Alfred Hitchcock têm algo de atemporal: a maioria tem se mantido ao longo das décadas, não estão presos em seu tempo", afirma o jornalista especializado em cinema Thilo Wydra, que publicou livros tanto sobre o mestre quanto sobre "suas" atrizes Grace Kelly e Ingrid Bergman.

Wydra dá alguns exemplos: "Quem assiste hoje a Janela indiscreta, Um corpo que cai ou Psicose, seja novamente ou mesmo pela primeira vez – que sorte enorme! – vai notar que essas obras-primas não perderam absolutamente nada de sua atração, sua fascinação, seu alto impacto visual."

Isso fica particularmente evidente na tela grande: "Quando já se conhece um filme como Os pássaros, de 1963, se percebe no cinema que ele possui uma força, efeito imediato e intensidade como poucos outros filmes produzidos atualmente." Hitchcock é "completamente atemporal, sua obra não envelhece", frisa Wydra.

Alexander Kluy, autor baseado em Munique, aponta outra razão para a contínua popularidade do excêntrico inglês: "Alfred Hitchcock nunca quis ser didático", ele queria sobretudo entreter, "por isso também a opção pelo gênero do thriller, do thriller psicológico, filme de suspense". Some-se a isso a "elegância visual, verve dramatúrgica, uma assinatura irônica, ambiguidades de símbolos e signos".

O especialista em Hitchcock Ingo Kammerer, docente da Universidade de Augsburg, acrescenta que ele era um "verdadeiro mestre do marketing pessoal". Isso se mostra em diferentes áreas: "Hitchcock" se tornou um nome que é "facilmente reconhecido, portanto vende bem".

Kammerer está convencido de que toda geração acaba se deparando com Alfred Hitchcock. Se isso não acontece nos filmes, possivelmente será através de romances juvenis (Os três investigadores), não ficção (o manual para apresentações bem-sucedidas So würde Hitchcock präsentieren – literalmente: Assim Hitchcock apresentaria), canetas-tinteiros (Limited Edition Alfred Hitchcock, da Montblanc) ou na arte (o projeto do artista belga Johan Grimonprez Looking for Alfred). Wydra complementa: "Não há como louvar suficientemente a influência de Hitchcock na cultura pop."

Cena de banho em 'Psicose' uma das mais célebres do cinemaFoto: AP

E como Hitchcock conseguiu isso? Para Kammerer, a "extraordinária economia narrativa" do diretor foi crucial. "Não há nada supérfluo, cada detalhe tem uma função essencial na trama, nada está lá por acaso. Essa extraordinária redução ao necessário e sua implementação estética através da câmera e de montagens de ponto de vista, podem ser designadas marcos no cinema."

Para o professor universitário, é também notável a maneira hitchcockiana de lidar com o público, como bem ilustra o clássico Psicose. "Ele manipula [o público], é claro, mas também lhe deixa algum 'espaço livre' para participação." Essa interação entre artista e público é o que o filósofo francês Gilles Deleuze chamou de "imagem mental".

"Só o espectador torna a história completa. Hitchcock foi o primeiro a concretizar isso cinematograficamente", explica Kammerer. "Ele aperfeiçoou para o cinema, sem dúvida, essa forma de suspense gerada por o espectador saber mais do que as personagens."

A visão do autor Kluy é semelhante: "O ponto forte hitchcockiano era o jogo com as expectativas do público, em termos de suspense e adiamento do suspense, geralmente com um toque irônico, de forma que ele convidava a 'torcer' – e continua convidando."

Além disso, para os "cinematograficamente avançados", abrem-se mundos interpretativos: trata-se de "um jogo com superfície de entretenimento e uma profundeza, não raro, subversiva, aqui sádica, lá mórbida, que só se revela ao se assistir várias vezes a uma película, e que possivelmente parece atual a todas as gerações subsequentes", analisa Kluy

Kim Novak e James Stewart em 'Um corpo que cai'Foto: picture-alliance

Para os três especialistas alemães em Hitchcock, é também notável como diretores de gerações posteriores repetidamente evocam, imitam e citam o mestre: "A lista de cineastas influenciados pelo trabalho de Hitchcock é infinita, e vem até os dias de hoje", comenta Thilo Wydra.

"Começando com a francesa Nouvelle Vague – especialmente os dois maiores discípulos de Hitchcock, Claude Chabrol e François Truffaut –, passando por americanos como Martin Scorsese, Steven Spielberg e Brian de Palma, até diretores mais jovens, incluindo o menino-prodígio francês François Ozon", todos são "crucialmente influenciados pela visualidade sutil de Hitchcock, seu estilo, suas imagens, assim como por sua música e irresistíveis paisagens sonoras".

Alexander Kluy ressalta: "O aspecto óptico e técnico – enquadramento de imagem, movimento de câmera, montagem – deve ser uma das razões para a influência sobre tantos. A outra razão é provavelmente a profunda prospecção moral e psicológica, ainda atual e excitante, nas almas de suas altamente polivalentes e até ambivalentes personagens."

Gregory Peck e Ingrid Bergman em "Quando fala o coração"Foto: picture alliance/United Archives/IFTN

Isso às vezes se aplica até às locações de filmes hollywoodianos recentes, sublinha Kluy: os irmãos Ethan e Joel Coen rodaram sua produção em preto e branco O homem que não estava lá em Santa Rosa, "a pequena cidade onde, quase 60 anos antes, Hitchcock dirigira o sofisticadamente perturbador, potencialmente devastador A sombra de uma dúvida", igualmente em preto e branco.

Kammerer concorda: "No gênero de suspense, Hitchcock está sempre presente, as séries Missão Impossível e James Bond trazem à mente Intriga internacional." Repete-se também com frequência "o efeito de vertigem de O corpo que cai". Steven Spielberg estendeu "a cena da plantação de milho de Intriga internacional num filme inteiro (Encurralado) e afundou Os pássaros no oceano (Tubarão)", aponta Kammerer.

Brian de Palma, anos a fio considerado o maior admirador de Hitchcock em Hollywood, "esteve trabalhando durante certo período tão próximo do mestre, que a um certo ponto acabou se irritando com o veredicto público de que seria um epígono não criativo, e rebateu: 'Sim, claro, Hitchcock está para o cinema como Bach está para a música: uma autoridade que não se pode contornar", observa Kammerer.

E assim, no 120º ano de seu nascimento, o mestre britânico do cinema Alfred Hitchcock também se destaca na era digital: não apenas com suas próprias obras, mas também como grande manipulador, influenciador e instrutor de gerações inteiras de cineastas.

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