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Comida e clima

20 de janeiro de 2012

Com participação brasileira, estudo publicado na revista Science mostra que a agricultura, cada vez mais impactada por mudanças climáticas, ainda ignora sustentabilidade e segurança alimentar.

Comida e mudanças climáticas: segurança alimentar em perigoFoto: picture-alliance/dpa

Na região Sul do Brasil, celeiro agrícola do país, o regime de chuvas não é mais o mesmo das últimas décadas. Santa Catarina, por exemplo, viveu sete anos de estiagem nos últimos dez anos – embora os cientistas ainda não possam afirmar categoricamente se a alteração foi causada por mudanças no clima.

"Mas é, sem dúvida, uma anomalia. Temos que prestar atenção. E a ciência é responsável por buscar a causa dessas anomalias", disse Carlos Nobre, do Ministério de Ciências e Tecnologia, em conversa com a DW Brasil. O pesquisador é um dos autores do artigo "What next for agriculture after Durban" ("O que vem pela frente para a agricultura depois de Durban", em tradução livre), publicado nesta sexta-feira (20/01) na revista Science.

Assinado por 14 cientistas atuantes em diferentes partes do mundo, o texto é provocativo: um dos setores sob maior pressão para garantir a sobrevivência da humanidade e que tem a missão de alimentar uma população de 9 bilhões de pessaos até 2050 é uma pauta esquecida nas negociações climáticas.

"A agricultura global precisa produzir mais comida para alimentar uma população cada vez mais numerosa. Por outro lado, avaliações científicas mostram que as mudanças climáticas são uma ameaça crescente para as lavouras e para a segurança alimentar", alerta o artigo.

Mudança em curso, alimento em risco

Chifre da África: eventos extremos tornam-se comunsFoto: DW

"É cientificamente provado que se pode ter uma agricultura de menor impacto ambiental, menos emissão, menor impacto de resíduos, menor impacto na biodiversidade e, ao mesmo tempo, mais produtiva e adaptada às mudanças climáticas que já se tornaram inevitáveis", afirma Nobre.

Essa inevitabilidade pôde ser vista nos últimos dois anos: na seca que castigou o Chife da África e desencadeou uma crise humanitária, nas queimadas na Rússia que atingiram plantações de trigo, nas enchentes no Paquistão e Austrália que também afetaram lavouras. São exemplos de eventos extremos que, como afirmam especialistas, ficarão mais frequentes com o aquecimento do planeta.

O setor agrícola mundial, porém, continua conservador, praticamente inerte a esse cenário desafiador, afirmam os cientistas. "As políticas priorizam o valor de mercado da agricultura, o fator econômico. A agricultura sustentável exige uma readequação do parâmetro principal, ou seja, foco na segurança alimentar e na redução do impacto no meio ambiente", ressalta o autor brasileiro do estudo.

Brasil: avanços e retrocessos

Nesse cenário, o Brasil está, ao mesmo tempo, "um passo atrás e um passo a frente". O país é elogiado por ter uma meta de redução de emissões, e o Plano ABC, ou Agricultura de Baixo Carbono, do governo federal, faz parte dessa estratégia.

A meta é evitar a emissão de 165 milhões de toneladas equivalentes de CO2 nos próximos dez anos. Para tanto, foram disponibilizados 3,15 bilhões de reais em créditos para os agricultores brasileiros aplicarem na chamada agricultura sustentável: incentivo ao plantio direto, recuperação de pastagens degradadas, plantio de florestas comerciais, integração lavoura-pecuária-floresta e fixação biológica de nitrogênio.

Por outro lado, a ameaça de regressão vem das diretrizes ainda em discussão do Código Florestal. Ainda não se sabe se a nova lei vai conciliar o desenvolvimento sustentável e socialmente justo com as necessidades da agricultura sustentável. "Há muitas forças conservadoras que não enxergam a sustentabilidade da agricultura e até certo ponto buscam um retrocesso. Ou seja: a expansão sem limites da fronteira agrícola", critica Nobre.

Lavouras brasileiras ignoram efeitos de um clima diferenteFoto: AP

Enquanto isso, no resto do mundo, há poucos bons exemplos de práticas agrícolas sustentáveis que garantam também boa colheita. O artigo da Science ressalta um caso africano: na Nigéria, 5 milhões de hectares foram regenerados com técnicas agroflorestais, o que beneficiou mais de 1 milhão de residências e gerou uma produção extra de 500 mil toneladas de grãos por ano.

Agricultura num clima diferente

Os anos de estiagem e os alarmes disparados pelos cientistas começam a provocar tímidas reações no agricultor brasileiro. No sul, a fruticultura, acostumada ao clima frio, já começa a se planejar para o plantio em clima tropical. Em vez da maçã, que pede temperaturas mais amenas, a banana e o abacaxi poderiam ser cultivados no "novo Sul'. Essa possibilidade já é estudada pelos agricultores da região.

"A cafeicultura brasileira, finalmente, também começou a reagir. O setor relutou muito, foi muito conservador, mas percebeu que pensar no futuro com clima diferente é importante", comentou Nobre. O plantio da espécie arábica, por exemplo já se vê ameaçado nas regiões onde as temperaturas não param de subir.

Autora: Nádia Pontes
Revisão: Francis França

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