Almirantes da reserva que criticaram Erdogan são presos
5 de abril de 2021
Em carta aberta, mais de cem ex-militares de alta patente alertaram contra ambicioso projeto de construção de canal defendido por Erdogan. Dez signatários são detidos, e líder turco fala em tentativa de "golpe político".
Anúncio
As autoridades da Turquia prenderam nesta segunda-feira (05/04) dez almirantes da reserva que assinaram, ao lado de dezenas de outros ex-oficiais, uma carta aberta criticando um megaprojeto de infraestrutura defendido pelo presidente Recep Tayyip Erdogan.
Outros quatro signatários da declaração foram intimados a depor, mas escaparam de mandados de prisão devido a sua idade avançada, informou a agência de notícias estatal Anadolu.
A carta aberta foi publicada no domingo por 104 militares de alta patente da reserva da Marinha turca, alertando contra o chamado Canal Istambul. O projeto prevê a construção de um canal de navegação de 45 quilômetros paralelo ao estreito de Bósforo, que liga o Mar Negro ao Mar de Mármara, dando acesso, assim, ao Mar Mediterrâneo.
Contudo, o plano de Erdogan não deixa claro se o novo canal estaria coberto pela chamada Convenção de Montreux, um tratado de 1936 que busca garantir a desmilitarização do Mar Negro.
O acordo regulamenta o uso dos estreitos de Bósforo e Dardanelos por navios civis, garantindo a sua livre passagem pelos canais, e limita o acesso de embarcações militares aos estreitos.
Na carta, os almirantes sugerem que o novo canal poderia representar uma ameaça à livre circulação na região e pedem o cumprimento da convenção internacional. Segundo eles, o acordo possibilitou que a Turquia mantivesse sua neutralidade durante a Segunda Guerra Mundial e evitasse ser arrastada para um conflito potencialmente devastador.
"O fato de a saída da Convenção de Montreux ter sido aberta ao debate como parte das negociações sobre o Canal Istambul [...] foi recebido com preocupação", dizem os ex-militares, lembrando que Erdogan já retirou a Turquia de outros tratados internacionais, como a Convenção de Istambul, que visa prevenir a violência contra as mulheres.
"Há uma necessidade de se evitar quaisquer declarações e ações que possam fazer com que a Convenção de Montreux, um tratado importante em termos de sobrevivência da Turquia, seja posta em discussão", acrescentam.
Anúncio
A resposta de Ancara
A Anadolu informou que os 14 ex-almirantes detidos ou intimados a depor se tornaram alvo de uma investigação iniciada pelo procurador-geral de Ancara após a carta.
Segundo a agência estatal, eles são suspeitos de terem organizado a declaração e são investigados sob a possível acusação de chegarem a "um acordo com o objetivo de cometer um crime contra a segurança do Estado e a ordem constitucional".
Em reação à declaração nesta segunda-feira, Erdogan também acusou os ex-almirantes de buscarem "um golpe político" ao atacarem o projeto de construção do canal.
"O dever dos almirantes aposentados [...] não é publicar declarações que insinuem um golpe político", afirmou Erdogan. "Em um país cujo passado está repleto de golpes, uma tentativa por parte de almirantes da reserva nunca será aceita."
Golpes militares são um assunto delicado na Turquia, alvo de três deles entre 1960 e 1980. Em 2016, houve ainda uma tentativa de derrubar Erdogan, num golpe de Estado fracassado atribuído pelo presidente aos seguidores do clérigo Fethullah Gülen nas Forças Armadas.
Desde então, milhares de pessoas foram detidas enquanto aguardam julgamento, sob suspeita de pertencerem ao movimento de Gülen. Além disso, mais de 100 mil funcionários públicos, entre eles professores e policiais, foram demitidos ou suspensos de seus empregos por supostos vínculos com o clérigo.
ek/as (AFP, DPA, AP, Lusa)
Quão europeia é Istambul?
Apesar da crise de relacionamento, Europa e Turquia têm muito em comum. Istambul, por exemplo: a metrópole de 15 milhões de habitantes não é apenas geograficamente parte da Europa. Uma viagem pela cidade dos contrastes.
Foto: Rena Effendi
Para além das categorias convencionais
Istambul é a única cidade do mundo localizada em dois continentes: Europa e Ásia. Na metrópole do Bósforo, tradição e modernidade, religião e estilo de vida secular colidem como em nenhum outro lugar. Muitos dizem que exatamente isso faz a magia da cidade.
Foto: Rena Effendi
Quase 3 milênios de existência
Uma história de mais de 2.600 anos molda a paisagem urbana da Istambul de hoje. Diversos líderes se alternaram na luta pelo poder: persas, gregos, romanos, otomanos. "Constantinopla" era o centro do Império Bizantino e posteriormente do Império Otomano. Só em 1930 a cidade foi batizada "Istambul".
Foto: Rena Effendi
Entre mundos
O Bósforo é a alma azul de Istambul. O estreito separa a parte europeia da parte asiática da cidade. Todos os dias, balsas levam dezenas de milhares de um lado para o outro. Gaivotas gritam ao vento. A bordo, há chá e "simit" (anéis de gergelim). A travessia leva cerca de 20 minutos, de Karaköy, na Europa, para Kadiköy, na Ásia.
Foto: Rena Effendi
Pontes conectam
A partir da ponte Galata, é possível observar bem os navios – e outras coisas mais. Aqui, pescadores se apinham na esperança de uma boa pesca. Entre eles: comerciantes, turistas, engraxates, vendedores de milho. A primeira ponte foi construída aqui em 1845 – quando Istambul ainda se chamava Constantinopla.
Foto: Rena Effendi
"Europa é um sentimento"
"Meu nome é Vefki", diz um dos pescadores, acenando. "Eu me sinto europeu. Queremos mais liberdade, e por isso a Turquia e a UE devem se aproximar." Vefki é aposentado e a pesca é seu hobby, mas também uma renda extra. Por dois quilos de peixe, ele consegue no mercado o equivalente a cerca de oito euros.
Foto: Rena Effendi
Minaretes no coração da cidade
Na Praça Taksim, no coração da cidade, zunem máquinas de construção. Aqui, uma nova mesquita é erguida a alta velocidade, com uma cúpula de 30 metros de altura e dois minaretes. Tudo deve estar pronto até as eleições de 2019. Críticos acusam o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, de impor uma nova identidade à praça: islâmico-conservadora e neo-otomana, ao invés de secular e europeia.
Foto: Rena Effendi
Europeia e devota
O tom é mais conservador no bairro de Fatih, apesar de ele se situar na parte europeia de Istambul. Muitos que vivem aqui imigraram da Anatólia, procurando trabalho e uma vida melhor. Alguns também chamam Fatih de "bairro dos devotos": aqui são muitos os adeptos fiéis do presidente turco e de seu partido conservador-islâmico AKP.
Foto: Rena Effendi
Compras à sombra da mesquita
Quarta-feira é dia de mercado em torno da mesquita de Fatih. Tem empurra-empurra e regateio por eletrodomésticos, roupas, lençóis, frutas e legumes. Os preços são mais baixos do que em outros lugares, assim como os aluguéis. Atualmente muitas famílias sírias vivem em Fatih. Desde o início da guerra, em 2011, a Turquia recebeu mais de 3 milhões de refugiados – mais do que qualquer outro país.
Foto: Rena Effendi
"Pequena Síria" no coração de Istambul
Fatih é agora conhecida por seus restaurantes sírios: O kebab daqui vem com alho extra. "Misafir" (hóspedes) é como os refugiados são oficialmente chamados na Turquia. O status de asilo vigente na UE não existe aqui. Mas o governo prometeu cidadania turca para dezenas de milhares de sírios. Críticos veem nisso uma tentativa de angariar votos adicionais.
Foto: Rena Effendi
Vida noturna em "Hipstambul"
Quem quiser sair, fazer festa, beber álcool, tem que procurar outros bairros de Istambul. Por exemplo Kadiköy, do lado asiático. Ou vir aqui para Karaköy, um dos bairros mais antigos, mas hoje extremamente encarecido. Moradores e turistas se encontram em cafés, lojas conceituais e galerias. A política islâmica conservadora do governo não encontra muitos entusiastas por aqui.
Foto: Rena Effendi
Esperança no turismo
"Istambul mudou muito", diz Ayşegül Saraçoğlu. Ela trabalha numa loja de grife no bairro turístico de Galata. "Há alguns ano,s muitos europeus vinham para cá de férias", agora são principalmente turistas árabes. "Isso é ruim para o nosso negócio", reclama, "espero que mude em breve".