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Entrevista

Miriam Gehrke (sm)23 de janeiro de 2009

Christian Daude, economista da OCDE especializado em América Latina, esboça – em entrevista à Deutsche Welle – os reflexos da crise econômica mundial sobre o continente e suas perspectivas de superação.

Boom do cobre gerou recursos para Chile se resguardar da criseFoto: DW/Luna Bolivar

DW-WORLD.DE: O senhor acha que a América Latina está bem preparada para o ano de crise 2009?

Christian Daude: É claro que é difícil estar bem preparado para uma recessão global, mas em geral os países estão mais preparados. Eles certamente vão passar por uma forte recessão, mas provavelmente não por uma crise. Quanto ao sistema bancário, por exemplo, ainda não se notam problemas na América Latina, ao contrário do que ocorre nos países industrializados, e acredito que isso não acontecerá tão cedo. Isso é muito importante, em se tratando de uma crise. Acredito que não haverá crise na América Latina. É claro que haverá recessão em alguns países, como em todo o mundo, e em outros o crescimento será ainda menor que nos últimos anos.

Ao dizer "mais preparados", o senhor quer dizer que os países latino-americanos estão mais preparados que as nações industrializadas?

Mais preparados, se olharmos para trás, para os últimos 20 anos. A América Latina é uma região com muitos países suscetíveis a crises bancárias, monetárias. Considero-os mais preparados agora, em comparação com o seu próprio passado, não em relação aos países industrializados.

Em quais países da região a estabilização macroeconômica foi especialmente bem sucedida nos últimos anos?

Nos últimos anos, o Chile foi o caso-modelo. O Estado conseguiu poupar uma grande parte da arrecadação provinda do boom do cobre. Este é único país em que, neste ano, a política fiscal pode ser e está sendo aplicada de forma anticíclica. Nesta semana, o Chile decidiu liberar 4 trilhões de dólares, o que corresponde a 3% do PIB, para um pacote de estímulo fiscal. Esse é um caso-modelo. Mas outros países – como o Brasil, o México, a Colômbia, o Peru – fizeram sua lição de casa muito bem e estão mais estáveis, embora também estejam expostos à recessão global.

A América Latina é uma região que teve um enorme crescimento macroeconômico nos últimos 10, 15 anos, mas mesmo assim não conseguiu reduzir consideravelmente a pobreza. É a região do mundo com o maior abismo entre pobres e ricos. O que foi que deu errado?

Eu não diria que não houve nenhuma mudança no quadro da pobreza e da desigualdade. Quando se observam os números, o grande crescimento econômico dos últimos anos fez diminuir a pobreza na maioria dos países. Isso também inclui políticas específicas, como os conditional cash transfer programs. Um exemplo é o Brasil, com bolsa-família, um programa bem-sucedido voltado para a população mais carente, através do qual a família recebe dinheiro e se compromete em contrapartida a mandar as crianças para a escola, fazer exames médicos regulares, por exemplo.

Acredito que, nos últimos anos, a pobreza diminuiu de forma geral na região, e a desigualdade também diminuiu um pouco, embora isso não tenha ocorrido em toda parte. Mesmo assim, a América Latina continua sendo a região menos igualitária do mundo, e naturalmente isso continua sendo um desafio para as democracias nesses países. Teria que surgir mais igualdade, sobretudo nas possibilidades de ascensão social.

Um agravamento da crise prognosticada para 2009 ameaçaria programas como o da bolsa-família no Brasil, por exemplo?

Neste ano, não. A maioria dos países reconhece as vantagens desses programas, considerando-os uma prioridade na distribuição das verbas estatais. Caso a crise financeira se intensifique e perdure até 2010, tornando-se uma depressão mundial, é claro que esses programas também sofreriam sob a pressão financeira a que esses países estariam expostos.

Os países latino-americanos têm condições ou necessidade de viabilizar pacotes para salvar a economia, como na Europa e nos EUA?

É preciso distinguir bem. Nos países industrializados, muitos desses pacotes têm a ver com o sistema bancário, algo que a maioria dos países da América Latina não precisa temer até agora. Por outro lado, fomentar a demanda é um pouco difícil em muitos países, porque eles são em sua grande maioria altamente endividados. E também porque a credibilidade da política – ou seja, a garantia de que essas dívidas sejam realmente saldadas e não se declare falência pura e simplesmente – é mais difícil em muitos países latino-americanos do que na Europa e nos EUA.

Isso limita a possibilidade de se aplicar uma política fiscal anticíclica. Mas eu diria que nos grandes países da América Latina pode-se esperar que pelo menos não se pratique uma política pró-cíclica – ou seja, que – no meio de uma crise em que as despesas deveriam aumentar e os impostos talvez tivessem que ser reduzidos – não ocorra justamente o contrário, ou seja, que haja cortes e os impostos aumentem, só porque o Estado precisa arrecadar mais e não pode se endividar.

Isso não é de se esperar em países como o México e o Brasil. Contudo, poderia ocorrer na Argentina, na Venezuela, no Equador, que hoje estão praticamente excluídos dos mercados de capital, porque – como no caso do Equador – não estão pagando regularmente suas dívidas. Nesses casos, se os problemas continuarem para além de 2009, pode ser que seja necessário praticar uma política pró-cíclica, o que seria ruim para a população desses países, sobretudo para os mais pobres.

Qual é a situação da economia brasileira no momento?

Quando se observam os prognósticos de crescimento do Instituto de Pesquisa Econômica (IWF) e de institutos privados, as expectativas foram drasticamente reduzidas, como em toda parte. Uma previsão otimista seria de 2% de crescimento econômico, uma pessimista seria de 0%. Isso significa que a economia será fortemente afetada pela recessão. Mas seria uma recessão da qual se pode sair gradativamente, e não uma crise: isso é muito importante nesses países, especialmente no Brasil.

É claro que, se a estagnação nos mercados de crédito se mantiver, isso pode gerar problemas, pois o Brasil tem um grande aparato estatal e grande parte da arrecadação já está vinculada a despesas, o que significa que é muito difícil de poupar. E também quanto à composição da dívida pública há um risco por causa dos vencimentos de curto prazo. Isso poderia acarretar problemas, mas só acontecerá se a recessão global ultrapassar 2009 e continuar em 2010, levando a uma grande estagnação. Mas hoje isso ainda não é de se esperar nos mercados de crédito.

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