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América Latina vive mês-chave nas urnas

Diego Fernando Gonzalez md
18 de outubro de 2019

Bolívia, Argentina e Uruguai realizam eleições presidenciais em outubro. Enquanto as oposições uruguaia e boliviana alertam contra uma "venezuelização", esquerda cita Argentina como exemplo de fracasso da direita.

Presidentes da Bolívia, Evo Morales, e da Argentina, Mauricio Macri, em entrevista coletiva
Boliviano Evo Morales e argentino Mauricio Macri tentam reeleiçãoFoto: AFP/J. Mabromata

Outubro é um mês-chave na América do Sul: sete dias agitados em que Uruguai, Argentina e Bolívia realizam eleições presidenciais. Em Montevidéu, independente de quem ganhar, haverá novidades. Em La Paz, Evo Morales busca sua quarta reeleição. Também Mauricio Macri tenta se manter no cargo, em Buenos Aires. Enquanto as oposições uruguaia e boliviana advertem para os riscos de uma "venezuelização" de seus países, os governistas usam o exemplo da Argentina como prova do colapso que uma mudança pode trazer.

Em 20 de outubro, a Bolívia escolhe quem governa o país até 2025. A oposição denuncia que a candidatura de Morales é ilegal, já que a Constituição proíbe que um presidente concorra a um quarto mandato consecutivo. Além disso, em fevereiro de 2016 essa possibilidade foi descartada através de um referendo, em que cerca de 51% dos eleitores votaram pelo "não" a uma nova candidatura de Evo Morales. Mas o Tribunal Superior Eleitoral deu sinal verde para um eventual quarto mandato.

Os principais opositores são o ex-presidente Carlos Mesa e Óscar Ortiz. A questão é se Morales conseguirá se eleger já no primeiro turno, para o que precisa de mais de 50% dos votos, ou mais de 40% e dez pontos percentuais de diferença em relação ao segundo lugar.

O principal trunfo do governo é sua gestão econômica: o eixo da campanha é o slogan "Futuro seguro", e na televisão os spots de propaganda eleitoral advertem sobre o risco de se cair numa crise como a da Argentina. Grafites de rua igualmente advertem: "Mesa = Macri".

"Há muito que a proposta do partido de Morales, o Movimento para o Socialismo (MAS), é a estabilidade. Desta vez vai ser um voto muito mais pragmático, fundamentado nos que pensam que a economia está bem e deveria seguir do mesmo modo. Sua agenda não tem nenhum radicalismo, é modesta”, assegura Pablo Stefanoni, chefe de redação da revista Nueva Sociedad, da sucursal da fundação alemã Friedrich Ebert na Bolívia.

Superdomingo no Uruguai

O superdomingo rio-pratense será em 27 de outubro, quando votam Uruguai e Argentina. O partido de esquerda e governista Frente Ampla (FA) apresenta como candidato o prefeito de Montevidéu, Daniel Martínez.

Seus principais rivais são Luis Alberto Lacalle Pou, do conservador Partido Nacional, e Ernesto Talvi, do centrista Partido Colorado. "Será uma eleição seguramente acirrada. A dúvida é se a FA conseguirá ganhar no segundo turno", expõe o sociólogo uruguaio Agustín Canzani.

A FA governa desde 2005, e "hoje se vive uma mudança de liderança histórica”, avalia Canzani, destacando que nem o atual presidente, Tabaré Vázquez, nem seu antecessor José Mujica, nem o ex-vice-presidente e atual ministro da Economia, Danilo Astori, se candidataram.

Candidato da oposição na Argentina Alberto Fernández é considerado favorito a ganhar a eleiçãoFoto: Reuters/A. Marcarian

Argentina, novo "país de risco"

A Venezuela é já há alguns anos um fantasma que assombra cada uma das eleições da região. Mas desta vez a novidade é que o papel central cabe ao perigo de uma virada "à moda Argentina", bandeira que passou a ser empunhada pelos governistas tanto na Bolívia como no Uruguai.

"Macri era um pós-populista que devia triunfar para que fosse possível se falar de uma bem-sucedida guinada para a direita. Não funcionou, e [o brasileiro Jair] Bolsonaro tampouco. Argentina está sendo usada como foi a Venezuela. Macri, em seus próprios termos, foi um fracasso absoluto: não melhorou nenhuma variável e piorou várias", critica Stefanoni, da Nueva Sociedad.

Uma virada política na Argentina teria implicações geopolíticas. Nas primárias de agosto – que funcionam, na prática como, uma sondagem – o oposicionista Alberto Fernández venceu por grande margem, e os analistas preveem que ele será o próximo presidente. De fato, já é recebido por presidentes e sugere como será sua política exterior.

"Dá a impressão de que se moveria numa linha social-democrata, buscando relações com Espanha, Portugal, Uruguai e Bolívia; uma relação boa, mas não subordinada com os EUA; e uma negociação pragmática com o FMI", explica o jornalista.

A partir daí, ele considera que Buenos Aires poderia desempenhar um papel na Venezuela, alinhado com o Uruguai e o México, e buscar uma "saída negociada", sem apoiar Maduro. Stefanoni também enfatiza que não definiria Fernández como populista, mas como social-democrata, que representa um "progressivismo suave": "O enigma de Alberto não é ele, mas qual será o relacionamento com [a ex-presidente e candidata a vice] Cristina Fernández Kirchner."

Sem ondas

Ao longo da vida política latino-americana, e especialmente na América do Sul, podem-se identificar ondas relativamente homogêneas. Do processo de independência aos populismos de meados do século 20, passando pelas ditaduras militares dos anos 60 e 70, o neoliberalismo nos anos 90 e a curva à esquerda dos anos 2000. Agora, uma nova etapa parece se abrir.

"A região experimentou uma virada para a heterogeneidade após o triunfo de Macri. Na América Latina inaugurou-se uma era mais diversa. De fato, se hoje parte da esquerda voltasse, estaria em outro contexto global e regional. Então, acho que as ambições de reformas seriam mais fracas", diz Stefanoni. "Hoje existe uma certa dose de pragmatismo político, uma volta ao centro na Argentina e na Bolívia, onde Morales é seu próprio Alberto Fernández."

Canzani concorda: "Está chegando uma época de restrições. A situação exigirá da esquerda e do progressismo, se vencerem, orientações inovadoras de políticas públicas". Quanto ao futuro geopolítico regional, o sociólogo ressalta que um novo panorama pode se abrir: o eixo conservador, formado por Brasil, Colômbia e Chile, teria que negociar com um novo alinhamento de Argentina, México, Uruguai e Bolívia. "Hoje a América Latina é mais como o mundo, uma região muito confusa", conclui Pablo Stefanoni.

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