"Amazônia sofre com política criminosa do presidente"
20 de outubro de 2019
Sebastião Salgado recebe Prêmio da Paz, o dedica às vitimas que retratou e critica Bolsonaro em fala de agradecimento. Brasileiro se torna primeiro fotógrafo a ganhar um dos mais prestigiosos prêmios literários alemães.
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O fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado, que recebeu o Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão neste domingo (20/10), dedicou a conquista a todas as vítimas das tragédias que fotografou e aproveitou o discurso para novamente criticar o presidente Jair Bolsonaro.
O Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão é uma das mais importantes distinções literárias do país, premiando escritores, filósofos e cientistas desde 1950. Esta é a primeira vez que um fotógrafo recebe a homenagem, dotada com um prêmio em dinheiro de 25 mil euros (quase 115 mil reais). A cerimônia de premiação é realizada tradicionalmente no último dia da Feira do Livro de Frankfurt.
"Suas fotos desarmam, elas promovem conexão, proximidade e empatia", disse o cineasta Wim Wenders em seu discurso de homenagem ao brasileiro, acrescentando que elas são "uma obra da paz". O alemão dirigiu o documentário O sal da terra, sobre a vida e o trabalho de Salgado, que concorreu ao Oscar em 2015.
"Ele fotografa pessoas em todo o mundo forçadas a enfrentar fome, guerra e opressão, a deixarem seus lares e realizarem uma jornada ao desconhecido", ressaltou o diretor, afirmando que, assim, ele prova ser um "vidente, cuja câmera nos mostra profeticamente a perda de outros fundamentos da paz".
Em sua fala de agradecimento, Sebastião Salgado classificou sua obra como um "ensaio fotográfico", que ele começou há 50 anos e que ainda continua a complementar. "Quero compartilhar este prêmio com todos que permitiram que eu os fotografasse para que as suas tragédias fossem conhecidas pelo mundo", declarou o brasileiro.
Ao longo do discurso, Salgado contou um pouco da trajetória que o levou a muitas partes do mundo para documentar situações extremas e depois a diversos paraísos naturais, o que fez para se recuperar do desespero após ter trabalhado como fotógrafo no genocídio de Ruanda. "Esse genocídio poderia ter sido evitado se a Europa e a ONU tivessem interferido. Todo mundo sabia o que estava acontecendo e ninguém fez nada", denunciou.
Ao falar sobre as viagens à Amazônia, Salgado voltou a criticar Bolsonaro pelas políticas relacionadas aos povos indígenas e ao meio ambiente. "A Amazônia está nas notícias agora pela política criminosa do presidente brasileiro. Os povos indígenas vivem com medo. A agricultura industrial destrói cada vez mais a floresta", analisou.
Sebastião Salgado: "É preciso parar destruição da Amazônia"
04:09
Apesar de todas as situações críticas que já presenciou, Sebastião Salgado disse que continua tendo certa esperança porque "o futuro do planeta está nas nossas mãos".
"Não podemos negar o dano que podemos fazer, pois o ser humano pode ser um lobo para o homem. Mas o futuro do planeta está nas nossas mãos", argumentou.
De acordo com o prestigiado fotógrafo, o prêmio recebido neste domingo reconhece um trabalho desenvolvido durante quase 50 anos e toda a sua vida. "Corrijo-me, a nossa vida. A de Lélia (Wanick Salgado, mulher do fotógrafo) e eu. Tudo o que fiz não teria sido possível sem Lélia. Ela me levou à fotografia, ela editou os meus livros, ela me devolveu a esperança e salvou a minha vida quando voltei de Ruanda", comentou.
Entre outras personalidades distinguidas com o Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão estão Margaret Atwood (2018), Susan Sontag (2003), Václav Havel (1989). Albert Schweitzer (1951), Hermann Hesse (1955), Astrid Lindgren (1978), Siegfried Lenz (1988), Mario Vargas Llosa (1996), Martin Walser (1998), Jürgen Habermas (2001), Orhan Pamuk (2005) e David Grossman (2010).
Focos de incêndio na Floresta Amazônica atingem seu pior agosto em quase uma década. Em Rondônia, fogo é a última etapa de uma cadeia criminosa que inclui invasão de terras, extração ilegal de madeira e desmatamento.
Foto: Imago Images/Agencia EFE/J. Alves
Chamas em agosto
Com 30.901 focos de queimadas registrados por satélites no bioma Amazônia, o mês de agosto de 2019 superou o registrado no mesmo mês em todos os anos anteriores até 2010, quando o número chegou a 45.018. Os dados são do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que monitora as queimadas desde 1998. O recorde para o mês de agosto ainda é de 2007, com 63.764 focos.
Foto: Flávio Forner
Prejuízos à saúde
Na região de Porto Velho, capital de Rondônia, a fumaça das queimadas causa problemas sérios de saúde. Em um estudo realizado no estado, a Fiocruz analisou dados de 1998 a 2005 e concluiu que o número de mortes de idosos acima de 65 anos por doenças respiratórias aumenta durante os meses de queimadas. Até 80% das mortes estão relacionadas aos incêndios florestais.
Foto: Flávio Forner
O futuro da floresta nacional
A Floresta Nacional do Bom Futuro, perto de Porto Velho, foi criada em 1988 para proteger originalmente 280 mil hectares da Floresta Amazônica. Em 2010, um decreto reduziu a área para 98 mil hectares por conta da ocupação da região. A Flona (floresta nacional) é uma das mais ameaçadas no bioma, com histórico de invasões, desmatamento e queimadas.
Foto: Flávio Forner
Plantão na floresta
Brigadistas do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) ficam de plantão na região da Floresta Nacional do Bom Futuro 24 horas por dia na época das queimadas, de julho a outubro. Eles fazem rondas diárias para evitar crimes e, quando identificam fogo, usam bombas costais e abafador para apagar as chamas.
Foto: Flávio Forner
Solo mais pobre
O primeiro efeito da queimada é a perda de nutrientes e da biota do solo, alerta o biólogo Marcelo Ferronato, da ONG Ecoporé. Com o passar dos anos, os nutrientes que estavam ali sendo depositados pelas florestas desaparecem, como folhas e galhos. "O solo vai se enfraquecendo, a área começa a ser degradada, a produtividade cai, e novas áreas são abertas, alimentando o ciclo do desmatamento."
Foto: Flávio Forner
Lote ilegal
O capim cresce na área já desmatada dentro da Floresta Nacional do Bom Futuro. A estaca fixada no chão serve para demarcar o lote que, mais para frente, será vendido de forma ilegal. A área onde o crime ocorreu fica a menos de um quilômetro da estrada de terra que corta a unidade de conservação.
Foto: DW/N. Pontes
Desmatamento antes do fogo
Esta clareira na Floresta Nacional do Bom Futuro foi aberta cinco dias antes de a equipe da DW Brasil visitar o local. Algumas árvores mais antigas ainda estão de pé, como uma da espécie tauari de 200 anos, de cerca de 40 metros de altura, que também é um porta-sementes. Segundo brigadistas, os criminosos esperam a mata derrubada secar por alguns dias antes de colocar fogo.
Foto: Flávio Forner
Reflorestamento em risco
Alguns projetos de compensação ambiental de outros empreendimentos são revertidos para a Floresta Nacional do Bom Futuro. Na foto, árvores nativas da Amazônia crescem numa área do tamanho de 70 campos de futebol que foi desmatada. Se elas sobreviverem aos crimes cometidos na região, precisarão de 50 anos para voltar a ganhar o aspecto de uma floresta densa.
Foto: Flávio Forner
Pressão em terras indígenas
No estado de Rondônia, 21 reservas são destinadas a povos indígenas. A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, a cerca de 300 quilômetros de Porto Velho, tem sete aldeias e comunidades que escolheram viver isoladas na Floresta Amazônica. Criado em 1985, o território de uso exclusivo dos indígenas sofre ameaças constantes de madeireiros e grileiros.
Foto: Flávio Forner
Preocupação com a floresta
Segundo os indígenas, a destruição da floresta é muito rápida. Eles acreditam que a "empreitada" para desmatar e queimar a mata, que conta com entre 10 e 15 pessoas, seja custeada por quem tem muito dinheiro. Depois de tirar a madeira, os criminosos queimam a área e jogam sementes de capim, conta Taroba Uru-Eu-Wau-Wau (foto).
Foto: Flávio Forner
Desmatamento e pastagem
Segundo estudos de pesquisadores da Universidade Federal de Rondônia (Unir), o desmatamento ilegal serve para ampliar áreas de pastagem. Dados oficiais estimam que o rebanho no estado ultrapasse 14 milhões de cabeças. Aos poucos, as pastagens têm se convertido em plantações, como de soja, afirma a pesquisadora Maria Madalena Cavalcante, da Unir.