Ameaça de guerra civil ainda paira sobre Moçambique
Cai Nebe
14 de janeiro de 2025
Eleição contestada que manteve o partido Frelimo no governo desencadeou protestos violentos. Posse do Parlamento é trégua momentânea, mas instabilidade política e econômica continua.
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As ruas de Maputo estavam desertas nesta segunda-feira (13/01), quando foi empossado o novo Parlamento moçambicano. O líder oposicionista Venâncio Mondlane havia convocado uma greve de três dias em protesto pelos resultados das eleições contestadas.
Dois partidos menores boicotaram a cerimônia inaugural, alegando não aceitar o resultado do pleito de outubro. O presidente eleito, Daniel Chapo, conclamou à calma e unidade após os meses de turbulência que abalaram a nação da África Meridional.
Mondlane retornou a Moçambique na segunda semana de janeiro do exílio autoimposto em reação ao assassinato de seu advogado, em 19 de outubro de 2024. Sua volta desencadeou confrontações entre seus apoiadores e a polícia na capital.
Para a analista moçambicana Carmeliza Rosário, no momento parece distante um fim pacífico para o impasse: "Há uma sensação de desassossego. Não há uma imprensa imparcial, e nem todo mundo está fazendo a cobertura de tudo." Há narrativas conflitantes: a da sigla governista, a Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), a que pertence Chapo, e a da oposicionista Podemos, de Mondlane.
O Supremo Tribunal de Moçambique confirmou a distribuição dos 250 assentos parlamentares pouco antes do Natal, cabendo 171 à Frelimo. Essa vitória esmagadora, de 65%, estende seu regime que já tem meio século. O Podemos, um pequeno partido que se tornou principal grupo de oposição, ficou com 43. Seu líder Mondlane, de 50 anos, afirma que houve manipulação e fraude.
ONGs locais calculam em cerca de 300 o número de vítimas dos distúrbios ocorridos desde o pleito, com as forças de segurança sendo acusadas de empregar violência excessiva contra os manifestantes, inclusive munição viva.
"Teremos novamente um Estado se impondo, com pessoas que rejeitam essa imposição e decidindo quem elas querem que as governe" comenta Rosário, que avalia que o país pode estar se encaminhando para uma nova guerra civil.
Mondlane no impasse entre aceitar Chapo e trair seu eleitorado
A Frelimo governa Moçambique desde a independência em relação a Portugal, em 1975. O período incluiu uma guerra civil, de 1977 a 1992, contra a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo), hoje um pequeno partido oposicionista. A legenda governista tem sido acusada de corrupção, elitismo e de não beneficiar a vida dos moçambicanos comuns, o que motivou o eleitorado mais jovem a reivindicar uma mudança de governo.
Tendai Mbanje, analista do Centro Africano de Governança, sediado em Joanesburgo, afirmou à agência de notícias AFP que Mondlane "é a atual esperança e futuro dos jovens": "Se a Frelimo deseja unir o país, ela deveria aproveitar a volta dele como uma oportunidade de diálogo."
Até o momento, o oposicionista não foi preso, e a Frelimo de fato realizou negociações com líderes do Podemos que o apoiam, a fim de encerrar o impasse. Rosário comenta: "O principal problema de Chapo é que ele não tem as ruas". Ele é "fraco, com uma Frelimo muito forte por trás". Por outro lado, "o Podemos é muito fraco, mas tem Venâncio Mondlane como um rosto carismático forte"
Com as lojas fechadas e uma presença policial pesada em algumas cidades, a economia moçambicana está muito abalada. Em seguida à eleição, a vizinha África do Sul chegou a fechar a fronteira. Transportes marítimos, comércio transfronteiriço e o setor de mineração também sofreram.
O operário Neto Fernando resume: "Queremos paz, nada mais. Não importa quem vá governar, a gente quer a chance de trabalhar e a unidade entre os moçambicanos." E para o motorista Tomás Cumbe: "O mais importante é o diálogo, ninguém vai fazer 100% para os moçambicanos, é preciso eles se entenderem. Não é uma guerra, são só opiniões diferentes, é preciso haver concessões dos dois lados."
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Um ano eleitoral na África Meridional
Os partidos de libertação do sul do continente africano tiveram todos eleições inexpressivas em 2024. O Swapo manteve o poder por um triz na Namíbia; o Congresso Nacional Africano da África do Sul foi pela primeira vez forçado a uma política de coalizão; enquanto em Botsuana o Partido Democrático perdeu um pleito, pela primeira vez em sua história.
No entanto, se é para interpretar literalmente os resultados oficiais, essa tendência não se manteve m Moçambique. Carmeliza Rosário pondera que as economias namibiana e sul-africana são relativamente grandes, enquanto para os moçambicanos "a única maneira de acessar os recursos é por meio do Estado e do partido".
Em consequência, a Frelimo fez tudo para deter o poder, em vez de procurar um consenso. "Nós podíamos ter tido uma economia. Temos os recursos natural para tal, mas por a governança ser tão ruim, não temos", explica a analista.
O mês de janeiro em imagens
Reveja alguns dos principais acontecimentos do mês
Foto: MATTHEW HINTON/AFP
Procurador diz que havia evidências para condenar Trump
Em relatório tornado público, o procurador especial Jack Smith afirma que havia evidência suficiente para condenação do presidente eleito dos EUA por tentar anular o resultado da eleição de 2020. Parte do documento foi enviado ao Congresso pelo Departamento de Justiça – não sem que antes Trump tentasse impedir que isso acontecesse. Republicano reagiu tachando Smith de "perturbado". (14/01)
Foto: Jacquelyn Martin/AP Photo/picture alliance
Lula sanciona lei que proíbe uso de celular nas escolas
Lei restringe uso de aparelhos eletrônicos portáteis, sobretudo telefones celulares, nas salas de aula de escolas públicas e privadas em todo o país. Há exceções para uso pedagógico, sob supervisão dos professores, ou em casos excepcionais de acessibilidade ou necessidade de saúde. Medida ainda será regulamentada por decreto a tempo de entrar em vigor no início do ano letivo, em fevereiro. (13/01)
Sobe para 16 número de mortos em incêndios em Los Angeles
O número de mortos nos incêndios florestais que atingem a região de Los Angeles aumentou para 16, enquanto as equipes lutam para conter as chamas antes da chegada prevista de novas rajadas de ventos fortes capazes, potencialmente, de empurrar o fogo em direção a outras regiões da cidade. (12/01)
Foto: Jae C. Hong/AP Photo/picture alliance
Milhares protestam contra convenção da ultradireita na Alemanha
Mais de 10 mil pessoas participam de uma manifestação em uma pequena cidade do leste alemão contra a convenção nacional do partido ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD). A convenção é parte da campanha do partido para as eleições federais de 23 de fevereiro, convocada após o colapso do governo de coalizão do chanceler federal, Olaf Scholz. (11/01)
Foto: EHL Media/IMAGO
Trump é sentenciado e será 1º presidente condenado dos EUA
O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, foi sentenciado por sua condenação criminal decorrente do pagamento em dinheiro para silenciar uma atriz pornô. A penalidade, porém, não inclui multa, prisão ou liberdade condicional. O juiz aplicou ao republicano uma sentença de "dispensa incondicional", que reconhece a culpa do réu, mas não impõe uma pena específica. (10/01)
Foto: Brendan McDermid-Pool/Getty Images
"Sinceramente, estou morrendo", diz ex-presidente do Uruguai José Mujica
Mujica, de 89 anos, revelou que o câncer em seu esôfago se espalhou para o fígado e que a progressão da doença não pode mais ser interrompida. "Não posso fazer nem um tratamento bioquímico nem uma cirurgia porque meu corpo não aguenta", disse. "O que eu peço é que me deixem em paz. O guerreiro tem direito ao descanso." (09/01)
Foto: Santiago Mazzarovich/AFP
Incêndios deixam rastro de destruição na Califórnia
Incêndios florestais de enormes proporções atingiram a Califórnia e deixaram ao menos cinco mortos e dezenas de feridos. No condado de Los Angeles, cerca de 180 mil pessoas tiveram que deixar suas casas por ordem das autoridades, com as chamas consumindo uma área de 117 quilômetros quadrados. (08/01)
Foto: Ringo Chiu/REUTERS
Morre o extremista francês Jean-Marie Le Pen
Líder histórico da extrema direita francesa e pai da ultradireitista Marine Le Pen morreu aos 96 anos. Ele foi um dos fundadores do partido Frente Nacional, renomeado em 2018 para Reunião Nacional. Figura polarizadora na política francesa, Le Pen era conhecido por sua retórica inflamada contra a imigração e o multiculturalismo. (07/01)
Congresso dos EUA certifica vitória eleitoral de Trump
O Congresso dos EUA certificou Donald Trump como vencedor da eleição de 2024. A cerimônia aconteceu sem interrupções – em contraste à violência de 6 de janeiro de 2021, quando, com pelo menos aquiescência de Trump, uma multidão invadiu o Capitólio para impedir certificação de Joe Biden. Os legisladores se reuniram sob forte segurança para cumprir a data exigida pela lei eleitoral. (06/01)
Foto: Chip Somodevilla/Getty Images/AFP
Neve traz caos à Europa e aos Estados Unidos
Após um fim de ano com temperaturas relativamente amenas, nevou no Reino Unido e em outras partes da Europa. Pistas congeladas geraram transtorno nas estradas e levaram ao cancelamento de voos e fechamento de aeroportos, inclusive na Alemanha. Nos Estados Unidos, algumas áreas devem ter a pior nevasca da década. (05/01)
Foto: Danny Lawson/PA Wire/dpa/picture alliance
Trens de longa distância operados pela alemã Deutsche Bahn batem recorde de atraso
Em 2024, 37,5% dos trens de longa distância registraram atraso superior a seis minutos – a maior taxa em 21 anos. Empresa atribuiu piora no desempenho à "infraestrutura ultrapassada e sobrecarregada", obras na rede ferroviária, aumento do tráfego, falta de mão de obra e eventos climáticos extremos, mas disse trabalhar em um plano de ação para melhorar sua pontualidade. (04/01)
Foto: Sebastian Gollnow/dpa/picture alliance
Milhares de alemães assinam petição contra uso de fogos de artifício
Mais de 270 mil alemães assinaram uma petição online pedindo a proibição de fogos de artifício particulares em todo o país, após um Ano Novo marcado por cinco mortes e dezenas de feridos pelo uso incorreto dos fogos. Em várias cidades, equipes de emergência foram atingidas pelos explosivos. Em Berlim, um policial ficou gravemente ferido e precisou ser operado. (03/01)
Foto: Christian Mang/REUTERS
Multidão protesta contra prisão de presidente afastado da Coreia do Sul
Uma centena de pessoas se reuniram em Seul para protestar contra o mandado de prisão imposto ao presidente deposto da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, acusado de insurreição. Apoiadores se posicionaram em frente à residência de Yoon, que se propôs a "lutar até o fim". Agentes já se posicionam no local para cumprir a ordem judicial. (02/01)
Foto: Philip Fong/AFP
Homem atropela multidão em Nova Orleans e deixa 10 mortos
Ataque ocorreu na Bourbon Street, uma rua turística com bares e clubes noturnos. Condutor do veículo morreu em confronto com policiais e FBI investiga "ato de terrorismo". Suspeito, um cidadão americano do Texas, carregava bandeira do Estado Islâmico. (01/01)