Futuro governo terá dois grupos: os neoliberais das privatizações e os militares nacionalistas. Mas o colunista Alexander Busch avalia que maior dificuldade poderá vir das negociações com o Congresso.
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Há um mês e meio, Jair Bolsonaro foi eleito presidente da República. Desde então, o capitão da reserva passou a maior parte do seu tempo escolhendo seus futuros ministros.
De maneira simplificada, valeram dois critérios para nomear um futuro ministro. Ele deveria ser homem – há apenas duas mulheres no governo formado por 22 ministros. Além disso, ajuda se ele estudou economia na Universidade de Chicago – melhor ainda se tiver um doutorado da instituição.
Ou então ele é militar e conquistou seus méritos na missão de paz dos capacetes azuis da ONU no Haiti, que foi comandada por representantes das Forças Armadas do Brasil. Até agora, sete militares, incluindo quatro ex-generais, serão responsáveis por pastas como Ciência e Tecnologia, Infraestrutura e Minas e Energia a partir do dia 1º de janeiro – mas militares também terão a incumbência de negociar com o Congresso. Quase todos são senhores na chamada melhor idade, com mais de 65 anos.
O mesmo vale para os "Chicago Boys", que apelidaram a si mesmos de "Chicago Oldies" – e essa trupe de neoliberais maduros é liderada pelo futuro superministro Paulo Guedes. A Petrobras, o Banco Central, o BNDES e os bancos estatais ficarão todos sob o comando de economistas da escola de Milton Friedman.
Como esses dois grupos – de tamanho mais ou menos equivalente – vão se acertar dentro do governo?
Os economistas da Escola de Chicago querem abrir o isolado mercado brasileiro, realizar privatizações e reduzir a influência do Estado na economia. Do outro lado, com as privatizações com participação estrangeira, os militares temem a liquidação do patrimônio nacional. Quando estiveram no poder pela última vez, há 50 anos, iniciaram grandes projetos, como a Transamazônica, a represa de Itaipu ou o programa de usinas nucleares de Angra dos Reis, mas também a fabricante de aviões Embraer e as pesquisas para a produção de etanol como combustível de carros.
Nos círculos de pesquisadores, ouve-se que a pesquisa de base em áreas de interesse dos militares, como astronáutica, tecnologias nucleares próprias e informática de vigilância, poderá voltar a ser incentivada. Na imprensa de economia, lê-se que os militares estão se atualizando intensamente em temas como parcerias público-privadas, licitações e financiamentos.
Na área da infraestrutura, os dois grupos poderão até mesmo se entender logo. Tanto para os liberais como para os militares, as escolhas políticas para as agências de regulação são uma pedra no sapato. Segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV), nas duas últimas décadas, das 140 posições nessas entidades, 40% foram preenchidas seguindo a filiação partidária dos ocupantes – e não por conhecimento técnico ou outro tipo de expertise.
Postos de direção nas agências regulatórias são moeda importante no toma-lá-da-cá entre o governo e o Congresso. É que os diretores dessas agências são burocratas poderosos, que podem frear qualquer projeto de bilhões com (a ausência de) suas assinaturas.
Possivelmente, é por isso que as diferenças de opinião dentro do governo não serão o maior dos problemas. As negociações com o Congresso é que poderão ser muito mais difíceis. O que generais e neoliberais querem oferecer a deputados e senadores para que estes aprovem suas reformas legislativas? Com "ordens do mérito" ou exemplares do clássico de Friedman, Capitalismo e Liberdade, é que os eleitos não deverão se deixar convencer tão cedo.
Ou será que sim? Por segurança, os militares já começaram a agradar ao chefe: na semana passada, entregaram a Medalha do Pacificador com Palma ao presidente eleito Jair Bolsonaro, por ato de bravura. A concessão foi justificada por Bolsonaro ter evitado o afogamento de um soldado há 40 anos. Durante a cerimônia fechada, Bolsonaro tagarelou livremente que ele mesmo entrou com pedido pela condecoração. A intenção seria eliminar qualquer rumor de que ele seja um racista. O então cadete pelo qual Bolsonaro arriscou a vida é um afrodescendente.
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Com diplomação, presidente eleito conclui primeira fase da transição e já tem o gabinete formado. Durante a campanha, ele prometeu reduzir número de ministros de 29 para 15, mas acabou com 22. Veja quem são.
Foto: picture-alliance/AP Images/L. Correa
Redução modesta
Durante a campanha, Jair Bolsonaro prometeu reduzir o número de ministérios de 29 para 15. Mas, durante a transição, o presidente voltou atrás e promoveu uma redução bem menor do que a prometida. Ao todo, há 22 pastas no novo governo. Entre os ministros, há filiados do DEM, PSL e MDB, além de dez com laços militares, dois discípulos de Olavo de Carvalho e apenas duas mulheres.
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Paulo Guedes
Guru econômico e ministro anunciado ainda durante a campanha, Paulo Guedes comanda o superministério da Economia, formado pela junção das pastas da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio Exterior. O economista é investigado pelo Ministério Público Federal (MPF), suspeito de ter cometido fraudes na captação de recursos de fundos de pensão de estatais entre 2009 e 2013.
Foto: AFP/Getty Images
Onyx Lorenzoni
Deputado federal do DEM, Onyx Lorenzoni articulou a campanha de Bolsonaro desde 2017 e foi indicado para assumir a Casa Civil. Em sua carreira política, já foi deputado estadual no Rio Grande do Sul e, desde 2003, tem mandatos na Câmara. Após ser citado na delação da JBS, ele admitiu ter recebido caixa dois de campanha, e está sendo investigado pela Procuradoria-Geral da República.
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Sérgio Moro
Juiz federal que foi responsável pela Lava Jato em primeira instância, Sérgio Moro comandará o Ministério da Justiça. Seu decisão de entrar para a política causou polêmica. Foi ele quem condenou Lula pela primeira vez em 2017, o que marcou o início dos problemas do ex-presidente em registrar sua nova candidatura ao Planalto em 2018. Fato que ajudou Bolsonaro a assumir a liderança nas pesquisas.
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Marcos Pontes
Astronauta que chegou a ser cotado para vice da chapa do PSL, Marcos Pontes chefiará o Ministério da Ciência Tecnologia. Formado em engenharia aeronáutica pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica, Pontes se tornou o primeiro astronauta brasileiro da história e foi enviado ao espaço pela Missão Centenário, em 2006, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele é filiado ao PSL.
A deputada federal Tereza Cristina (DEM) comandará o Ministério da Agricultura. Engenharia agrônoma e empresária, Tereza Cristina foi presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária e indicada pela bancada ruralista para o cargo. Ela defende a aprovação do projeto lei que flexibiliza as regras para a fiscalização e aplicação de agrotóxicos no país.
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Ernesto Araújo
Diplomata de carreira, Ernesto Araújo assumirá o Ministério das Relações Exteriores. Discípulo de Olavo de Carvalho, ele atuou no Itamaraty em várias áreas, porém, nunca chefiou uma embaixada. Araújo mantinha um blog no qual fez campanha para Bolsonaro, chamou o PT de "Partido Terrorista" e disse querer libertar o mundo da "ideologia globalista". Admira Donald Trump e nega o aquecimento global.
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Luiz Henrique Mandetta
Deputado federal do DEM (MS), Luiz Henrique Mandetta ficou com o comando do Ministério da Saúde. Médico ortopedista e ligado a Lorenzoni, ele era crítico do Programa Mais Médicos. Entre 2005 e 2010, Mandetta foi secretário municipal de saúde de Campo Grande. A passagem pelo cargo lhe rendeu um inquérito por suspeita de fraude em licitação, tráfico de influência e caixa dois.
Foto: Agência Brasil
Fernando Azevedo e Silva
O general da reserva Fernando Azevedo e Silva foi escolhido para o Ministério da Defesa. Natural do Rio, ele deixou o Alto Comando do Exército em 2018 e passou a assessorar o presidente do STF, Dias Toffoli. Azevedo e Silva foi chefe do Estado-Maior do Exército e comandante da Brigada Paraquedista, onde serviu ao lado de Bolsonaro. Chefiou ainda operações na Missão de Paz da ONU no Haiti.
Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil
Ricardo Vélez Rodríguez
Escolha do colombiano antipetista Ricardo Vélez Rodríguez para assumir o Ministério da Educação foi indicação de Olavo de Carvalho. Nascido em Bogotá e naturalizado brasileiro, Vélez Rodríguez é formado em filosofia e mostrou apoiar várias das bandeiras defendidas por Bolsonaro, como a expansão de escolas militares no país e o combate a uma suposta predominância de ideias esquerdistas no ensino.
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Tarcísio Gomes de Freitas
O ex-diretor do Dnit Tarcísio Gomes de Freitas chefiará o novo Ministério da Infraestrutura, que deve englobar a atual pasta de Transportes, Portos e Aviação Civil. No governo Temer, Freitas foi secretário de Coordenação de Projetos do Programa de Parceria em Investimentos e consultor legislativo da Câmara dos Deputados. O engenheiro civil iniciou a carreira no Exército e atuou no Haiti.
Foto: Getty Images/AFP/E. Sa
Gustavo Canuto
Servidor efetivo do Ministério do Planejamento, Gustavo Henrique Rigodanzo Canuto comandará o novo Ministério do Desenvolvimento Regional. Servidor sem filiação partidária, Canuto é formado em engenharia da computação e direito e já atuou na Secretaria Geral da Presidência da República, na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) e na Secretaria de Aviação Civil.
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil
Osmar Terra
Ex-ministro do governo Temer, Osmar Terra assumiu o novo Ministério da Cidadania e Ação Social. Médico, Terra é deputado federal pelo MDB desde 2001. Já foi prefeito de Santa Rosa (RS) e secretário de Saúde do RS. Terra poderá ser um dos ministros que trará dor de cabeça a Bolsonaro. O deputado apareceu na superplanilha da Odebrecht, que indicaria propinas pagas a políticos.
Foto: Viola Jr/Camara dos Deputados
Marcelo Álvaro Antônio
Deputado do PSL Marcelo Álvaro Antônio assumirá o Ministério do Turismo. Integrante da frente parlamentar evangélica, ele foi o candidato mais votado em Minas Gerais, reeleito para o segundo mandato neste ano. Antes de ser deputado, Antônio foi vereador de Belo Horizonte. Antônio é o segundo filiado do PSL escolhido por Bolsonaro para integrar seu governo.
Foto: Agência Brasil/Valter Campanato
Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior
O almirante Bento Costa Lima Leite de Albuquerque Júnior chefiará o Ministério de Minas e Energia. Ele atuou como diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha, foi observador do Brasil na Força de Paz das Nações Unidas em Sarajevo, na Bósnia-Herzegovina, e comandante de submarinos.
Foto: Getty Images/AFP/H. Retamal
Damares Alves
Pastora evangélica e assessora do senador Magno Malta (PR), Damares Alves foi escolhida para chefiar o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos. A advogada trabalha há mais de 20 anos no Congresso. Ela já declarou que a mulher nasceu para ser mãe, se posicionou contra o feminismo e políticas voltadas a diminuir a discriminação de homossexuais. É contra a legalização do aborto e das drogas.
Foto: Agência Brasil/V. Campanato
Ricardo de Aquino Salles
Advogado e criador do Endireita Brasil, Ricardo de Aquino Salles será o ministro do Meio Ambiente. Salles foi secretário estadual do Meio Ambiente no governo de Geraldo Alckmin. É réu por improbidade administrativa, acusado de esconder alterações em mapas do zoneamento ambiental do rio Tietê, numa ação que teria favorecido mineradoras. Foi ainda diretor da Sociedade Rural Brasileira.
Foto: Imago/Fotoarena
Ministérios dentro do Planalto
Além da Casa Civil, outros três ministérios funcionam dentro do Planalto. Ex-presidente do PSL e aliado próximo de Bolsonaro, Gustavo Bebianno será o chefe da Secretaria-Geral. O general reformado que comandou a Missão ONU para a Estabilização no Haiti Augusto Heleno ficou com o Gabinete de Segurança Institucional. Já o general Carlos Alberto dos Santos Cruz ficará com a Secretaria de Governo.
Foto: Getty Images/AFP/M. Pimentel
AGU e CGU
A Advocacia-Geral da União (AGU) ficará sob o comando do advogado André Luiz de Almeida Mendonça, que, ao longo da carreira, atuou em áreas de transparência e combate à corrupção. O Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) continuará a ser chefiado por Wagner Rosário (foto). O servidor de carreira ocupa o cargo desde junho de 2017, indicado pelo ex-presidente Michel Temer.
Foto: Agência Brasil/Marcelo Camargo
Roberto Campos Neto
O chefia do Banco Central ficou com o economista Roberto Campos Neto, neto do ex-ministro do Planejamento Roberto Campos, que comandou a pasta entre 1964 e 1967, durante a ditadura militar. Próximo de Paulo Guedes, já atuou no banco Santader, no banco Bonzano Simonsen e na gestora de fundos Claritas.