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Ao comparar Merkel a Ortega, Lula faz afago à militância

25 de novembro de 2021

Leniência com algumas ditaduras ainda persiste em parte da esquerda latino-americana. Paralelo infeliz de Lula parece ter sido um afago para setores da sua militância. Ex-presidente já provou ser um democrata.

Ex-presidente Lula
"Por que Angela Merkel pode ficar no poder por 16 anos, e Daniel Ortega não?", questionou Lula em entrevistaFoto: Daina Le Lardic/EP

"Por que Angela Merkel pode ficar no poder por 16 anos, e Daniel Ortega não?" A comparação entre a chanceler alemã e o ditador da Nicarágua feita pelo ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva em entrevista ao jornal espanhol El País reacendeu a questão sobre a relação de Lula e seu PT com ditaduras de esquerda, como a de Daniel Ortega.

Para avaliar tais afirmações, é preciso um olhar na história. Lula tornou-se o mais importante líder sindical do Brasil na década de 1970. No início dos anos 80, sua rápida ascensão política começou com a fundação do PT, que rapidamente se tornou o maior e mais importante partido da América Latina.

E Lula sempre buscou a proximidade com o movimento operário europeu e partidos de esquerda, como o SPD alemão. Sua passagem pela Europa na semana passada, incluindo encontros comOlaf Scholz e outros líderes europeus, mostra a estreita ligação de Lula com a social-democracia ocidental.

Laços com esquerda latino-americana

O cientista político Ricardo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), lembra que Lula sempre teve laços estreitos com a esquerda latino-americana, sobretudo com os irmãos cubanos Fidel e Raúl Castro. Era a época da Guerra Fria, na qual o governo americano sob Ronald Reagan desempenhava um papel inglório nas guerras civis da América Central, unindo, assim, a esquerda latino-americana em solidariedade.

Estreita ligação com a social-democracia ocidental: Lula se encontrou com alemão Olaf ScholzFoto: Ricardo Stuckert/Instituto Lula

Ao mesmo tempo, havia uma certa desconfiança na democracia de estilo ocidental daquela época. "Os partidos de esquerda na América Latina gostam de descartar a democracia como uma instituição superficial da burguesia. Enquanto isso, entretanto, a luta de classes continua. E muitas vezes Lula se identifica com esse discurso", diz Prando, em entrevista à DW Brasil.

Na prática, porém, Lula nunca usou meios revolucionários de esquerda. "Quando o PT chegou ao poder, o discurso radical foi colocado de lado. Não havia razão para acreditar que poderia haver uma ruptura com a democracia ou com o capitalismo sob o PT."

A defesa de Daniel Ortega por Lula deve ser então entendida como um lance preliminar para a próxima campanha eleitoral. Em outubro de 2022, Lula pode vir a concorrer pelo retorno à presidência como candidato do PT. Mais recentemente, ele se aproximou ainda mais do centro político ao não descartar Geraldo Alckmin como seu possível vice-presidente.

Críticas por aceno do centro 

Uma das figuras mais importantes do PSDB, Alckmin enfrentou Lula em 2006. Embora PSDB e PT tenham raízes comuns no movimento de oposição à ditadura militar, eles se distanciaram em meados da década de 80. O PSDB teve papel importante no impeachment de Dilma Rousseff em 2016. O fato de Lula estar agora se aproximando de um oponente político dessa forma gerou críticas de dentro de suas próprias fileiras petistas.

Controverso mesmo entre a esquerda: até ex-combatentes sandinistas se distanciaram de Daniel OrtegaFoto: Miguel Andres/ASSOCIATED PRESS/picture alliance

Segundo o cientista político Sérgio Praça, da Fundação Getúlio Vargas, embora a comparação entre Angela Merkel e Daniel Ortega mostre que Lula aparentemente tem pouco conhecimento da atual situação na Nicarágua, para ele, trata-se de jogar em seu próprio campo. O especialista lembra que há muitos simpatizantes do PT que se apegam a uma imagem romântica da esquerda latino-americana.

"O preço político por esta declaração é muito baixo. Ela logo será esquecida. Mas Lula ganha simpatia entre os petistas militantes, que acham que ele recentemente foi muito ao centro ao permitir as especulações sobre Alckmin como vice-presidente", diz Praça.

O cientista político acredita que tais declarações dificilmente terão um papel na campanha eleitoral do próximo ano, já que o eleitor brasileiro tem muito pouco interesse em política externa. "E ele diz isso agora, em novembro de 2021, e não em setembro de 2022. No meio da campanha eleitoral do próximo ano ele não dirá tal coisa."

Ortega decepciona a esquerda

No entanto, a transfiguração romântica de autocratas de esquerda como Daniel Ortega é vista com decepção na América Central. No período que antecedeu as eleições presidenciais do início de novembro, representantes da oposição nicaraguense demonstraram incompreensão sobre o silêncio do campo de esquerda em relação às violações dos direitos humanos. Ortega prendeu 39 de seus críticos mais ferozes desde maio, incluindo os sete políticos da oposição que queriam concorrer contra ele.

Mesmo seus ex-companheiros da luta revolucionária estão presos em condições desumanas. Ex-combatentes da revolução sandinista se distanciaram de Ortega e o comparam abertamente ao cruel ditador Anastasio Somoza, deposto em 1979. Eles não devem ter gostado nada da comparação de Lula entre Daniel Ortega e Angela Merkel.

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